“Chope sem colarinho não é chope”!

Chope sem colarinho, não dá! A bebida amada pelos brasileiros tem que ter a característica camada de espuma branca e cremosa para poder ser chamada de “chope”. Este foi o entendimento expressado pela 3ª Turma do TRF da 4ª Região, pelo menos no que diz respeito ao chope servido pela empresa comercial catarinense JFT Alimentos, estabelecida em Blumenau com um restaurante.

Detalhe interessante é que o acórdão do TRF-4 usa reiteradamente a grafia “chopp” – como fazem os alemães -, deixando de lado o vocábulo português ´chope´ que, no Brasil, é o correto.

O chope (do alemão Schoppen, “copo de meio-litro”) é como se denomina, no Brasil, a cerveja sem pasteurização, servida sob pressão, que em Portugal recebe o nome de ´fino´ ou ´imperial´.

E o chamado colarinho é uma camada de espuma que, apesar de evitada por alguns, é um importante componente da bebida, devendo ter por volta de três dedos (ou três centímetros), de maneira a impossibilitar que o calor interfira na temperatura da bebida, servindo como isolante térmico entre a temperatura ambiente e o frescor interno.

“A espuma é basicamente composta pelas partículas da bebida intercaladas com gás carbônico (CO2), que, entre outras propriedades, ajuda a evitar que o chope esquente rapidamente” – explicou ao Espaço Vital o porto-alegrense Rodrigo Ferraro, fabricante da novel cerveja artesanal “Irmãos Ferraro” e um estudioso no assunto.

O caso que chegou ao TRF da 4ª Região é uma apelação interposta pela empresa, em face de sentença – proferida na Justiça Federal de Blumenau – que julgou improcedentes os embargos à execução fiscal promovida pelo Inmetro, mantendo a dívida (R$ 1.512) cobrada por meio de certidão de dívida ativa.

Na origem, está a autuação pelo Inmetro por suposta inconsistência na quantidade de bebida servida pela apelante, a qual, por sua vez, afirma que a ação decorrente da medição não considerou o colarinho do chope.

A relatora, desembargadora Maria Lúcia Luz Leiria, deu razão ao estabelecimento comercial. “Ora, o chopp sem colarinho não é chopp, como conhecido nacionalmente. Aliás o colarinho integra a própria bebida e é o próprio produto no estado espuma, em função do processo de pressão a que é submetida a bebida”, esclareceu a magistrada.

Segundo o acórdão, a portaria do Inmetro que motivou a autuação não é aplicável ao chope, na forma em que o fiscal fez a medição. A bebida servida pela apelante aos seus clientes foi considerada pelos julgadores “de acordo com as caracterizações necessárias”.

Desse modo, os embargos à execução foram julgados procedentes, determinando a desconstituição da certidão de dívida ativa. A votação foi unânime e já há trânsito em julgado.

Atua em nome da apelante o advogado Sérgio Fernando Hess de Souza. (Proc. nº 2003.72.05.000103-2/SC).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.72.05.000103-2/SC
RELATORA : Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
APELANTE : JFT COM/ DE ALIMENTOS LTDA/
ADVOGADO: Sergio Fernando Hess de Souza e outros
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA NORMALIZACAO E QUALIDADE INDL/ – INMETRO
ADVOGADO: Eleonora Savas Fuhrmeister

EMENTA

EXECUÇÃO FISCAL. MULTA APLICADA PELO INMETRO. COMERCIALIZAÇÃO DO “CHOPP”. INCLUSÃO DO COLARINHO NA SUA MEDIÇÃO.
A medição realizada na bebida comercializada, denominada de “chopp,” deve considerar o colarinho, pois este integra a própria bebida e é o próprio produto no estado “espuma” em função do processo de pressão a que é submetida a referida bebida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de setembro de 2008.

Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação contra sentença que julgou improcedentes os embargos à execução, mantendo a dívida cobrada por meio da CDA juntada aos autos da execução fiscal em apenso. Condenou a embargante no pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o crédito exigido na execução fiscal.

A parte apelante alega, inicialmente, que a certidão de Dívida Ativa não preenche os requisitos legais, não estando acompanhada do demonstrativo atualizado do débito. Sustenta, também, a nulidade da multa imposta por infração fundamentada em portaria do INMETRO. Por fim, afirma que a autuação decorrente da medição efetuada na quantidade de bebida comercializada em seu estabelecimento, denominada de “chopp”, não considerou o “colarinho.”

Com contra-razões, vieram os presentes autos conclusos.

É o relatório.

Inclua-se em pauta.

Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
Relatora
VOTO

Inicialmente, quanto a preliminar de inépcia da inicial por ausência de demonstrativo atualizado do débito, entendo que o mesmo não é documento indispensável à propositura da ação, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 6.830/80, que dispõe sobre a petição inicial da execução fiscal, afastando a prefacial.

No mesmo sentido, a jurisprudência desta Corte:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. ANUIDADES. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. (…)- A memória discriminada de cálculo (art. 614, II, do CPC) não é documento indispensável à propositura da ação. A certidão de dívida ativa constitui-se em título executivo extrajudicial (arts. 585, VI, e 586, do CPC), apto a, por si só, ensejar a execução, pois decorre de lei a presunção de liquidez e certeza do débito que traduz. A inscrição cria o título, e a certidão de inscrição o documento para efeito de ajuizamento da cobrança judicial pelo rito especial da Lei n. 6.830/80. A teor do disposto nos arts. 3º e 6º, § 1º, da Lei nº 6.830/80, e no art. 204 do CTN, a CDA goza de presunção de certeza e liquidez que só pode ser elidida mediante prova inequívoca a cargo do embargante. Meras alegações de irregularidades ou de incerteza do título, sem prova capaz de comprovar o alegado, não retiram da CDA a certeza e a liquidez. (…)
(TRF4, AC 2005.04.01.016056-3, Primeira Turma, Relator Vivian Josete Pantaleão Caminha, DJ 12/07/2006).

APELAÇÃO EM EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DEMONSTRATIVO DE DÉBITO (CONTA GRÁFICA). CDA. REQUISITOS. SELIC. MULTA. CDC. 1. Não há reconhecer nulidade da CDA pela não ausência do demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação (conta gráfica), uma vez que não constitui documento essencial à propositura, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 6.830/80, que dispõe sobre a petição inicial da execução fiscal. 2. A argüição de nulidade da CDA por parte da embargante/executada, ou de terceiro a quem aproveite, deve vir acompanhada de prova inequívoca de sua ocorrência, não se mostrando suficiente para o afastamento de sua presunção de certeza e liquidez (art. 3º, da Lei 6.830/80) a mera afirmação de que os dados insertos na certidão não estão corretos ou são incompreensíveis. (…)
(TRF4, AC 2005.72.14.000579-5, Primeira Turma, Relator Álvaro Eduardo Junqueira, DJ 30/08/2006).

Não assiste razão ao recorrente ao alegar a nulidade da CDA. A certidão de dívida ativa que instrui o processo executivo em apenso refere, expressamente, a natureza da dívida, sendo que a forma de calcular os juros e encargos legais, inclusive, a multa, consta da fundamentação legal pertinente ao débito, exaustivamente consignada no título executivo. De forma que não observo qualquer infringência das matrizes jurídicas que regulamentam a matéria.

Quanto à impossibilidade de imposição de multa sem repaldo de lei, melhor sorte não assiste à parte recorrente.

A Lei nº 9.933/1999, que dispõe sobre as competências do Conmetro e do Inmetro, estabeleceu, em seu art. 3º, o seguinte:

Art. 3o O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – Inmetro, autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, criado pela Lei nº 5.966, de 1973, é competente para:
I – elaborar e expedir regulamentos técnicos nas áreas que lhe forem determinadas pelo Conmetro;
II – elaborar e expedir, com exclusividade, regulamentos técnicos na área de Metrologia, abrangendo o controle das quantidades com que os produtos, previamente medidos sem a presença do consumidor, são comercializados, cabendo-lhe determinar a forma de indicação das referidas quantidades, bem assim os desvios tolerados;
III – exercer, com exclusividade, o poder de polícia administrativa na área de Metrologia Legal;

Nos termos do dispositivo legal acima transcrito, se revestem de legalidade as portarias editadas pelo INMETRO, eis que este órgão tem como finalidade elaborar e expedir, com exclusividade, os regulamentos técnicos na área de Metrologia, e exercer, com exclusividade, o poder de polícia administrativa na área de Metrologia Legal. Nesse sentido já decidiu a 2ª Seção desta Corte:

EMBARGOS INFRINGENTES. COMPETÊNCIA. INMETRO. AUTO DE INFRAÇÃO. ILEGALIDADE NÃO RECONHECIDA. – A Lei nº 9933/99, art.3º, II e III, atribui competência ao INMETRO para elaborar e expedir, com exclusividade, regulamentos técnicos na área de Metrologia, abrangendo o controle das quantidades com que os produtos são comercializados, assim como exercer, com exclusividade, o poder de polícia administrativa na área de Metrologia Legal. Regulamentar a lei, completá-la para lhe conferir maior efetividade, é função típica de instrumentos administrativos, não ocorrendo nisso qualquer ilegalidade, sobretudo quando a finalidade precípua é a defesa do consumidor, sendo este direito fundamental garantido pela Constituição e princípio orientador da ordem econômica por esta estabelecida. Infringência aos artigos 1º e 2º da Portaria nº 05/98, do INMETRO, e 39, inciso VIII, da Lei 8078/90. Ilegalidade da autuação não reconhecida. (TRF4, EIAC 2002.70.00.029260-5, Segunda Seção, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior, DJ 13/07/2005)

No que se refere ao mérito da infração, entendo que assiste razão à recorrente.

A multa imposta à embargante decorreu de autuação de fiscal do INMETRO em face de irregularidade na medição de “chopp” por ela comercializado.

É de ser provido o presente recurso, porque efetivamente há um desvio na interpretação efetuada pelo fiscal do INMETRO. Ora, o “chopp” sem colarinho não é “chopp”, como conhecido nacionalmente. Aliás o colarinho integra a própria bebida e é o próprio produto no estado “espuma,” em função do processo de pressão a que é submetida a bebida “chopp.” Portanto, entendo que a portaria do INMETRO em tela não se aplica ao “chopp”, na forma em que mediu o fiscal, ou seja, o “chopp” é também o seu colarinho. Assim, a bebida servida pela parte embargante estava de acordo com as caracterizações necessárias.

Assim sendo, deve ser dado provimento ao presente recurso para julgar procedentes os embargos à execução, determinando a desconstituição da certidão de Dívida Ativa que fundamenta a execução fiscal nº 2002.72.05.004242-2, e invertendo os ônus sucumbenciais.

Por fim, ressalvo que não é necessário ao julgador enfrentar os dispositivos legais citados pela parte ou obrigatória a menção dos dispositivos legais em que fundamenta a decisão, desde que enfrente as questões jurídicas postas na ação e fundamente, devidamente, seu convencimento.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.

Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, relatora

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