Carta ao presidente – Movimento quer sanção de projeto sobre inviolabilidade

O presidente do Conselho do Movimento de Defesa da Advocacia, Roberto Podval, saiu em defesa da lei da inviolabilidade dos escritórios de advocacia. O advogado resolveu encaminhar, na terça-feira (7/8), carta ao presidente Lula para pedir que ele sancione a lei que restringe as hipóteses de busca e apreensão em escritórios de advocacia.

Na carta, Podval explica que a advocacia não pede regalias, mas garantias. Ele ressalta que o país carece de uma lei que defenda os advogados do abuso das buscas e apreensões nos seus escritórios. Afirma, ainda, que “triste da sociedade que precisa de lei para afirmar o obvio”. De acordo com ele, o pedido não se trata de favorecimento de uma classe, mais sim do favorecimento à democracia.

“Ao proteger o escritório de advocacia, protege-se a sociedade. Não é por outra razão que a fonte dos jornalistas também é protegida — assim como os segredos do confessionário”, registrou Podval ao acrescentar que “um homem de esquerda não pode achar que invasão de escritório de advocacia é algo normal, permitido e tolerável numa sociedade democrática”.

O presidente em exercício José Alencar deve sancionar até sexta-feira (8/7) a lei com algumas restrições. É que o presidente Lula viajou à China e só voltará sábado à noite (9/8). O prazo de 15 dias que o presidente tem para se posicionar sobre um projeto vence no começo da próxima semana.

Os parágrafos que correm riscos de serem vetados são o 5º e 8º. O primeiro classifica como instrumento inviolável do advogado “todo e qualquer bem imóvel ou intelectual utilizado no exercício da advocacia, especialmente seus computadores, telefones, arquivos impressos ou digitais, bancos de dados, livros e anotações de qualquer espécie, bem como documentos, objetos e mídias de som ou imagem, recebidos de clientes ou de terceiros”. Para o governo, a norma permitiria que o advogado guardasse em seu escritório objetos fruto de delitos.

Já o parágrafo 8º diz que, quando for decretada a quebra da inviolabilidade contra advogado que faz parte de escritório, ela será “restrita ao local e aos instrumentos de trabalho privativos do advogado averiguado, não se estendendo aos locais e instrumentos de trabalho compartilhados com os demais advogados”.

A OAB, no entanto, aceita o possível veto aos dois parágrafos. Os parágrafos essenciais, para a entidade, são o 2º, que trata da inviolabilidade em si, e o 6º, que trata sobre a possibilidade da quebra da inviolabilidade.

Lei a carta de Podval ao presidente

Meu querido presidente — garantias não são regalias!

Começo explicando que o título não significa intimidade. E que não procuro através dele demonstrar um prestígio que não tenho. É que tanto torci, defendi e briguei em defesa desse governo que me sinto intimo do Presidente que mal conheço.

Mas agora, presidente, não posso deixar de criticá-lo. Talvez o faça tarde, mas, como diz o ditado popular, antes tarde do que nunca. Há anos, Presidente, numa aula na Universidade de Coimbra, gabava-me de o nosso pais ser mais liberal que Portugal. Afinal, tínhamos a possibilidade de impetrarmos os chamados habeas corpus preventivos — uma espécie de jaboticaba jurídica brasileira. Explico, senhor Presidente: caso estejamos prestes a sofrer uma coação ilegal (ainda futura), temos a oportunidade de irmos ao Judiciário brecar um mal. Um mal que esta por vir. Poucos são os países a possuir esse instrumento. Pois bem, senhor Presidente, o professor me olhou espantado e perguntou: por que razão alguém pode supor que uma autoridade venha a cometer uma coação ilegal? Minha ficha caiu naquela ocasião, senhor Presidente: o fato de termos a figura do hábeas corpus preventivo não demonstra um avanço jurídico, mas sim a tristeza de termos que lidar com tamanha insegurança e arbítrio. Tenha em mente, senhor presidente, que não somos mais desonestos ou cruéis que os portugueses, ou qualquer outro povo — talvez à exceção dos indígenas, os bem-bem distantes, justamente aqueles citados pelo juiz Fausto de Sanctis em um artigo recente que consagrou o conceito idílico do selvagem.

Presidente, agora nos deparamos com uma manifestação ainda mais grave desse arbítrio: a discussão sobre a busca policial em escritórios de advocacia. Mais uma vez, infelizmente, me vejo na triste situação de afirmar o óbvio: uma lei para defender os advogados do abuso, do arbítrio, das buscas e apreensões nos seus escritórios. Triste da sociedade que precisa de lei para afirmar o obvio!

E nesse tema, presidente, não é possível tergiversar. Alguns atos marcam nossos governantes. A forma como o senhor conduziu a economia em um momento de dificuldades; a rede de proteção e de incentivos que o senhor criou para os menos favorecidos; o seu empenho na garantia de uma Policia Federal independente. Enfim, senhor Presidente, poderia ficar horas escrevendo sobre a importância de seu governo. O senhor é um vencedor e merece os aplausos populares. Mas um homem de esquerda não pode achar que invasão de escritório de advocacia é algo normal, permitido e tolerável numa sociedade democrática.

Não se trata aqui de favorecimento de uma classe, mais sim do favorecimento à democracia. Ao proteger o escritório de advocacia, protege-se a sociedade. Não é por outra razão que a fonte dos jornalistas também é protegida — assim como os segredos do confessionário. Não se está, com isso, defendendo os religiosos ou os jornalistas, mas a sociedade como um todo. Há que se ter cuidado, Presidente. Vivemos um período nebuloso. Estamos flertando com um estado policialesco. Há pouco houve um pedido de prisão a uma jornalista séria, que tudo o que fez foi divulgar informações. O Procurador da República, mais cauteloso, foi desfavorável a prisão, mas pretendia uma busca e apreensão na casa da jornalista para descobrir sua fonte! Veja como caminhamos, Presidente. E o mais incrível: tudo isso ocorre no seu governo, no governo de um homem liberal, de esquerda (se é que essa denominação ainda pode ser usada). A justificativa de que “se podem entrar na casa do presidente podem também entrar um escritório de advocacia!” tampouco não pode ser admitida como válida. Em uma sociedade livre, presidente, advogados defendem seus clientes e deles recebem honorários. Já o presidente trabalha para os contribuintes — da sociedade, à qual presta contas, recebe seus vencimentos. A proteção aos escritórios de advocacia existe em todos os Estados democráticos. Esta proteção não é para os advogados, e sim para a sociedade. Espero que o senhor não fique rotulado como o presidente que aviltou a advocacia.

Nem se diga que este projeto protege os criminosos. Ao contrário, aquele que se utilizar do escritório para guardar objeto de crime participa do próprio crime. E a lei já prevê essa hipótese, permitindo, nesse caso, a busca e apreensão. Portanto, tudo o que o projeto faz é restabelecer as garantias pessoais, que, infelizmente, têm sido costumeiramente aviltadas nos últimos tempos. Enfim, meu querido Presidente, garantias não são regalias, são direitos adquiridos a duras penas. O senhor certamente sabe bem o custo das conquistas. Oxalá sua sapiência possa levá-lo a uma decisão cidadã. Um abraço de seu amigo (se é que tenho o direito de assim me titular) Roberto Podval

Revista Consultor Jurídico

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