Computador fantasma – Judiciário se informatiza, mas poucos usam o sistema

por Aline Pinheiro

Problemas tecnológicos não são a única barreira para a informatização da Justiça brasileira. Outro grande fator de impedimento da efetiva implantação do processo digital é a falta de usuários. Esta foi a conclusão a que chegaram os participantes da 14ª Edição do Congresso de Inovação na Gestão Pública (Conip), que acontece em São Paulo desta terça-feira (3/6) até quinta (5/6). Durante um dia inteiro, profissionais de tecnologia dos principais tribunais do país discutiram os problemas do processo digital e apresentaram iniciativas de sucesso.

No Supremo Tribunal Federal, o processo digital foi implantado. Em outubro do ano passado, o ministro Carlos Britto despachou eletronicamente o primeiro processo que tramitou inteiramente por meio eletrônico, sem papel. Nasceu no Juizado Especial Federal do Distrito Federal já digital e assim chegou até o Supremo. Há, portanto, tecnologia comprovada que permite abolir o papel, pelo menos nos casos novos. A novidade, no entanto, é pouco usada.

Segundo Paulo Roberto Pinto, secretário de Tecnologia da Informação do STF, apenas 2% dos processos que tramitam no Supremo são eletrônicos. A falha não é só das instâncias inferiores, que começam o processo com pilhas de papel e assim o fazem chegar ao Supremo. Segundo Roberto Pinto, os processos originários do STF também são de papel. Poucos usam a petição eletrônica. “O problema não é de tecnologia”, diz. A dificuldade é cultural.

“Trabalhar em tecnologia dentro de um tribunal é como vender biquíni para esquimó”, compara Cláudio Augusto Pedrassi, juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Pedrassi considera que o que atrapalha mesmo a informatização da Justiça é a resistência dos juízes, principalmente da cúpula do Judiciário, mais antiga e refratária à tecnologia. “Muitos desembargadores nem usam celular”, diz. Alexandre Laranjeira, juiz e diretor de informática da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), concorda: “Quem exerce poder no Judiciário é a geração que não conviveu com o computador.”

Ambos acreditam que também há resistência grande por parte dos advogados. “A mudança cultural do advogado também é lenta, mas vai ocorrer porque ele é o maior beneficiário do processo digital”, diz Pedrassi. De acordo com ele, o processo digital é 50% mais rápido que o processo no papel.

O Judiciário paulista, o mais carregado do Brasil com 49% dos processos que tramitam no país, já se orgulha de um feito: abriga o primeiro fórum do país totalmente eletrônico, conta Pedrassi. É o Fórum da Freguesia do Ó, o primeiro a se livrar das pilhas de papel. Pedrassi aposta que, em três anos, a Justiça paulista vai conseguir migrar definitivamente para o processo eletrônico. O Fórum do Butantã, ainda não instalado, vai estrear a nova era. Não vai ter cartório, segundo Pedrassi. Tudo vai ser por meio digital, com acesso pela internet.

Arquipélago

Outro grande desafio que o Judiciário tem para se informatizar é a falta de comunicação entres as unidades do Poder Judiciário, principalmente na Justiça Estadual. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho capitaneia a informatização dos Tribunais Regionais do Trabalho. O recurso eletrônico no TST já integra 21 tribunais país afora. Mesmo assim, o tribunal luta para unificar o Diário de Justiça do Trabalho de cada tribunal em um site só.

Na Justiça Federal, há o Conselho de Justiça Federal para coordenar o processo digital. Mesmo assim, há diversos sistemas com dificuldades para se comunicar. Lúcio Melre, secretário de Tecnologia da Informação do CJF, conta que os Juizados Especiais Federais surgiram sem estrutura adequada. Por conta disso, cada um teve de lidar da sua maneira e criou seu próprio sistema de informática. O mesmo fizeram os Tribunais Regionais Federais. O desafio, agora, é descobrir se o banco de dados de cada unidade tem de ser padronizado ou não e como fazer um se comunicar com o outro.

A Justiça Estadual é a mais atrasada no quesito unificação dos sistemas, muito provavelmente porque não há nenhum órgão centralizador. Surgem, aí, as pequenas ilhas informatizadas que não se comunicam umas com as outras.

Em São Paulo, por exemplo, teve de ser criado um sistema que substituísse os quatro que existiam em segunda instância, fruto da época dos Tribunais de Alçada. Na primeira instancia, foram encontrados mais de10 sistemas diferentes.

Há, no país, 108 varas de Justiça estadual totalmente virtuais, além de algumas unidades da Justiça Federal. O número, no entanto, é muito pequeno perto do total de 5 mil varas estadual existentes. “Não podemos dizer que existe o processo eletrônico” conclui Laranjeira, o diretor de informática da Ajude. Para ele, há sim experiências importantes, mas a estatísticas mostram que não passam de “uma gota no oceano”.

Revista Consultor Jurídico

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