Calote à vista – Aprovação da PEC 12 eterniza dívidas do poder público

por Flavio J.S. Brando

A última versão do Relatório do senador Valdir Raupp para a Proposta de Emenda Constitucional 12 – notoriamente conhecida como a PEC do calote – é obscenamente inconstitucional e sem qualquer base matemática elementar.

Esta versão foi gestada em cenário de pornografia política explícita, onde unicamente devedores inadimplentes, através de prefeitos e secretários de Fazenda de Estados, participaram. Credores e advogados foram impedidos de opinar e defender seus legítimos interesses.

O primeiro alicerce desta aventura é a criação de limites ao pagamento de decisões judiciais pelo Poder Público. Algo simplesmente extravagante, nem o ditador Mugabe no Zimbabwe ainda pensou em algo tão bizarro. Para uma pessoa física, seria algo como a aprovação de lei limitando o pagamento de suas dívidas a, digamos, 0,6% de seu salário mensal (como querem para prefeituras, por exemplo).

Alguém com R$ 2 mil de remuneração, somente estaria obrigado a pagar R$ 12 por mês por todas suas execuções judiciais. Um convite para o calote em aluguéis, condomínio, cartão de crédito, impostos, etc. Imaginem o que um prefeito mal intencionado não fará com esta indulgência plena ao calote: desapropriar propriedades imóveis, rádios e jornais de inimigos políticos, não dar aumentos ou atrasar remuneração do funcionalismo, tudo sem preocupação financeira, pois o generoso limite de 0,6% sobre as receitas líquidas do município resolveria o problema. Um Governador poderia desapropriar a emissora regional de televisão, concessionárias de energia, telefonia e até a Vale do Rio Doce!

Simulações econômicas indicam que no estado do Rio de Janeiro, o credor que entrar para o orçamento de 2009, aguardará 42 anos para receber seu precatório , e aquele de 2010, jamais receberá seu crédito, pois o valor limite pago anualmente será sempre menor que a correção aplicada à dívida acumulada.

O Estado de São Paulo somente pagará a atualização de dívida. Qualquer novo credor, jamais receberá. Na prefeitura de São Paulo, quem estiver na metade da fila já existente, jamais receberá, juntamente com os novos credores.

Como se isto não bastasse, querem instituir um chamado leilão de dívidas judiciais, onde o único comprador possível será o próprio devedor, que realizará os eventos de calote quando quiser, evidentemente pagando quanto e em quem condições bem entender. Os pequenos credores, sempre os mais prejudicados, terão as opções, no caso do Rio de Janeiro, de 42 anos para receber ou vender a qualquer preço para o próprio devedor. Os maiores credores talvez possam esperar mais um pouco, certamente felizes com o grau de investimento recebido recentemente pelo Brasil, um porto seguro para investimentos sem risco de calote.

O poder público quer o monopólio do calote contra as velhinhas e não aceita falar em um mercado livre e competitivo de títulos públicos lastreados em dívidas judiciais. O princípio é o lucro com a própria torpeza: se alguém vai ganhar com calote, que seja o próprio poder público inadimplente.

Confisco e monopólio são proibidos na Constituição, mas as eleições municipais estão aí e as Excelências têm pressa para se livrar deste abacaxi ou pelo menos empurrar o tema para um futuro distante. Duas moratórias (1988 – 8 anos e 2000 – 10 anos) já foram incluídas na Constituição e a grande maioria dos estados e municípios nada cumpriram.

Esta lamentável versão de PEC 12 viola direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição e, a rigor, sequer poderia ter andamento no Congresso (CF, artigo 60, IV, iv). Desrespeita direitos adquiridos, modifica a coisa julgada, afeta a segurança jurídica e agride a independência entre os Poderes. Se aprovada, certamente será objeto de ADI no STF.

Existem muitas soluções práticas e objetivas para solução estruturada do estoque acumulado de precatórios judiciais em calote (estimados em R$ 100 bilhões): venda (ou securitização ou cobrança pela iniciativa privada) da dívida ativa de impostos que pode chegar a R$ 1 trilhão; utilização dos depósitos judiciais (somente em SP chegam a R$ 16 bilhões); venda de patrimonio imobiliário ocioso e ações de estatais que não comprometam o controle acionário; compensação tributária de dívida ativa com precatórios; criação de fundos de investimento com precatórios, que emitiriam debentures com lastro na receita futura desses precatórios; utilização de precatórios alimentares para pagamento de financiamento de casa própria e contribuições para aposentadoria de servidores públicos, e por aí vai.

Infelizmente, o objetivo dos alquimistas públicos tem sido como não pagar, ao invés de desenvolver com os credores boas fórmulas de pagamento. Utilizam toda uma demagogia para supostamente privilegiar os pequenos credores alimentares, quando querem acabar com a ordem cronológica de pagamentos, mas já demonstramos que estes serão as maiores vítimas do calote proposto.

Ninguém explica porque as instituições financeiras e outros titulares de dívida voluntária do poder público (hoje acima de R$ 1,4 trilhão) recebem sempre em dia, sem desconto, sem leilão, sem ir ao Poder Judiciário.

Esta semana teremos uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado para analisar, às pressas e pela primeira vez, a última versão PEC 12 de calote. Democrática, corretamente lá estarão a OAB para defender o Direito, a Justiça e os credores, e representantes dos devedores, estes lutando contra este absurdo de exigirem o pagamento de dívidas judiciais (o rico Estado de São Paulo ainda não pagou o orçamento de alimentares de 1998, 60 mil credores já morreram e existem centenas de milhares pagando juros extorsivos de cheque especial à Nossa Caixa, de seu devedor!). Os devedores acenarão com o apocalipse, se vierem a ser constrangidos a cumprir a lei e as ordens judiciais. Lembremos da CPMF e do crescente superávit nas arrecadações públicas. Esperemos e trabalhemos para que o final do mundo seja mais uma vez adiado.

Revista Consultor Jurídico

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