Comemorações infantis em casa de festas geram perturbação do sossego da vizinhança

Foi apreciada pelo Judiciário gaúcho uma ação cominatória em que cinco pessoas alegam ter sofrido perturbação do seu sossego por parte da casa “Pink Festas”, localizada na Rua Elias Bothomé, bairro Jardim Itu Sabará, em Porto Alegre. A ação foi ajuizada contra a dona do estabelecimento, Marilda Inês Zafonatto Pinho.

Segundo os autores (André Luiz Tessele Nodari, Karen Elisabet Nodari, Paulo Roberto Guimarães, Liane Baldeigen Bertamoni e Gilberto Luiz Bertamoni), festas infantis eram realizadas no local sem vedação acústica, razão pela qual pediram a proibição de eventos, festas ou aglomeração de pessoas, com ou sem som mecânico ou ao vivo, além de reparação pelos danos morais.

A tutela foi antecipada pelo Juízo de primeiro grau, que vetou “até final julgamento, o uso de sonorização mecânica ou ao vivo, no endereço indicado, em dias úteis, no período das 20h às 8h, e, no demais dias (sábado, domingo e feriado), em qualquer horário, sob pena de multa, no valor de R$ 1.000,00, para cada dia de ato turbativo”.

A sentença proferida pelo juiz Jorge Alberto Vescia Corssac – da Vara Cível do Foro Regional do Alto Petrópolis – julgou parcialmente procedente o pedido, tornando definitiva a tutela antecipada, mas admitindo rever a restrição caso a ré comprovasse a implementação de obras de isolamento acústico. A reparação por dano moral foi rejeitada.

Partes demandantes e demandada apelaram ao TJRS, onde a 18ª Câmara Cível acolheu, em parte, o pleito da ré, negando o dos autores.

De acordo com a relatora, desembargadora Nara Leonor Castro Garcia, o local onde está situada a casa de festas é eminentemente residencial, com o que “as festas infantis rompem com o sossego da vizinhança”, conforme cnclusão do laudo pericial, que apontou que o nível de ruído produzido no estabelecimento comercial supera em muito o tolerável.

A sentença – mereceu ratificação em seus fundamentos, especialmente pela falta de provas, pela demandada, de que a casa seria compatível com a atividade econômica desenvolvida e adequada à contenção da poluição sonora.

Para manter a sentença, no ponto, observou ainda a desembargadora que, após o deferimento da tutela antecipada, passou a haver sossego aos autores, pois, “apesar das festas que ainda foram realizadas, no salão de festas, não houve maiores problemas, além daqueles normalmente esperados desta atividade, sendo respeitado os horários permitidos, ou, ao menos, aqueles em que estava acordados, sem interferir no descanso noturno.”

A pretendida reparação por dano moral foi, porém, indeferida, porque os barulhos gerados na casa de festas não macularam as esferas íntimas e as honras subjetivas dos autores, que sofreram meros incômodos de ordem social.

Ao final, a sucumbência foi redimensionada – impondo-se parte dos ônus processuais aos demandantes – porque, embora tenham requerido a proibição definitiva das atividades da ré, os autores obtiveram apenas a restrição ao uso de sonorização em em determinados horários e dias, havendo, portanto, decaimento proporcional. Assim, todas as despesas processuais serão reateadas á razão de 70% pelos requerentes e 30% pela requerida.

Atuaram em nome dos autores os advogados Fábio Antonio Marques Galina e Paulo Roberto Guimarães, e, em nome da ré, Dionísio Leal Mayer Junior. (Proc. nº 70035696848).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. DIREITO DE VIZINHANÇA. PERTURBAÇÃO DA PAZ E SOSSEGO DA VIZINHANÇA. CASA DE FESTAS. RUÍDOS ACIMA DO TOLERÁVEL E DO PERMITIDO. RESTRIÇÃO DO USO EM TUTELA ANTECIPADA, DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SUCUMBÊNCIA REDIMENSIONADA.
NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO DOS AA. PROVIDA, EM PARTE, A DA R. UNÃNIME.

Apelação Cível – Décima Oitava Câmara Cível
Nº 70035696848 – Comarca de Porto Alegre
MARENILDA INES ZAFONATTO PINHO (PINK FESTAS) – APELANTE/APELADA
ANDRÉ LUIZ TESSELE NODARI
KAREN ELISABET ROSA NODARI
PAULO ROBERTO GUIMARÃES
LIANE GALDEIGEN BERTAMONI
GILBERTO LUIZ BERTAMONI – APELANTES/APELADOS

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação dos AA. e prover, em parte, a da R.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes (Presidente e Revisor) e Des. Pedro Celso Dal Prá.

Porto Alegre, 10 de junho de 2010.

NARA LEONOR CASTRO GARCIA
Desembargadora-Relatora.

RELATÓRIO

Nara Leonor Castro Garcia, Desembargadora (RELATORA):

ANDRÉ LUIZ TESSELE NODARI, KAREN ELISABET NODARI, PAULO ROBERTO GUIMARÃES, LIANE BALDEIGEN BERTAMONI e GILBERTO LUIZ BERTAMONI ajuizaram AÇÃO COMINATÓRIA contra MARILDA INÊS ZAFONATTO PINHO – PINK FESTAS, dizendo que todos residem na Rua Elias Bothomé, nesta Capital, onde a R., no número 452, tem um salão de festas, o qual aluga para festas infantis, sem vedação acústica, o que causa perturbação nos horários de sossego. Requereram antecipação de tutela, ao efeito de ser proibido à R. a realizar eventos ou festas ou aglomeração de pessoas, com ou sem som mecânico ou ao vivo; procedência do pedido para proibir, de modo definitivo, a realização de eventos, no local, e indenização pelos danos morais, no valor equivalente a 150 salários mínimos.

Em antecipação de tutela foi proibido, até final julgamento, o uso de sonorização mecânica ou ao vivo, no endereço indicado, em dias úteis, no período das 20h às 8h, e, no demais dias (sábado, domingo e feriado), em qualquer horário, sob pena de multa, no valor de R$ 1.000,00, por cada dia de ato turbativo (fl. 31).

Citada, contestou a R., negando a perturbação e esclarecendo que o estabelecimento possui autorização para funcionamento.

Contra a decisão que deferiu a realização de prova pericial (fl. 100), os AA. interpuseram Agravo de Instrumento (70020565362), que foi negado seguimento, de plano (fls. 131/132 e v).

Laudo Pericial (fls.230/265) e parecer pelo assistente técnico da R. (fls.158 /187).

Em audiência, houve depoimentos pessoais e inquiridas seis testemunhas (fls. 290/316 e 334/338).

Sobreveio sentença de parcial procedência do pedido, tornando definitiva a tutela antecipada, ressalvada a possibilidade de revisão da medida diante de prova de implementação de obras de isolamento acústico no local; custas processuais e honorários periciais rateadas entre os litigantes, à razão de 30% pelos AA. e 70% pela R., honorários advocatícios de R$ 1.500,00, pela R., já procedida a compensação.

Apelou a R, alegando que a atividade empresarial desenvolvida não causa os transtornos alegados na inicial, tanto que diversos moradores da Rua Elias Bothomé firmaram abaixo-assinado, apoiando expressamente o Salão de Festas. Aliado a isso, testemunhas afirmaram em juízo que os eventos realizados pela empresa R. não causam incômodos à vizinhança, porque se tratam de festas infantis, sem utilização de aparelhagem de som capaz de afetar a vizinhança, apenas para tornar o ambiente mais agradável para as crianças; ressaltou conclusão da perícia, de que os ruídos produzidos nos eventos da empresa R. não ultrapassam os limites legais; ressaltou que há um forte fator subjetivo dos AA. em prejudicá-la. Postulou, o provimento do recurso, com a improcedência do pedido e revogação da tutela antecipada, mas, em caso de manutenção, redimensionada a sucumbência, pois o decaimento foi maior dos AA., que dos dois pedidos formulados, não foram acolhidos integralmente nenhuma deles.

Apelaram os AA. insurgindo-se contra a não concessão do dano moral, alegando que não se trata somente de um desconforto ou contrariedade, pois os atos da apelada foram muito além de um simples desconforto, começando pelo descumprimento e desobediência da legislação e principalmente do direito de vizinhança a perturbar o sossego e a tranqüilidade de pessoas que precisam dormir e descansar a noite para trabalhar e estudar. Disseram não haver licença ou alvará de funcionamento e, mesmo que tivesse, a atividade fere o sossego público, pois inadequada e inapropriada para a localização em área residencial.

Os recursos encontram-se tempestivos e preparados.

As partes apresentaram contrarrazões.

Distribuído o recurso, por prevenção, à Desª. Iris Helena Medeiros Nogueira, que havia julgado o anterior Agravo de Instrumento (nº 70020565362), declinou da competência, afirmando tratar-se de “direito de vizinhança” e não responsabilidade civil.

Assim, os autos vieram-me conclusos em 10.05.10.

Registro, por fim, que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do CPC, em vista a
adoção do sistema informatizado.

VOTOS

Nara Leonor Castro Garcia, Desembargadora (RELATORA):

Procede, em parte, o recurso da R., desprovido o dos AA.

O local onde residem os AA., e a R. tem seu estabelecimento comercial, é eminentemente residencial, com isso as festas infantis rompem com o sossego da vizinhança.

O laudo pericial foi conclusivo de que o ruído produzido pelo estabelecimento comercial R. supera, em muito, o tolerável, não podendo ser enquadrado, como um barulho normal produzido por qualquer festa de criança em casa particular.

Ressalto que o barulho não tem relação com o som utilizado, pois segundo referiu o perito, o som em nada interfere na medição dos ruídos (resposta ao quesito 6, fl. 258).

Considerando que a questão é eminentemente fática, e em atenção aos princípios da imediação, reproduzo, em parte, a sentença do Juiz de Direito Jorge Alberto Vescia Corssac:

O perito, por ocasião de suas diligências no local, observou que embora em certa medida a análise tenha restado prejudicada, em virtude da freqüência naquele momento – menos que metade da capacidade –, ainda assim foram verificados “ruídos de componentes tonais audíveis, oriundos da casa de festas, que suplantam em muito o nível critério estabelecido, principalmente na parte interna das residências nº 442 e 443, estando neste caso acima do nível critério em mais de 20dB(A), o que segundo a tabela 4 da NBR 10151 enquadra o ruído produzido na casa de festas na categoria muito enérgica”.

Cumpriria, portanto, às demandadas demonstrar não apenas as providências, ainda que mínimas, adotadas para a adequação do ambiente ao fim a que se destina, mas também a suficiência dessas providências no sentido de conter o ruído inerente à sua atividade.

No caso, não foi o que ocorreu, pois as rés não comprovaram a compatibilidade do estabelecimento para a atividade nele desenvolvida e sequer há notícia da existência de algum mecanismo ou obra, quanto mais a suficiência dessas à contenção da poluição sonora.

Nesse contexto, o relato das testemunhas arroladas pelas rés não possui relevância suficiente a interferir no resultado, uma vez que sabidamente a sensação provocada pelo ruído, assim como a disposição em manifestar o desconforto por ele provocado, especialmente quando envolve vizinho, possui forte componente subjetivo.

Com os níveis das medições, a situação não é diversa. Primeiro, porque como visto o laudo pericial confirma que a atividade da ré produz ruídos de várias ordens, muitos dos quais em níveis superiores aos parâmetros da legislação municipal. Segundo, porque o conteúdo da lide, como antes destacado, não envolve propriamente a aferição de infração às posturas municipais, ou tampouco à licença de funcionamento, mas a perturbação ao sossego dos requerentes.

(…)Com isso, tratando-se de zona residencial aliado ao fato de que a fonte de ruído não pode ser qualificada como eventual – por conta do caráter comercial da atividade, estando assim fora dos limites ordinários de tolerância -, é que se vê clara a turbação, assim recomendando a manutenção da tutela.

Saliento, ainda, por oportuno, que ouvidos outros vizinhos, não negaram a freqüência da realização das festas e muito menos o movimento provocado na rua, apenas referiram que estes fatos não lhes tirava o sossego, seja pelo fato de nada ouvirem ou porque intervir na sua rotina.

No entanto, é fato incontroverso que após o deferimento da liminar, reduzindo o uso de sonorização mecânica ou ao vivo, no endereço indicado, em dias úteis, no período das 20h às 8h, e, no demais dias (sábado, domingo e feriado), em qualquer horário, sob pena de multa, no valor de R$ 1.000,00, por cada dia de ato turbativo, houve sossego ao conjunto de moradores AA., mencionado que, apesar das festas que ainda foram realizadas, no salão de festas, não houve maiores problemas, além daqueles normalmente esperados desta atividade, sendo respeitado os horários permitidos, ou, ao menos, aqueles em que estava acordados, sem interferir no descanso noturno.

E mesmo assim, quando da realização da perícia, em dia de pouco movimento, ou menor do que comumente era realizado nas dependências da casa de festa das RR., ainda foi constatado ruídos que suplantam em muito o nível critério estabelecido, principalmente na parte interna das residências nº 442 e 443, estando neste caso acima do nível critério em mais de 20dB(A), o que segundo a tabela 4 da NBR 10151 enquadra o ruído produzido na casa de festas na categoria muito enérgica.

Portanto, mantenho a sentença no ponto, ao efeito de tornar definitiva a tutela antecipada deferida.
No tocante a reiteração da pretensão dos AA. de serem indenizados por dano moral, por alegados transtornos, em virtude dos barulhos advindos do salão de festas, não macularam as suas esferas íntimas, menos ainda trouxe mácula a suas honras subjetivas, ficando subsumidos aos incômodos de ordem social.

O dano moral correspondente à violação do direito à dignidade e à imagem da vítima, assim como ao sofrimento, à aflição e à angústia a que foi submetida, fatos inocorrentes na espécie.

Com isso, a sucumbência deve ser redimensionada.

O pedido foi de não apensa confirmando a medida provisória, mas também proibindo, de forma definitiva, que a parte ré promova qualquer espécie de atividade no endereço, supra citado, que importe em festas, aniversários e eventos adultos e infantis, aglomerações de qualquer espécie, com ou sem som mecânico ou ao vivo, e atividades afins, em dias de semana ou fins de semana, causadoras de perturbação da paz, sossego e tranqüilidade dos moradores vizinhos, e a título de indenização no valor indicado de no máximo 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos, ou o que entender Vossa Excelência, conforme preceitua o art. 606 do CPC.

Com a sentença, aqui confirmada, dos pedidos, apenas parte foi acolhido, permitido o funcionamento, porém proibido o uso de sonorização mecânica ou ao vivo, no endereço indicado, em dias úteis, no período das 20h às 8h, e, no demais dias (sábado, domingo e feriado), em qualquer horário, sob pena de multa, no valor de R$ 1.000,00, por cada dia de ato turbativo (fl. 31).

Desta forma, o decaimento dos AA. foi em maior proporção, razão pela qual inverto a sucumbência como fixada na sentença.

Voto, pois, em negar provimento à apelação dos AA. e prover, em parte, à da R.

Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo com a Relatora.
Des. Pedro Celso Dal Prá – De acordo com a Relatora.

DES. CLÁUDIO AUGUSTO ROSA LOPES NUNES – Presidente – Apelação Cível nº 70035696848, Comarca de Porto Alegre: “À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DOS AA., PROVENDO, EM PARTE, O DA R.”

Julgador de 1º Grau: JORGE ALBERTO VESCIA CORSSAC

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