Caso Isabella – Prisão midiática

No seu antológico voto, lido no dia 12.03.08 (no Pleno do STF – HC 87.585-TO e RE 466.343-SP), que reconheceu o valor constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos (cf. GOMES, L.F., Estado constitucional de direito e a nova pirâmide jurídica, São Paulo: Premier, 2008, p. 30 e ss.), o Min. Celso de Mello enfatizou, com o brilhantismo de sempre, que o juiz, “no plano de nossa organização institucional, representa o órgão estatal incumbido de concretizar as liberdades públicas proclamadas pela declaração constitucional de direitos e reconhecidas pelos atos e convenções internacionais fundados no direito das gentes”.

“Assiste, desse modo, ao Magistrado, o dever de atuar como instrumento da Constituição – e garante de sua supremacia – na defesa incondicional e na garantia real das liberdades fundamentais da pessoa humana, conferindo, ainda, efetividade aos direitos fundados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmente mais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos magistrados, em geral, e a esta Suprema Corte, em particular”.

“É dever dos órgãos do Poder Público – e notadamente dos juízes e Tribunais – respeitar e promover a efetivação dos direitos garantidos pelas Constituições dos Estados nacionais e assegurados pelas declarações internacionais, em ordem a permitir a prática de um constitucionalismo democrático aberto ao processo de crescente internacionalização dos direitos básicos da pessoa humana”.

“O respeito e a observância das liberdades públicas impõem-se ao Estado como obrigação indeclinável, que se justifica pela necessária submissão do Poder Público aos direitos fundamentais da pessoa humana”.

No caso Isabella o MM. Juiz natural do processo, ao decretar a prisão preventiva dos suspeitos, tomou posição diametralmente oposta à enfatizada pelo Min. Celso de Mello.

Do Judiciário, disse o juiz, “exige-se coragem, visto que não deve se omitir na defesa da sociedade”. Justifica-se a prisão preventiva quando “a Justiça corre risco”. A prisão se mostra necessária para garantia da ordem pública, “objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade e intensidade do dolo com que o crime descrito na denúncia foi praticado e a repercussão que o delito causou no meio social”. A prisão preventiva “não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes”.

“Desde que a permanência do réu cause repercussão danosa e prejudicial no meio social, cabe a prisão preventiva” que, neste caso, passa a cumprir a função de “medida de segurança” (não de instrumento para a garantia do processo). O “destaque na mídia, que pode abalar a credibilidade da Justiça, exige do Judiciário uma resposta, sobretudo quando se está diante de delito grave”.

A “gravidade abstrata de infração, a necessidade de preservação da credibilidade da Justiça, o clamor popular e a repercussão do caso justificam a prisão preventiva”. O Judiciário “deve ser resposta às conclusões da população, ao clamor público”.

Vendo-se o ordenamento consoante uma ótica constitucionalista, nada do que foi escrito (com a devida vênia) é o que está contido na lei processual penal (CPP, art. 312). A locução “garantia da ordem pública” não permite a elasticidade interpretativa que lhe foi conferida. Ordem pública não se confunde com o clamor popular. Prisão instrumental não pode significar antecipação de pena (RHC 81.395-TO, rel. Min. Celso de Mello). O clamor público, ainda que se trate de crime hediondo, não constitui fator de legitimação da privação cautelar da liberdade (HC 80.719-SP, rel. Min. Celso de Mello).

A decretação de uma prisão preventiva (só) em razão “da repercussão do caso na mídia” revela uma forma (abominável) de “prisão midiática”. O STF não aceita a prisão fundada no clamor público porque “a admissão dessa medida, com exclusivo apoio na indignação popular, tornaria o Poder Judiciário refém de reações coletivas. Reações, estas, não raras vezes açodadas, atécnicas e ditadas pelo mero impulso ou passionalidade momentânea” (HC-QO 85.298-SP, rel. Min. Carlos Britto; HC 84.662-BA, rel. Min. Eros Grau).

Reforma do CPP que está no Congresso Nacional: de qualquer modo, que falta está fazendo em nosso país a aprovação dos vários projetos de reforma do CPP (que é de 1940). Um deles cuida das várias medidas alternativas à prisão preventiva. Dentre elas acha-se a prisão domiciliar. Consoante nosso ponto de vista, nada mais ajustado ao caso Isabella que a prisão domiciliar dos suspeitos (denunciados).

Pela dramatização midiática que gerou, não há dúvida que (praticamente) todas as pessoas deste país iriam fiscalizar essa prisão domiciliar. Se saíssem (os suspeitos) do domicílio sem ordem do juiz, seriam presos imediatamente. Nossa legislação atual, feita no tempo do Estado Novo (nazista), não conta com um meio termo: ou é oito ou é oitenta (ou é liberdade ampla ou é prisão total).

Na reforma do CPP (já aprovada na Câmara e no Senado e que no momento acha-se de volta na Câmara) nós sugerimos oito medidas alternativas à prisão preventiva (prisão domiciliar, fiança, impossibilidade de sair da comarca, proibição de freqüentar lugares etc.). Nada mais adequado, no caso Isabella, que a adoção dessa prisão domiciliar. Ocorre que isso ainda não é lei no Brasil. Nosso Projeto está no Congresso desde 2002, mas até hoje ainda não foi aprovado. Espera-se que rapidamente a Câmara dos Deputados vote e aprove toda a reforma do CPP (que foi feito no tempo do Brasil agrário; a realidade hoje é outra, bem distinta de 1940).

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Luiz Flávio Gomes
doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do Instituto Panamericano de Política Criminal (IPAN), consultor, parecerista, fundador e presidente da Cursos Luiz Flávio Gomes (LFG) – primeira rede de ensino telepresencial do Brasil e da América Latina, líder mundial em cursos preparatórios telepresenciais

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