por Marina Ito
O Brasil pode continuar a fazer pesquisas com células-tronco embrionárias? Na próxima quarta-feira (5/3), os ministros do Supremo Tribunal Federal começam a responder a essa pergunta no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510, proposta pela Procuradoria-Geral da República, que contesta a legitimidade das pesquisas. Na ação, são atacados os dispositivos da Lei de Biossegurança que autorizam o uso em pesquisas científicas de embriões de até 14 dias, congelados há mais de três anos e com aval dos genitores.
O ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, autor da ADI, afirmou à revista Consultor Jurídico que o Supremo terá de responder quando começa a vida. Segundo Fonteles, a Constituição considera como direito fundamental a inviolabilidade da vida. “Embrião é vida”, afirmou.
Já o constitucionalista Luís Roberto Barroso, que defende a constitucionalidade da lei e atua pelo Movimento em Prol da Vida (Movitae), contesta a idéia de que o que está em discussão é o início da vida. “A discussão é para saber se os embriões podem ser utilizados para as pesquisas científicas, desde que haja autorização dos genitores, ou se devem ser descartados”, afirma. O advogado explica que a Lei de Biossegurança permite apenas a realização de pesquisas com embriões inviáveis. “Um embrião que não será implantado em um útero materno não constitui vida potencial”, defende Barroso.
Em maio de 2005, o então procurador-geral da República Cláudio Fonteles entrou com a ação, contestando o artigo 5º e parágrafos da Lei 11.105/05, promulgada dois meses antes. Fonteles sustenta que a eventual declaração de inconstitucionalidade do dispositivo vai impedir apenas uma linha de pesquisa que, segundo ele, até agora não apresentou avanço. Ou seja, as pesquisas com células-tronco adultas não ficam prejudicadas.
Já para Barroso, a eventual declaração significará a paralisação de pesquisas já em curso e a proibição de novos estudos que estão liberados e sendo desenvolvidos em outros países. “Se ficarmos para trás, amanhã seremos meros importadores das terapias que venham a ser descobertas”, afirmou o advogado.
Segundo Fonteles, a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos terá conseqüências mais graves, já que descartar os embriões, em vez de usá-los em pesquisas, pode ser crime. Ele explica que, do ponto de vista jurídico, se forem fecundados três embriões, por exemplo, ainda que se mantenham congelados, os três teriam de ser aproveitados.
Para Luís Roberto Barroso, o entendimento de que o uso de célula-tronco é inconstitucional pode acarretar a impossibilidade de utilizar a fertilização in vitro como alternativa de reprodução, já que não é viável implantar todos os embriões necessários. “Não existe uma disciplina legal acerca do que fazer com os embriões congelados”, afirmou Barroso. Segundo o advogado, com o tempo de congelamento, os embriões passam a ficar inviáveis. “Na prática, descartar ou mantê-los perenemente congelados são alternativas que produzem resultados semelhantes”, explicou.
As teses
À primeira vista, a questão parece ser mais científica e religiosa do que necessariamente jurídica. Segundo Fonteles, essa é uma questão que envolve várias disciplinas. A tese do procurador é de que a vida começa durante e a partir da fecundação. Para comprová-la, a procuradoria recorre a médicos e pesquisadores. Segundo a explicação da Procuradoria, as células-tronco embrionárias, que podem se diferenciar em qualquer tecido, são encontradas na massa celular interna do embrião. De acordo com a especialista Alice Teixeira Ferreira, consultada pela Procuradoria, a retirada dessa massa destrói o embrião.
No memorial preparado por Luís Roberto Barroso, o advogado afirma que não há consenso sobre o momento em que a vida começa. Barroso afirma, ainda, que não foi por acaso que o legislador incluiu entre um dos requisitos para o uso de células-roncos embrionárias nas pesquisas o consentimento dos genitores. “Em situações como essa, o papel do Estado deve ser o de assegurar o exercício da autonomia privada, de respeitar a valoração ética de cada um, sem a imposição externa de condutas imperativa”, afirma.
Em outro memorial, o advogado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ives Gandra Martins, afirma que a audiência pública feita pelo STF para discutir o assunto demonstrou que o início da vida é no momento em que o espermatozóide encontra o óvulo. De acordo com ele, não há o número suficiente de embriões congelados para dar conta das pesquisas, o que pode levar à indução de “superovulação” ou a comercialização de embriões, embora a lei vede tal prática.
Em manifesto anexado ao memorial, cientistas afirmam que embora a lei estabeleça que só podem ser utilizados embriões com mais de três anos de congelamento, embriões armazenados de forma adequada podem ser úteis à fertilização depois desse período.
Questão jurídica
Segundo Barroso, a lei protege o “nascituro”, ou seja, aquele que já tem como certo o nascimento. O advogado explica que embrião resultante da fertilização in vitro não é um nascituro, pois sequer está no útero da mãe. Ele também explica que a retirada das células-tronco ocorre antes da formação do sistema nervoso e antes mesmo de o embrião se fixar ao útero.
“A Lei de Transplante de órgãos, por exemplo, somente autoriza o procedimento respectivo após o diagnóstico de morte encefálica, momento a partir do qual cessa a atividade nervosa. Se a vida humana se extingue, para a legislação vigente, quando o sistema nervoso pára de funcionar, o início da vida teria lugar apenas quando este se formasse, ou, pelo menos, começasse a se formar”, afirma.
Já Ives Gandra explica que o artigo 2º do Código Civil estabelece que o direito do “nascituro” está assegurado desde a concepção. O advogado também cita o artigo 4º do Pacto São José da Costa Rica, do qual o Brasil é um dos signatários, e que a afirma que a vida começa com a concepção.
Fonteles afirmou que não tem a menor noção do que o Supremo vai decidir, mas está confiante “para que haja uma sociedade mais humanista”. Ives Gandra também não faz nenhum prognóstico a respeito e Luís Roberto Barroso está confiante de que o STF validará as pesquisas.
ADI 3.510
Revista Consultor Jurídico