por Walter Nunes da Silva Júnior
Não é de hoje que a tônica em volta da reforma do Judiciário se concentra na eliminação da burocracia cartorária, a fim de que a prestação jurisdicional seja mais ágil e eficiente. A lei 11.419, de 2006, ao dispor sobre a informatização do processo judicial, passou a ser o referencial normativo de transformação do funcionamento do próprio Poder Judiciário, diante de sua automação e conseqüente simplificação.
Trata-se de poderoso instrumento de combate à morosidade, na medida em que racionaliza uma série de procedimentos e viabiliza o rompimento com a cultura do burocratismo, assentada nos carimbos e no hábito arraigado da leitura de documentos em papel, contribuição decisiva para o desenvolvimento do que se pode denominar processo inteligente.
Quem conhece a fundo o Judiciário, sabe que grande parte dos problemas que afetam o desenvolvimento mais célere do processo se concentra não apenas na forma estabelecida para a comunicação dos atos processuais, mas também quanto ao modo de sua documentação.
A Lei em referência se ocupou dessas duas questões e, especificamente em relação à documentação dos atos processuais, teve acentuada preocupação com a regra prevista para as audiências, tanto na esfera cível como criminal.
No modelo tradicional, dada a resposta pela pessoa inquirida em audiência, o juiz dita para o funcionário o que deve ficar documentado no termo. Ou seja, o que fica consignado é o que o juiz ditou e não aquilo que realmente foi afirmado pela pessoa ouvida. Nada obstante a seriedade e o talento do juiz, mesmo procurando ser fiel à reposta fornecida, ainda assim, o que consta no termo é aquilo que ele próprio ditou, e não o depoimento in natura.
Por isso se diz, não sem razão, que o texto do depoimento é apenas a sombra do que foi respondido, não a sua essência, não só porque não se sabe o quê e como exatamente a pessoa respondeu a pergunta (tom da voz, expressões corporais, segurança ou insegurança etc.), mas porque, de regra, sequer a própria pergunta é consignada no termo de audiência.
A fim de sanar essa incongruência, a Lei 11.419, de 2006, acrescentou o parágrafo 2º ao artigo 169 do CPC, para esclarecer que, quando se tratar de processo informatizado, os atos “poderão ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico”.
Não fosse a circunstância de a gravação sem a necessidade da degravação posterior, representar economia do tempo de audiência e de trabalho extenuante da secretaria, essa prática é salutar, pois permite que se tenha a exata compreensão do contexto em que foram dadas as respostas pela pessoa inquirida, o que confere maior transparência e segurança à prestação jurisdicional, especialmente para o reexame, por via do recurso, dos aspectos factuais esclarecidos pela prova colhida com o depoimento.
Todavia, poucos juízes passaram a adotar esse novo modelo, de gravação das audiências, uma vez que se tem entendido, devido ao que consta do parágrafo 1º do artigo 417 do CPC, também objeto da Lei 11.419, de 2006, que, em caso de recurso, tem de ser feita a degravação do áudio. O trabalho de transcrição da gravação, além de demorado, é sobrecarregado: em média, para um minuto de gravação, leva-se dez para degravar.
Nada mais equivocada, essa interpretação. O artigo 417, do CPC, após dizer, no seu parágrafo 1º, que registrado o depoimento por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, no caso de recurso, ele deverá ser passado para a versão datilografada, esclarece, no parágrafo 2º que, “tratando-se de processo eletrônico, observa-se-à o disposto nos parágrafos 2º e 3º do artigo 169 desta Lei.” O parágrafo 2º do referido dispositivo, que é o que interessa para o momento, expõe que “Quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, os atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável…”
Por conseguinte, a ressalva do paragrafo 1º do artigo 417 do CPC não se aplica, na hipótese em que a gravação é feita em processo total ou parcialmente eletrônico, pois, nesse caso, a norma pertinente é aquela alvitrada pelo parágrafo 2º do artigo 169 do mesmo Diploma Legal.
Essa disciplina é aplicável ao Processo Penal. Contudo, para espancar eventuais dúvidas quanto à desnecessidade de transcrição do depoimento gravado em audiência e conferir, por outro lado, melhor possibilidade de conhecimento do contexto em que foram feitas as afirmações dadas pela pessoa inquirida, o paragrafo 2º do artigo 405 do CPP, introduzido pela Lei 11.719, de 2008, deixou consignado que, “No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição”.
Assim, na seara criminal, não há a exigência, sequer, de que se trate de processo eletrônico, bastando, para que seja desnecessária a transcrição nos autos, que tenha sido colhido tanto o áudio quanto as imagens do depoimento.
Espera-se que os juízes não tenham receio de adotar essa regra e que os tribunais acompanhem essa evolução normativa de fundamental importância para a simplificação e agilização do processo criminal, indispensável para o aprimoramento da prestação jurisdicional e o cumprimento da cláusula da duração razoável do processo.
Revista Consultor Jurídico