por Daniel Roncaglia
A questão da jornada de trabalho dos motoristas de caminhão é uma das mais delicadas do Direito trabalhista. A natureza desse tipo de serviço dificulta o cumprimento da limitação de oitos horas diárias estabelecida pela Consolidação das Leis do Trabalho. Primeiro pela dificuldade de se fazer na estrada o controle de horário. Segundo porque, tanto para o motorista quanto para o padrão, não é possível ficar 16 horas com o caminhão parado no meio da estrada.
Segundo dados da Confederação Nacional do Transportes, um motorista de transportadora trabalha em média 14,5 horas por dia. Já o autônomo chega a ficar 15 horas no batente. Números da mesma CNT informam ainda que existem 3 milhões de caminhões rodando o país. Eles são responsáveis por 52% das cargas transportadas. Isso demonstra que a questão transpassa o campo trabalhista, já que a boa saúde do trabalhador é essencial para a segurança nas estradas.
A transportadora Golden Cargo, no entanto, encontrou um modo de solucionar em parte o problema. Apesar de não ter agradado alguns motoristas, ela fez um acordo coletivo com o sindicato, que foi ratificado pelo Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região (São Paulo). Pelo acordo, os trabalhadores dessa empresa ganham 40 horas extras fixas mensalmente. O cálculo é de que, como os motoristas trabalham em média 20 dias por mês, a empresa paga adiantadamente duas horas de horas extras, mesmo que elas não sejam cumpridas.
Para que o acordo fosse legítimo na Justiça, era preciso o entendimento de que os sistemas de rastreamentos de caminhão não funcionam como um equipamento de controle de horários. O juiz Salvador Franco de Lima Laurino (relator) considerou o argumento da defesa da empresa plausível.
“É importante assinalar que, em conformidade com as cláusulas das convenções coletivas, a existência de equipamentos como o sistema de rastreamento do veículo por via satélite e o computador de bordo não significavam o controle e tampouco a imposição de horário determinado de trabalho, destinando-se apenas à segurança do caminhão”, afirmou o relator, que foi acompanhado pelos demais juízes da 6ª Turma do TRT.
“Fizemos os juízes entenderam que quando o motorista está na estrada não há nenhum tipo de controle de horário”, afirma o advogado da empresa, José Roberto Campos Junior. O advogado diz que a empresa tem 400 motoristas. Como ela trabalha com o transporte de defensivos agrícolas, a maior carga de trabalho acontece durante a época de safra entre julho a dezembro. No resto do ano, os motoristas ficam boa parte do tempo na empresa. “O acordo foi um modo de encontrarmos um equilíbrio”, afirma o Campos Junior.
Para o juiz, o pagamento fixo de 40 horas extras era francamente benéfico aos trabalhadores por causa dessa sazonalidade. “Seja pela fragilidade da prova do controle de jornada, seja porque o empregador sempre pagou horas extras em quantidade maior do que o recorrente demonstrou cumprir, o juízo de origem andou bem ao rejeitar a pretensão ao pagamento de horas extras, razão por que esse capítulo da sentença não merece o reparo postulado no apelo”, argumentou o juiz.
Entre 2002 e 2003, o acordo previa 60 horas de horas extras, mas foi reduzido pela empresa por considerá-lo acima do justo. Segundo o juiz Lima Laurino, “não há qualquer pedido na demanda postulando o pagamento da diferença de 20 horas extras por mês por esse fundamento, de modo que é ocioso o debate sobre a validade desse negócio jurídico”.
O entendimento do TST não segue o do tribunal paulista. Para a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, o equipamento de rastreamento permite ao empregador saber se o motorista trabalhou mais de oito horas por dia. Deste modo, ele é válido porque se houve horas extras elas aconteceram sob o consentimento da empresa. A decisão foi tomada em novembro de 2007.
O advogado Campos Junior lembra que a decisão pode ser revista pelo TST. A importância do posicionamento do TRT, na sua opinião, é de que a jurisprudência pode ser alterada com base nele.
Leia a decisão
Processo TRT/SP 03252.2006.203.02.00-9
Recurso Ordinário da 3ª Vara do Trabalho de Barueri
Recorrente: Wagner dos Santos Rodrigues
Recorrido: Golden Cargo Transportes e Logística Ltda
Inconformado com a r. sentença de fls. 172/175, cujo relatório adoto e que julgou procedente em parte a pretensão, recorre o autor requerendo a reforma do julgado para que seja acolhido seu pedido de pagamento de horas extras e de adicional de insalubridade ou de periculosidade.
Contra-razões apresentadas às fls. 196/198.
É o relatório
VOTO
1. Conheço do recurso, pois preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
2. Além da fragilidade da prova do suposto controle de horário durante as viagens, observa-se dos recibos de salários que o empregador pagava um número fixo de horas extras para compensar eventual superação da jornada diária durante as viagens, as quais eram pagas mesmo nos meses em que o recorrente cumpria jornada ordinária na sede da empresa.
Com relação à jornada extraordinária, observa-se que as testemunhas prestaram depoimentos conflitantes, de modo que não convencem de que o empregador impunha o cumprimento de jornada extraordinária ou que fixava um roteiro cujo percurso não poderia ser cumprido senão mediante o cumprimento de horas extras.
É importante assinalar que, em conformidade com as cláusulas das convenções coletivas, a existência de equipamentos como o sistema de rastreamento do veículo por via satélite e o computador de bordo não significavam o controle e tampouco a imposição de horário determinado de trabalho, destinando-se apenas à segurança do caminhão.
Ademais, o empregador pagava 60 e, a partir de 2003, 40 horas extras por mês para compensar a eventual execução de jornada extraordinária durante as viagens, situação que era francamente benéfica ao recorrente, que durante o primeiro semestre de cada ano permanecia a maior parte de tempo na sede da empresa, onde não cumpria horas extras (fls. 164).
Por outro lado, ainda que se possa cogitar de eventual invalidade do acordo coletivo de 2002/2003, que reduziu de 60 para 40 o número de horas extras pagas por mês, não há qualquer pedido na demanda postulando o pagamento da diferença de 20 horas extras por mês por esse fundamento, de modo que é ocioso o debate sobre a validade desse negócio jurídico.
Sendo assim, seja pela fragilidade da prova do controle de jornada, seja porque o empregador sempre pagou horas extras em quantidade maior do que o recorrente demonstrou cumprir, o MM. Juízo de origem andou bem ao rejeitar a pretensão ao pagamento de horas extras, razão por que esse capítulo da sentença não merece o reparo postulado no apelo.
3. Durante o período de pernoite, o recorrente não se encontrava em regime de sobreaviso, uma vez que o computador de bordo não implicava restrição à sua liberdade de modo a colocá-lo à disposição do empregador enquanto repousava, razão por que não prospera a pretensão fundada na analogia com o § 2º do artigo 244 da Consolidação.
4. Conforme apurou a perícia, embora a carga transportada pelo recorrente fosse altamente tóxica, ela era acondicionada em embalagem lacrada que impedia qualquer contato do motorista e dos ajudantes com o produto nocivo à saúde (fls. 141/149).
Dessa forma, põe-se em evidência que as condições em que o recorrente prestou serviços não configuraram insalubridade e nem periculosidade, razão por que esse capítulo da sentença não justifica o reparo postulado pelo autor.
Diante do exposto, conheço do recurso e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO a fim de manter a r. sentença impugnada, por seus próprios e jurídicos fundamentos.
É o meu voto.
SALVADOR FRANCO DE LIMA LAURINO
Juiz Relator
Revista Consultor Jurídico