Censura eleitoral – Candidato tem de falar de política sempre

por Anderson Passos

A denúncia do Ministério Público Eleitoral de São Paulo, acatada pela Justiça Eleitoral, que multou a pré-candidata à prefeitura de São Paulo Marta Suplicy, o jornal Folha de S.Paulo e a revista Veja São Paulo pela prática de propaganda eleitoral antecipada suscitou o debate em torno da fronteira entre o que é informação jornalística e o que é propaganda, nesse caso eleitoral.

Afinal, é propaganda eleitoral ou é informação de interesse público entrevistar candidatos sobre a cidade que eles pretendem governar e sobre seus projetos e propostas? O que um candidato pode falar num jornal ou numa revista? Não é dever de todo político eleito prestar contas de suas atividades ao eleitor através da imprensa?

A matéria é controversa. Os veículos de comunicação e a pré-candidata Marta Suplicy já ingressaram com recursos no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo questionando a decisão. O MPE-SP ingressou com novas representações na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo contra o jornal O Estado de S.Paulo, a Editora Abril e o atual prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM) pela suposta prática de propaganda eleitoral antecipada. Uma dezena de decisões similares a essas pululam por todo o país.

O que diz a lei

Os prazos de propaganda eleitoral estão fixados pela Lei das Eleições (Lei (504/97), regulamentado pela resolução 22.718/2008 do Tribunal Superior Eleitoral, que diz em seu artigo 3º: “ A propaganda eleitoral somente será permitida a partir de 6 de julho de 2008, vedado qualquer tipo de propaganda política paga no rádio ou na televisão”.

A mesma resolução determina em seu artigo 24: “Os pré-candidatos poderão participar de entrevistas, debates e encontros antes de 6 de julho de 2008, desde que não exponham propostas de campanha”.

Com base nesses dispositivos a promotora eleitoral Patrícia Moraes Aude, uma das autoras da denúncia que resultou na condenação de Marta Suplicy, da Folha e da Vejinha explica que as reportagens podem tratar de qualquer tema que não projetos eleitorais e plataforma de governo. Segundo Patrícia Aude, é possível fazer o perfil jornalístico de um candidato sem ferir a legislação. “Você poderia fazer o perfil do candidato… Quem é Marta Suplicy? É uma mulher, psicóloga, trabalhou, fez isso e fez aquilo. Gosta de cachorro, gosta de boxe, gosta de rock and roll, gosta de poesia. Agora, se ela falar: ‘Eu vou mudar o trânsito em São Paulo’, não pode”, ensinou a promotora em entrevista à Folha.

Não é o que pensa o advogado criminalista Eduardo Muylaert, que entre 2002 e 2007 foi juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Ele acrescenta que o próprio Tribunal Superior Eleitoral já estabeleceu fundamentação sobre o tema. “Em acórdão recente, o TSE voltou a afirmar a tese que parece bastante óbvia da ampla liberdade de imprensa no período pré-eleitoral: não caracteriza violação ao artigo 36 da Lei 9.504/97, o fato de órgão de imprensa, antes do período oficial de propaganda eleitoral, veicular entrevista com pretensa candidata ao cargo de Senador”.

Para Muylaert, “o direito de informar é garantia constitucional que tem como objetivo aperfeiçoar a transparência dos fenômenos políticos e dar elementos formadores do regime democrático”.

Para o advogado, o que a lei restringe é unicamente a propaganda paga, por qualquer meio. Ele lembra ainda que existem restrições, legais e legítimas, ao rádio e à televisão, não apenas pelo caráter da concessão pública, como também pela sua penetração e a possibilidade de manipulação da opinião pública.

No ponto de vista do advogado, os jornais são os veículos por excelência do debate das idéias e podem, inclusive, apoiar ou criticar um candidato. “Estão fazendo uma interpretação burocrática da lei eleitoral, com total desrespeito aos princípios constitucionais”, diz Muylaert.

Já o advogado Renato Ventura, que foi um dos operadores do Direito consultados para a elaboração da Lei 9.504/97, entende que as multas aos veículos de comunicação estão bem fundamentadas na legislação vigente.

Ventura, que é autor da obra A Lei Eleitoral Comentada, afirma que a propaganda política não se restringe à publicidade, como vem sendo interpretado, e pode ser caracterizada mesmo numa entrevista, como foi o caso. “Os candidatos podem ir para os meios de comunicação e falar do passado. A lei permite que o Maluf, por exemplo, fale das obras que ele fez. O que não pode, é falar do futuro, do vou fazer”, exemplificou Ventura.

Ventura completa que depois de 6 de julho, 90 dias antes do pleito, todos os candidatos terão direito a conceder entrevistas. Para ele, o que a lei prevê e estabelece é o equilíbrio entre os candidatos. Sobre a validade da legislação, contestada pelos veículos de comunicação e pelos candidatos, Renato Ventura encerra que a lei está aí para coibir abusos. “Hoje, muitos criticam o Lula dizendo que ele está em campanha para 2010. A lei eleitoral está aí para colocar limites e disciplinar os prazos”, encerrou.

Propaganda e informação

O Movimento do Ministério Público Democrático, em nota assinada por seu presidente, o procurador Roberto Livianu, tenta estabelecer as diferenças entre propaganda e informação: “as restrições previstas na Lei 9.504/97 são precisamente dirigidas a ações de propaganda eleitoral e ao uso indevido de televisão e rádio, sabidamente concessões públicas”, diz a nota. E acrescenta: “Os jornais e revistas não precisam pedir a ninguém e podem, e devem, a qualquer tempo, antes, durante e depois de eleições, entrevistar pessoas, candidatas ou não. Quando assim procedem, contribuem para o fortalecimento da cidadania brasileira e dão vida ao direito fundamental à informação”.

Para o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, político falar de política deveria ser uma obrigação, livre de restrição em qualquer tempo. Em seu Ex-Blog, uma newsletter distribuída pela internet, o prefeito faz uma comparação entre uma fotografia e a campanha eleitoral: “a pré-campanha é o clique que fixa a imagem no celulóide. A campanha é a revelação da foto. Numa campanha sem pré-campanha, o eleitor entra com muito menos informação e passa a ser mais facilmente atingido pela demagogia e ‘mercadopoliticaria’”.

Segundo César Maia, restringir a livre circulação das idéias e informações aumenta as desigualdades na disputa política: “No Brasil o TSE e TREs reprimem a pré-campanha e a entendem como campanha fora de época. Esse é um processo crescente e que ganha intensidade. Com isso as informações não chegam ao eleitor e os candidatos de máquinas públicas ou de máquinas privadas como igrejas com meios de comunicação, passam a levar vantagem sobre os demais, especialmente os menos conhecidos” .

O prefeito, que não é candidato, faz uma recomendação: “O TSE, e os TREs, deveriam, logo após as eleições de 2008 (pois já estamos no mês das convenções), rever estes procedimentos e analisar se a repressão que exercem às pré-campanhas não produz o resultado inverso ao que pretendem”. Os últimos acontecimentos reforçam a necessidade de que a recomendação seja levada em conta.

Nem sempre, porém, a situação é tão transparente. Não há dúvida quanto ao caráter informativo de uma série de entrevistas com candidatos publicados num jornal de circulação nacional. Mas o que dizer da cobertura de uma festa partidária publicada pelo jornal da cidade? Propaganda ou informação? A Justiça Eleitoral do Maranhão não teve dúvidas e multou o jornal O Imparcial, de São Luiz pela publicação de uma reportagem sobre a festa de filiação ao PSB do candidato a governador nas eleições de 2006, Edson Vidigal.

A decisão de primeiro grau foi reformada em segunda instância mas confirmada pelo TSE. Em seu voto, o relator, ministro Eros Grau, sustentou que a matéria publicada pelo jornal maranhense tinha por objetivo a promoção pessoal do candidato e foi veiculada antecipadamente. Segundo o texto da decisão, houve ainda a violação ao princípio da isonomia na concorrência aos cargos eletivos “por implicar numa maior exposição ao eleitorado de determinado candidato, em detrimento daqueles que cumprem rigorosamente as determinações legais”.

Prudência

O presidente do TSE, ministro Carlos Britto, pediu prudência à Justiça Eleitoral para não ferir o direito fundamental de liberdade de imprensa. “No Brasil, o direito à informação tem o mais sólido lastro constitucional. Se traduz no direito de informar, se informar e ser informado. E o fato é que a imprensa é que melhor cumpre esse papel, que melhor realiza esse direito”, refletiu o presidente do TSE, em entrevista à Folha de S. Paulo.

Sua posição foi reforçada com opiniões do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, para quem “os meios de comunicação têm o direito de pesquisar, buscar, revelar e até comentar fatos. Sendo assim, também o cidadão tem o direito de receber a informação e conhecer as opiniões existentes nas pessoas, candidatas ou não”.

Sobre a decisão da Justiça Eleitoral de punir candidatos e veículos de comunicação, Celso de Mello se disse preocupado: “Sempre estranhei deliberações que neguem aos meios de comunicação social o exercício do seu direito de informar e de opinar. E vejo com preocupação determinadas tendências no âmbito do Judiciário cujos efeitos culminam por inibir, por restringir e até mesmo asfixiar a prática inestimável da liberdade de imprensa”, disse.

Já o presidente do STF, Gilmar Mendes, comentou que “o espírito das cortes superiores é o de não impor limites à cobertura jornalística”. Ele considerou que por ser muito ampla, a Lei Eleitoral está sujeita a diferentes interpretações.

Revista Consultor Jurídico

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