Coisas da imprensa – Ministro Marco Aurélio não falou o que Lula entendeu

por Márcio Chaer

Conta-se que uma das campanhas de Lula para a Presidência teve um slogan cassado pelos próprios lulistas. “Um brasileiro igualzinho a você”, era o mote. Os experts em percepção popular teriam aferido que o eleitor não se acha lá essas coisas. E não haveria de votar em alguém “igualzinho” a ele. Queria alguém melhor.

Nesse mesmo capítulo há outras contradições a verificar. Uma cientista social americana garante que mulher não gosta de votar em mulher. Não confia muito. Outra socióloga estudou o machismo entre as mulheres. E garantiu que são as mães as principais repassadoras da noção que favorece o homem no contexto social. Sem falar no racismo praticado entre “afro-descendentes” — ou seja, negros.

Mas para quem vive de publicar notícias, não há nada mais espantoso que ver jornais reclamando de fontes que dão entrevistas. Em geral, editorialistas que não têm idéia do quanto pode ser complicado conseguir colher umas frases de uma personalidade, um juiz, um ministro. Deveriam ser condenados a fazer uma reportagem. Uma, pelo menos.

É o caso da fricção entre o presidente Lula e o titular do Tribunal Superior Eleitoral, esta semana. Em geral, a mídia ficou contra o destempero de Sua Majestade que errou feio na forma e no conteúdo. Mas sobrou também para o juiz por “falar demais”. O parâmetro dos críticos parece ser aquele entendimento ancestral e anacrônico de que juízes só podem falar nos autos.

Essa história de só falar nos autos é uma daquelas idéias burras que as pessoas repetem sem saber explicar por que. Como se jornalistas e pianistas pudessem conversar apenas com seus teclados, o pintor com seus pincéis e os costureiros com seus botões. Como se um servidor público não tivesse que dar satisfações a quem ele deve servir.

Mas a falta de foco no caso presente mostra algo mais importante. E nesse sentido o episódio que nos é proporcionado pelo presidente do país é oportuno. Os juízes eleitorais têm um papel a mais que seus colegas. Cabe a eles informar a população as balizas, os limites, as regras da disputa pelo voto. O ministro preferiu falar do papel consultivo. Também.

Não é leal esperar a pessoa errar, quando se sabe que ela vai errar, para dizer: “Ahhhh deu-se mal! Teje cassado!”. A menos que se aplique a máxima de Napoleão Bonaparte que recomendava jamais interromper um inimigo quando ele estiver cometendo um erro.

O Brasil, quem acompanha o assunto sabe, tem uma lei eleitoral por ano. O contexto exige: é preciso fazer um trabalho permanente de esclarecimento, de doutrinação pedagógica e didática. E é evidente que só se pode fazer isso usando os meios de comunicação. A difusão das regras e da lógica de sua aplicação ajuda quem vota e quem quer ser votado. Não agrada, é óbvio, a quem não quer regras. A quem quer usar da máquina pública para subornar eleitores com agrados e favores que desequilibram a disputa. A intenção do presidente, desta vez, é dar um dinheirinho para a porção mais pobre da população (R$ 11,3 bilhões) a poucos meses das eleições municipais.

Foi assim também quando o ministro Marco Aurélio puxou a votação pela decisão que resgatou a fidelidade partidária. No poder, sempre fica mais fácil comprar o passe de um congressista do que ter de “negociar” cada voto. A decisão da Justiça eleitoral, confirmada pelo Supremo irritou as hostes governistas. Os ataques ao TSE e ao ministro Marco Aurélio provindos da imprensa de aluguel do governo foram e continuam furiosos.

Mas agora quem volta a perguntar ao ministro por que ele não se cala é a fatia da imprensa a quem os governistas e seus vassalos taxam de “golpistas” por que produzem notícias que o governo não gosta de ler. Nem sempre, registre-se, o governo está errado. O presidente e seu governo tem méritos a ser reconhecidos e não são poucos.

O foco de um site jurídico, evidentemente, são os personagens do seu universo. Nesse quadrante, cabem algumas palavras. A primeira é que juízes, advogados, promotores e “até” jurisdicionados devem falar e dar entrevistas, sim. O que interessa é se o que é dito é verdade e se contribui para o desenvolvimento da Justiça. Assim, se cabe ao dirigente máximo da Justiça eleitoral alertar que a aleluia de R$ 11,3 bilhões entre os eleitores mais suscetíveis a esse argumento é passível de contestação judicial, então o ministro está certo.

Discussões são passageiras. Análise mais perene obriga constatar que o presidente Lula nomeou ministros dos quais reclama agora. A maioria dos ministros do STF e do TSE devem seus cargos a ele. A queixa se dá porque o país amadureceu e porque Lula indicou julgadores independentes. Isso depõe mais a favor do presidente do que o seu escorregão desta semana.

A ironia dessa polêmica, contudo, está na origem do “bate-boca”. A reportagem da Folha de S.Paulo, pautada para ouvir críticas à festa dos R$ 11,3 bilhões, insistia para ter uma opinião de Marco Aurélio. Cansado de ser criticado por cumprir seu papel, o ministro esquivou-se. Em respeito à profissional que vive de colher entrevistas, o presidente do TSE acabou cedendo. Mas apenas uma frase anódina, dessas que até o aposentado Moreira Alves diria: “Temos de aguardar que os que se sintam prejudicados recorram ao Poder Judiciário. Em tese fica muito difícil eu me pronunciar.” Só isso? Sim. Só isso. A frase foi publicada na edição do dia 26, terça-feira passada. O título é que foi abusado: “Projeto pode ser contestado, diz Marco Aurélio”. Não foi exatamente o que o ministro disse — Clique aqui para ler a notícia.

Neste sábado, dia 1º de março, a Folha, em seu editorial, ataca duramente o presidente Lula pela descompostura. Mas atreve-se a uma análise que poderia ter omitido. Diz o jornal que o projeto dos tais bilhões “suscitou imediata crítica de Marco Aurélio Mello, ávido de externar suas opiniões na imprensa. Não é a primeira vez que o presidente do TSE abandona a discrição que convém a seu cargo”. E conclui que o ministro “falou demais”.

Não é difícil deduzir que o verdadeiro motivo da irritação do presidente Lula não está na frase recatada de Marco Aurélio. Se as fontes informarem e nenhum jornal reclamar que elas deram as entrevistas que lhe foram pedidas, o país poderá saber o que acontece.

Revista Consultor Jurídico

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