por Haman Tabosa de Moraes e Córdova
Acompanhamos há três semanas o desentendimento havido no Estado de São Paulo entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil em razão do término do convênio estabelecido entre as duas instituições, por meio do qual centenas de advogados se cadastravam para prestar, na falta de defensores públicos em número suficiente para cobrir toda a necessidade da população paulista, o serviço de orientação jurídica integral e gratuita aos que não têm condições de contratar um advogado privado.
A querela foi parar no Poder Judiciário, razão pela qual deixamos aqui de nos manifestar sobre nossa opinião acerca da legalidade do atual modelo adotado pelo Estado, cabendo tão-somente ao julgador fazê-lo.
Não podemos, todavia, nos furtar de chamar a atenção do governo desse respeitado estado brasileiro para a necessidade de ampliação, com urgência, do quadro de defensores públicos, com o quê, certamente, não haverá de se cogitar em manter convênios entre a Defensoria Pública e advogados particulares, os quais, como em qualquer profissão da iniciativa privada, são naturalmente remunerados por seus clientes particulares pelos relevantes serviços prestados.
A Carta de Outubro de 1988, em seu artigo 134, previu expressamente a Defensoria Pública como órgão específico do Estado destinado a fazer valer o disposto em seu artigo 5º, inciso LXXIV, que assegura a todos que comprovarem insuficiência de recursos o serviço de orientação jurídica de forma integral e gratuita, ou em outras palavras, o franco acesso à justiça sem que barreiras econômicas os afastem do legítimo exercício dos seus direitos fundamentais.
Dessa forma, com a abertura de concursos públicos para o crescimento e fortalecimento da Defensoria Pública paulista, abre-se também a oportunidade para que os advogados conveniados inscrevam-se e realizem, de forma oficial e mediante a submissão a critérios de igualdade e transparência, o sonho de defenderem aqueles que mais necessitam de ajuda e que não têm como retribuir pelo serviço prestado.
Importante destacar, nessa esteira, que o Estado deve organizar-se de modo que suas instituições democráticas trabalhem em harmonia em prol do interesse público. E a lógica consiste na atuação da Defensoria Pública e da Ordem dos Advogados do Brasil em conjunto, porém cada qual no terreno jurídico onde a outra não pode, ou pelo menos não deve atuar.
Aos advogados privados cumpre, como regra, o papel de representar as pessoas que dispõem de recursos para pagar pelos serviços contratados ou, eventualmente, quando laboram em favor de pessoas carentes, mediante a percepção de honorários advocatícios sobre o êxito da demanda ou mesmo de forma gratuita, esta última mais rara haja vista que raro é o trabalho sem a devida contraprestação pecuniária.
À Defensoria Pública, por sua vez, sempre que procurada, cumpre atuar em favor desses últimos, não podendo agir, também em regra, em favor daqueles que dispõem de recursos para pagar um advogado particular, sendo vedado a seus membros, sob qualquer pretexto, por força de disposição expressa em sua Lei Orgânica e porque já são remunerados pelo Estado, a percepção de honorários advocatícios.
Assim deve funcionar o sistema de defesa, em juízo ou fora dele, e se ainda hoje tal não ocorre, muito embora passados quase 20 anos da promulgação da Constituição Federal, é porque algo deve ser corrigido imediatamente.
Esperamos, portanto, que o impasse entre tão importantes instituições ultime-se de forma que o texto constitucional seja respeitado em sua inteireza, e que, num futuro próximo, esse tema esteja definitivamente superado – no Estado de São Paulo ou em qualquer outro Estado da federação – em respeito à população carente brasileira, a maior prejudicada com a instabilidade dos papéis institucionais.
Revista Consultor Jurídico