A 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) trancou, por falta de justa causa, as ações penais contra dois delegados federais — Roberto Jaureguiber Prel Júnior e Jairo Helvécio Kullmann — e contra o empresário Henrique Lourenço Grossi, ligado à Amil. As decisões foram proferidas no início do mês de junho e os votos foram publicados na semana passada.
Os três foram denunciados, em 2007, na 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, junto com outros 21 réus, dos quais quatro policiais federais e oito delegados — dois deles ex-superintendentes da PF. Desencadeada em julho de 2006 com a prisão de 17 pessoas — 11 policiais federais —, a chamada Operação Cerol, segundo os policiais e procuradores da República que a realizaram, teria servido para desbaratar três esquemas de corrupção junto à Superintendência do DPF no Rio: na Delegacia de Crimes contra a Previdência, na Delegacia de Crimes contra o Sistema Financeiro e junto à cúpula da Polícia.
De acordo com a decisão do TRF-2, não ficou provado pelo menos o suposto esquema de corrupção junto à cúpula. É provável que a rejeição da denúncia por falta de justa causa acabe beneficiando também o delegado José Milton Rodrigues, ex-superintendente no Rio, que ao ser preso sofreu problemas cardíacos e teve que ser internado às pressas. Ele, até o momento, não entrou com nenhum pedido de Habeas Corpus.
José Milton e Roberto Prel foram acusados de prestar favores a empresários em troca de vantagens. No caso do empresário Grossi, por exemplo, José Milton o teria ajudado a obter porte de arma sem preencher os requisitos necessários para isso e em tempo menor do que o de praxe, “em razão de presente/apoio dado ao então Superintendente da Polícia Federal”.
Já Roberto Prel foi denunciado pelos crimes de prevaricação, corrupção passiva, formação de quadrilha ou bando, violação de sigilo funcional e resistência (este último delito não acatado pela juíza da 6ª Vara). O eixo principal das acusações contra ele teria sido o de beneficiar o advogado Tarcísio de Figueiredo Pelúcio, outro dos réus na ação penal.
Contra Jairo Kullmann a denúncia narrava que ele recebeu “vantagens patrimoniais (uma televisão e canetas Cartier) para que não fizesse qualquer pergunta aos inquiridos em carta precatória cujo cumprimento estava ao seu encargo. Na versão ministerial, o advogado Pelúcio teria levado prontas as respostas dos inquiridos, seus clientes, que foram simplesmente aproveitadas pelo policial”, como consta do despacho da juíza Ana Paula Viera de Carvalho no recebimento da denúncia. Nas buscas e apreensões, nem a caneta, nem a televisão de 32 polegadas foram encontradas.
O julgamento
Na sustentação oral perante o TRF-2, o advogado Wilson Mirza defendeu Roberto Prel, Nélio Roberto Seidl Machado falou em favor de Jair Kullmann e Rogério Marcolini como patrono de Henrique Lourenço Grossi.
Nos pedidos de dois Habeas Corpus julgados pela 1ª Turma Especializada — dos delegados Roberto Prel e Jairo Kullmann — a sustentação oral feita pela procuradora-regional da República Anaiva Cordovil foi pela concessão da ordem, contrariamente à posição defendida por sua colega Mônica Campos da Ré dentro dos autos. Não foi por outro motivo que o relator dos casos, desembargador feral Abel Gomes, fez questão de juntar aos autos cópias das notas taquigráficas da sessão apenas no caso dos votos beneficiando os dois delegados, em que a procuradora se manifestou a favor.
No HC que beneficiou o delgado Prel, por exemplo, a procuradora considerou “a denúncia manifestamente inepta, não existindo justa causa para o seu recebimento e, por conseqüência, para a instauração da ação penal”. Em seguida, acrescentou: “No que concerne ao paciente, a denúncia é totalmente genérica deixando de descrever os fatos imputados, limitando-se a atribuir-lhe os tipos penais previstos no lugar das ações. Há evidente cerceamento de defesa, pois, como é pacífico, na doutrina e na jurisprudência, o réu defende-se dos fatos que lhe são imputados e não da tipificação constante na denúncia”.
Já no processo que beneficiou Kullmann, ela foi mais sucinta explicando: “não verifico nos fatos narrados na presente quais as cartas precatórias que foram repassadas, a quais advogados, e qual a prova do pagamento de uma vantagem ilícita”.
É certo que, independentemente da posição da procuradora-regional na sessão, o desembargador relator já estava predisposto a votar pela falta de justa causa no recebimento das três denuncias, como provam os seus votos lidos naquela hora. Abel Gomes, quando muito, aceitou que em alguns dos casos analisados havia, no máximo, “meras suspeitas”, como consta na transcrição do voto do HC que beneficiou Kullmann.
O desembargador Abel Gomes especificou: “é preciso que o Julgador, mesmo em sede da habeas corpus, procure diferenciar bem uma coisa da outra. É muito tênue a linha entre o que é uma suspeita, uma mera possibilidade. (…) Porém, para que isso justifique uma denúncia como suporte mínimo probatório é preciso que haja um pouquinho mais do que uma mera possibilidade. É preciso que haja uma probabilidade, com base em algum substrato, de que aquilo realmente constitua, para já, uma infração penal que se possa levar a um juízo”.
Em seus três votos, o relator reclamou muito da utilização de conversas telefônicas de terceiras pessoas citando os réus: “O impetrante também tem razão quando afirma na inicial que a maior parte dos diálogos captados, e que seriam referentes ao paciente, são oriundos de conversas entre terceiros. É o exemplo do diálogo que está resumido às fls. 319/320, e que diz respeito a uma conversa telefônica captada entre Tarcísio Pelúcio e Mário Jorge Campos Rodrigues. Nela há referência a que o primeiro havia almoçado na véspera com José Milton e com o paciente Roberto Prel Jr”.
O relator reconhece que as atitudes do advogado Pelúcio dentro da Superintendência são altamente suspeitas. Mas, mesmo quando aparece gravação de conversa telefônica entre ele e o delegado Prel, o desembargador Gomes descaracteriza a atitude ilícita: “É de fato, impressionante e extremamente suspeita a mobilidade com que Tarcísio Pelúcio circulava na Superintendência da PF/RJ, o que não está apenas nos relatórios de investigação e nem são simples elucubrações do MPF, mas sim fatos que se podem constatar dos áudios que constam do DVD a cujo conteúdo tive acesso por ocasião do exame completo da Operação Cerol e que foi juntado em dois dos habeas corpus impetrados”.
O relator também não deixou passar sem registro o fato de não terem sido descobertas a TV e a caneta que a denúncia alegou terem sido recebidas pelo delegado Kullmann. “Há referências a uma caneta e uma televisão que teriam sido dadas de presente ao paciente por Pelúcio e também nos dá conta, o juiz impetrado, de que houve admissão, por parte de Pelúcio, sobre esse fato. Mas as razões para tais entregas e até mesmo a localização dos bens e suas avaliações oficiais não foram perseguidas com mais depuração”.
No caso do empresário Grossi, o desembargador Gomes destacou que a citada agilização do porte de arma ou mesmo de um passaporte para a babá do filho do empresário não se amoldam em tipos penais. Neste caso ainda, ele mostrou que dos diálogos gravados, evidenciou-se que somente depois que o então superintendente do DPF no Rio, Rodrigues, já tinha despachado a questão do porte de arma, foi que o empresário falou em “mandar um negócio”.
“Na verdade, transparece do diálogo envolvendo José Milton x Henrique Grossi, de 03/03/2006 (hora inicial: 17:52:51) que primeiro José Milton afirmou que já tinha despachado e só então Henrique disse que ia levar algo ou mandar um “negócio” para ele, pedindo o endereço da residência de José Milton, o qual agradeceu e disse que Grossi não precisava se preocupar, ao que este afirmou que estaria mandando/levando algo “por amizade mesmo”. Depois disso, Grossi afirmou que o seu sogro convidou José Milton para almoçar um dia na empresa deles (AMIL). Por outro diálogo já citado (14/03/2006, hora inicial: 10:40:42) , vê-se que Grossi cogitou deles combinarem de um dia marcar um passeio num final de semana na casa dele em Búzios, sendo que José Milton agradeceu e disse que iria ser um prazer.”
E ele conclui, em seu voto: “Em nenhum momento restou suficientemente demonstrado que José Milton recebeu algum “negócio”, “lembrancinha” de Grossi; que os convites para viagem a Búzios e para almoço sequer tenham se concretizado; bem como que quaisquer destas hipóteses estão relacionadas à agilização de expedição do porte de arma para Grossi e de passaportes para outras pessoas ligadas ao paciente. Nem mesmo com relação ao jantar, que parece ter ocorrido em julho de 2006, resta patente indício de prática criminosa”.
Revista Consultor Jurídico