Por não respeitar o direito do consumidor, o juiz da 1ª Vara Cível de Anápolis, Eduardo Walmory Sanches, declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 6º, do artigo 129, da Resolução 414/2010, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Segundo ele, a norma citada impede a realização do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo instaurado pela empresa detentora do monopólio de prestação de serviço no fornecimento de energia ao consumidor, para reconhecimento de fraude em medidor de energia.
O entendimento foi manifestado em processo proposto por uma consumidora da Anápolis contra a Enel Distribuição. Ela ganhou o direito de ser indenizada por danos morais em R$ 10 mil pela empresa por ter tido medidor periciado de forma unilateral pela distribuidora de energia elétrica, que apontou que a peça estava irregular, o que resultou em cobrança por consumo tido como não registrado no valor de mais de R$ 1,5 mil.
Conforme os autos, no dia 19 de outubro de 2016, a Celg Distribuição, que foi comprada pela Enel, mandou funcionário na residência da mulher para retirar o medidor de energia para processamento de laudo técnico. Na ocasião, a empresa teria constatado a ocorrência de fraude no medidor que, segundo foi apontado, ocasionou registro incorreto do consumo de energia elétrica no medidor, impossibilitando o registro do real consumo de energia naquela unidade no período de outubro de 2013 a setembro de 2016. O problema originou, então, um débito de R$ 1.590 para a consumidora.
Ainda, segundo a sentença, a consumidora recebeu uma notificação a respeito da irregularidade, seguida de uma determinação para que ela se dirigisse à sede da empresa para realizar a retirada do boleto, no prazo de 30 dias, para quitar o débito, senão o fornecimento de energia elétrica seria cortado.
Contudo, ela alegou que a fraude não existiu e que seus direitos de consumidora foram desrespeitados. Dessa forma, ela ajuizou ação requerendo indenização por danos morais. Em sua defesa, a Enel alegou que, na perícia realizada na casa da mulher, a companhia respeitou os procedimentos legais, tanto na remoção do relógio medidor quanto na vistoria da peça.
Sentença
Citando o artigo 77, da Resolução 414/2010, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o magistrado Eduardo Walmory afirmou que é evidente que é um direito da empresa, que detém o monopólio da prestação do serviço de fornecimento de energia, a verificação periódica dos equipamentos instalados nas unidades consumidoras. Porém, segundo o juiz, a medição da energia realizada na residência dos usuários deve respeitar os princípios contidos no Código de Defesa do Consumidor e na Constituição da República.
Em análise do caso, Eduardo Walmory afirmou que o consumidor é obrigado a aceitar o serviço prestado unicamente pela empresa ré e não pode sequer escolher a marca e o modelo do medidor de energia que irá ser colocado em sua residência. Por isso, segundo o juiz, a empresa que faz a distribuição não pode ser também a responsável pela leitura do consumo de energia, frente ao qual, se for apontado algum erro, o consumidor é penalizado.
Na situação em julgamento, o magistrado constatou ainda que a Enel retirou o relógio medidor, de forma unilateral, usando mão de obra de seus próprios funcionários e seu próprio laboratório interno, para fazer uma “avaliação técnica” como se fosse perícia no aparelho medidor, constatando a “fraude”. “Por evidente, que dentro do equilíbrio de forças, a empresa detentora do monopólio da prestação de serviço deveria contratar uma outra terceirizada, cadastrada no Inmetro, para retirar o medidor e fazer a perícia, que deve ser realizada na presença do consumidor, amparado por um assistente técnico”, afirmou o juiz, citando o que prevê o inciso II, do artigo 129, da Resolução 414 da Eneel.
Eduardo Walmory ressaltou que “não se pode admitir jamais que uma das partes possa produzir prova unilateral para depois utilizar-se dessa prova dentro do processo judicial para prejudicar a parte contrária.” O magistrado salientou ainda que o artigo 5°, da Constituição Federal, garante às partes, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. “E o processo de acusação da empresa contra a consumidora, sendo um processo administrativo, deve então respeitar o que é mencionado no artigo constitucional”, frisou.
A conduta da Enel, na condução das apurações de “fraudes” praticadas pelos consumidores, segundo o juiz, revela-se absolutamente ilegal e inconstitucional. “O consumidor vira refém. A palavra da empresa ré é única e absoluta, restando ao usuário pagar, e rápido, para não ficar sem energia, ou seja, no escuro”, frisou Eduardo Walmory.
Dessa forma, o juiz condenou a empresa a pagar R$ 10 mil à consumidora e ainda determinou que seja declarado como inexistente o débito cobrado, reconhecendo o direito da consumidora de apresentar assistente técnico para acompanhar a perícia do medidor, que deve ser pago pela Enel.
Veja a decisão.
Fonte: TJ/GO