Por votação majoritária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, ontem (19), a extradição do major do exército argentino Norberto Raul Tozzo, para ser julgado pelo Tribunal de 1ª instância de Resistência (Capital da Província do Chaco), na Argentina, por sua suposta participação do crime conhecido como “Massacre de Margarita Belén”, ocorrido na madrugada de 13 de dezembro de 1976, na província do Chaco, no norte do país vizinho.
Naquela oportunidade, um grupo de 22 presos políticos, em sua maioria militantes da Juventude Peronista, foi executado numa operação conjunta do Exército Argentino e da Polícia do Chaco, em um lugar próximo à localidade de Margarita Belén, naquela província. Desses 22, 18 foram identificados, mas quatro continuam sendo considerados desaparecidos, pois até hoje seus corpos não foram entregues às suas famílias.
Na época, o fuzilamento foi disfarçado, prática comum no regime militar argentino de então, como tendo sido um tiroteio entre a polícia e um grupo de milícia, durante tentativa de fuga dos prisioneiros.
Decisão
A decisão do STF foi parcial, pois a extradição de Norberto Tozzo foi concedida para que ele seja julgado pelo Tribunal de Resistência apenas pelo crime de sequestro qualificado, uma vez que se trata de crime de caráter continuado, que persiste até hoje sem que tenha sido iniciada a contagem do prazo de sua prescrição, já que quatro pessoas que estavam sob a guarda dos militares e policiais até hoje continuam desaparecidas.
Na Argentina, o crime por ele cometido é descrito como “desaparecimento forçado de pessoas em concurso real” e considerado de lesa-humanidade, que não prescreve e é punido com pena de prisão perpétua. Como não há prisão perpétua no Brasil, a extradição somente foi concedida de acordo com a equivalência existente na legislação brasileira. Trata-se do artigo 148, parágrafo 1º, inciso III, com a agravante prevista no artigo 61, inciso II, letra “i” (abuso de poder), porquanto os presos estavam sob a imediata proteção da autoridade.
Entretanto, como a pena máxima para qualquer crime não pode passar de 30 anos, pela legislação brasileira, a justiça argentina deverá comutar a pena para esse máximo e ainda descontar o tempo que o major já está preso preventivamente no Brasil (desde 2008), para fins de extradição.
Como o crime ocorreu em 1976, a Suprema Corte julgou prescrito o crime de homicídio qualificado, previsto no artigo 121, parágrafo 2º, do Código Penal Brasileiro, pelo qual a Argentina também pretendia julgá-lo. Naquele país, trata-se de crime de homicídio agravado por aleivosia, também imprescritível.
Alegações
A defesa alegou, entre outros, defeito de forma dos documentos apresentados pelo governo argentino, autor da Extradição (EXT) 1150, em que a decisão foi tomada. Segundo ela, não haveria informações sobre a efetiva participação do major nos eventos criminosos, bem como sobre a data inicial do processo ou do recebimento da denúncia. Entretanto, depois dessas alegações, o governo argentino forneceu dados mais circunstanciados sobre o crime.
Quanto ao mérito, sustentou a ilegalidade do pedido formulado, tendo em vista que não haveria a presença do requisito da dupla tipicidade em relação ao delito de desaparecimento forçado de pessoas e, quanto ao delito de homicídio qualificado, a ocorrência da prescrição punitiva. Alegou, ainda, que existiriam, nos autos, elementos que indicariam a motivação política e a natureza militar dos delitos que lhe são imputados.
A defesa alegou, ainda, que os integrantes das Forças Armadas durante o regime militar argentino teriam sido anistiados por decreto do ex-presidente Carlos Menem.
Votos
Na decisão, a maioria dos ministros acompanhou o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, apoiada em parecer da Procuradoria-Geral da República. Ela rejeitou a alegação de anistia, observando que o decreto do ex-presidente foi julgado inconstitucional e que, há poucos dias, o Tribunal de Resistência julgou justamente acusados de participar do massacre de Margarita Belén, condenando uns e inocentando outros.
Ela observou, também, que o tratado de extradição existente entre Brasil e Argentina descarta a possibilidade de enquadrar como políticos crimes praticados com características de crime comum, como foi o caso do major.
Divergência
Único voto discordante, o ministro Marco Aurélio votou contra a concessão da extradição, alegando que o crime ocorreu durante regime de exceção vigente no país vizinho e teve motivação política.
Ele disse que o julgamento do major seria o mesmo que julgar responsáveis crimes semelhantes ocorridos no Brasil, onde isso é impossível em virtude da lei de anistia. Assim, ele votou, também, pela ilegitimidade do pedido formulado pelo atual governo argentino.