Provada a materialidade e presentes indícios de autoria, as dúvidas resolvem-se em favor da sociedade, impondo-se a pronúncia como mero juízo de admissibilidade. Sob esse entendimento, a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso acolheu o Recurso de Apelação nº 55542/2006, interposto pelo Ministério Público Estadual em desfavor de um acusado de tentativa de homicídio. O crime só não foi consumado por circunstâncias alheias a vontade do agressor (artigo 121, § 2°, incisos II e III , c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal). A câmara julgadora considerou que o Tribunal do Júri deveria apreciar as provas com minúcias, o que não seria possível em sede de recurso.
Consta dos autos que em 11 de junho de 2003, às 23h30, em um quarto de hotel na Comarca de Juína (735 km a noroeste de Cuiabá), o denunciado, fazendo uso de uma faca, desferiu golpes contra a vítima, causando-lhe as lesões corporais descritas no auto de exame de corpo de delito. A vítima, atingida nas mãos, pescoço e cabeça, teria reagido, afugentando o agressor, após uma discussão por causa de um emprego. O Juízo de Primeira Instância impronunciou o ora recorrido, reconhecendo a excludente de ilicitude da legítima defesa própria (artigo 411 do Código de Processo Penal). Do outro lado, o órgão ministerial interpôs recurso, fundamentando a não existência da excludente de ilicitude (artigo 23, II e artigo 25, ambos do Código Penal), requerendo a pronúncia do recorrido, para apreciação do delito pelo Tribunal Popular do Júri.
Salientou o relator, juiz Rondon Bassil Dower Filho, que a Lei nº 11.689/2008 – que alterou os dispositivos do Código de Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri – estabeleceu, no artigo 416, o cabimento da apelação em caso de impronúncia ou de absolvição sumária, sendo recebido o recurso como apelação criminal. Constatou ainda a materialidade pelo auto de exame de corpo de delito, mapa topográfico para localização de lesões e do auto de exibição e apreensão. Quanto a autoria, o próprio acusado confirmou, em fase judicial, que desferiu os golpes, alegando legítima defesa.
Os autos informam ainda que a vítima prestou depoimento apenas na fase policial, tendo em vista que veio a falecer poucos meses depois do fato e que a única testemunha, um policial militar, prestou declarações contraditórias na fase policial e em juízo, ora dizendo que a vítima teria iniciado a discussão, ora que teria sido o agressor. Assim, comprovadas a materialidade do fato e indícios suficientes da autoria, a câmara julgadora determinou que o acusado seja submetido ao julgamento pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, a quem cabe melhor a análise dos fatos.
A decisão foi unânime, com votos dos desembargadores Rui Ramos Ribeiro, revisor, e Juvenal Pereira da Silva, vogal.