Circo da notícia – Jornalista e policial não devem misturar seus papéis

por Carlos Brickmann

Este colunista é do tempo em que Esperidião Amin tinha cabelo, Lula usava bigodão preto (sem barba), José Sarney também tinha bigodão preto (sem tinta), Paulo Maluf era inimigo do PT e Romero Jucá era líder do Governo (qualquer governo). Dizia-se que, se o Partido Comunista tomasse o poder, não se sabia quem seria o presidente. Mas o primeiro-ministro seria Marco Maciel.

Naqueles velhos tempos, a ditadura justificava as medidas de exceção e o desrespeito aos direitos humanos pela necessidade de combater a corrupção. Jornalistas “amigos dos hômi” (que vergonha!) assistiam a interrogatórios e ganhavam notícias exclusivas. E faziam piada com o centro de horrores do regime, o DOI-Codi, chamando-o de “Tutóia Hilton” — pois ficava na rua Tutóia, em São Paulo.

Mudou — mas nem tanto. Os presos mais conhecidos não são torturados, mas achincalhados, humilhados, sem necessidade de esperar a condenação. Emissoras escolhidas são chamadas para participar do espetáculo público em que se transformaram as ordens de prisão. Jornalistas “amigos dos hômi” (que vergonha!) assistem a interrogatórios e ganham notícias exclusivas. E fazem piada com o cárcere, chamando-o de “hospedaria da PF” e “PF Inn”. É um pouco melhor do que antes. Mas o comportamento só varia de grau, sem mudar na essência.

Há dois aspectos que não podem ser esquecidos quando alguém vai preso:

1 — A prisão de um ser humano, por mais que ele a mereça, por mais que seja necessária para a sociedade, é sempre uma tragédia;

2 — É preferível deixar escapar um culpado a punir um inocente.

O resto é ditadura.

Eles e nós

A Polícia é essencial à vida em sociedade. O Jornalismo é essencial à vida em sociedade. Mas, embora ambos essenciais, jornalistas e policiais são espécies diferentes. Jornalista é jornalista, policial é policial. Devem conviver, mas não podem misturar seus papéis. No entanto, a mistura está sendo. Já existiu algumas vezes (inclusive no período da ditadura, quando muita gente acumulava cargos na Polícia e nas Redações), e nunca deu certo. Vestir jaqueta de policial em jornalista é estúpido: perde-se um jornalista e não se ganha um policial.

O jornalista precisa de informações. Não pode se afastar do policial, portanto. Mas deve dosar a distância: não pode ficar tão longe que perca a notícia, nem tão perto que se deixe levar, pela amizade, a terrenos pantanosos.

Coisa feia

A propósito, quem reúne informações para levá-las à Polícia ou ao Ministério Público, como proclamam orgulhosamente alguns cavalheiros que se consideram jornalistas, não é repórter, não é jornalista. É “X 9”, “ganso”, “informante”, “alcaguete”, “cagueta”, “dedo-duro”. Jornalista publica suas informações e as entrega ao leitor, espectador, ouvinte, internauta. Ministério Público e Polícia fazem parte deste público e, junto com ele, tomarão conhecimento da notícia.

Tomar o partido dos adversários do Ministério Público e da Polícia também não é jornalismo; e quem o faz jornalista não é. Até que consegue uma façanha: transformar os opostos em sinônimos. Tanto faz se é conhecido como “comprado” ou “vendido”. Pode ser “subornado”, “apaniguado”, “mão peluda”. Repórter, convenhamos, é outra coisa. Jornalista só tem um compromisso: com seu público. Pode errar, mas sempre acreditando que o que diz é a verdade.

Dúvida cruel

No momento das prisões, bem no início da manhã, havia jornalistas, câmeras, motoristas de reportagem, todos nos lugares certos, prontos para trabalhar. Ali Kamel, o ótimo chefe do Jornalismo da Globo, normalmente lógico e articulado, jura que ninguém avisou sua emissora: ela estava lá porque tinha de estar lá.

Digamos, alguém acordou bem cedinho, lá pelas quatro da manhã, e pensou algo assim: “Ah, já que eu estou acordado, deixa dar um pulinho na casa do Naji Nahas, com a equipe inteira, para ver se não há alguma novidade”.

É mais ou menos como o repórter que, de uma hora para outra, diz que estava lendo o “Diário Oficial” e descobriu algo importante. É verdade: ele só esqueceu de dizer que foi ler o “Diário Oficial” naquele dia, naquela página, naquela coluna, porque alguém lhe contou o que havia ali de interessante.

Claro, alguém foi avisado. E surge a dúvida jurídica: no momento em que se convoca a reportagem (mesmo que seja de uma empresa só, como foi o caso) para cobrir algumas prisões, não está havendo vazamento de uma operação altamente secreta?

Pior: como na brilhante frase (provavelmente de Sérgio Porto), “ou restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos”. Se é para avisar, faltou chamar Record, Bandeirantes, SBT, Estado, Folha, agências noticiosas e tantos outros.

Há uma irregularidade que deve ser investigada. Tudo bem, sabemos que a punição de quem agiu irregularmente não ultrapassa ficar dois dias sem sobremesa, mas seria interessante saber que pelo menos alguma coisa aconteceu.

Acontece

Um pequeno jornal baiano, na notícia da prisão de Daniel Dantas, Celso Pitta e Naji Nahas, ilustrou-a com três fotos: de Pitta, Nahas e Daniel Dantas — só que o ator, não o banqueiro. Daniel Dantas nunca teve uma foto tão bonita.

A falta que ele nos faz 1

Muito se fala, nestes últimos dias, de Daniel Dantas. Mas, desde que Dantas entrou pesado no noticiário, teve um inimigo também poderoso, também cheio de recursos, também com boa presença nos meios de comunicação, que o combateu duramente. Seu nome: Luís Roberto Demarco, que antes de ser inimigo foi um dos sócios de Dantas. O noticiário sobre Dantas vem sendo amplo, mas não se vê nele a opinião de Demarco. Será este, a seu ver, seu momento de glória? Considera-se vitorioso na luta de tantos anos? Teme que Dantas, solto, tenha condições de livrar-se das acusações feitas pelo delegado Protógenes Queiroz?

Enfim, falta o outro lado. Quando teremos a grande entrevista com Demarco?

A falta que ele nos faz 2

A propósito, quando teremos a grande entrevista com Daniel Dantas? É difícil consegui-la, mas será esclarecedora. Mesmo que ele só responda a parte das perguntas, a análise do que deixar de responder vai dar muitas indicações a respeito da atual situação do país.

Cadê as perguntas?

E mudemos de assunto! Apagou-se a Internet no Estado mais rico do Brasil e até agora ninguém contou direito o que foi que aconteceu. Apareceu uma falha de software em Sorocaba (alguém lembra do raio que atingiu Bauru, num magnífico dia ensolarado e sem nuvens, e que causou o apagão elétrico?), e pronto: acabou-se a discussão.

Mas seria interessante descobrir que software é esse que só falha numa cidade e derruba o sistema no Estado inteiro. E, por duas semanas, houve falhas localizadas (ué, o software responsável por tudo não tinha sido arrumado?)

A imprensa não perguntou, por exemplo, quanto a Telefônica investiu na ampliação da rede que recebeu da estatal Telesp, na época da privatização. Quantas ligações de banda larga tem capacidade de atender, e quantas vendeu. Os compromissos de investimento foram cumpridos? Aliás, quando vende uma determinada capacidade de banda larga, quanto é que entrega de verdade? Será que a garantia, como dizem, é apenas de 10% do que foi vendido?

A gente entende: a Telefônica é grande anunciante. Mas a função dos meios de comunicação é obter respostas. E até hoje não sabemos como a Internet pifou nem por que demorou tanto (no dia em que escrevíamos esta coluna ainda havia pontos cinzentos) para ser consertada.

[Artigo publicado pelo Observatório da Imprensa, nesta terça-feira, 15 de julho.]

Revista Consultor Jurídico

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