Concessão de floresta – Supremo atropela Congresso em caso do Jamari

por Maria Rachel Coelho Pereira

O processo de concessão da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, que estava em fase de habilitação, poderá ser retomado pelo Serviço Florestal Brasileiro e pelo Ministério do Meio Ambiente, depois de decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, que cassou uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sediada em Brasília, obrigando a União a suspender a concorrência.

A desembargadora Selene Maria de Almeida, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal, havia determinado em antecipação de tutela, a suspensão da licitação até que o Congresso Nacional autorizasse previamente a concessão florestal. Sua decisão teve como fundamento o artigo 49, inciso XVII, da Constituição Federal que dispõe que: “cabe ao Congresso Nacional, aprovar previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares”.

A licitação da Floresta Nacional do Jamari, suspensa em março, envolve uma área de 95 mil hectares. E é o processo de concessão de uma Floresta Pública à exploração privada realizado pelo governo de acordo com a Lei 11.284/2006, relativa à gestão de florestas.

O ministro Gilmar Mendes, no entanto, acolhendo argumento do Advogado-Geral da União, e suprimindo a competência do Superior Tribunal de Justiça, cassou a liminar da juíza e determinou o prosseguimento da licitação.

Segundo ele: “não se mostra indispensável a submissão prévia ao Parlamento Nacional para a aprovação ou não de tal certame porque não se trata de alienação de domínio. Não se pode confundir concessão florestal com concessão dominial. A concessão florestal não implica em transferência da posse da terra pública, mas sim a delegação onerosa do direito de praticar o manejo florestal sustentável na área e o artigo 10, parágrafo 4º da Lei 11.284/2006, citado pelo MPF e que exigia, no caso, a autorização do Congresso Nacional, foi vetado pelo presidente Lula “.

A base normativa que usou para justificar a competência do STF foi o artigo 297 do regimento interno daquela corte, que permite que “a presidência do STF, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspenda a execução de decisões concessivas de segurança ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão travada na origem for de índole constitucional”.

O projeto de lei que deu origem à Lei 11.284/2006 não previa a aprovação pelo Congresso para a concessão de Floresta com área superior a 2.500 hectares, como determina o texto constitucional em seu artigo 49, XVII. Mas, no Senado Federal, o projeto recebeu emenda para que se adequasse a esse dispositivo. E embora aprovado por unanimidade foi vetado pelo presidente da república.

A concessão é um ato administrativo pelo qual se institui um direito de uso, aproveitamento, exploração e um direito real sobre coisas de domínio público. Embora seja de sua essência a revogabilidade e que não haja transmissão do domínio pleno e a exploração que venha a ocorrer seja sempre limitada por esse domínio público, não há como se explorar uma Floresta sem a transferência da posse direta do solo e tudo quanto lhe for incorporado natural ou artificialmente.

A doutrina subdivide a concessão em duas modalidades: a de serviço público e concessão dominial. A concessão de Floresta Pública seria dessa última espécie, porque implica na outorga de um privilégio ao vencedor da licitação sobre um bem imóvel da União.

No caso, a Constituição não permite que se conceda o uso de terras públicas com área superior a 2.500 hectares sem prévia anuência do Congresso e o dispositivo constitucional não faz qualquer distinção entre concessão dominial ou florestal, quem elabora tal distinção, inexistente no texto constitucional é o ilustre ministro, professor e jurista. Também fere a lógica hermenêutica que o fato de um dispositivo ter recebido veto do chefe do Poder Executivo o torne constitucional.

Ressalte-se que a questão relacionada a inconstitucionalidade da referida lei em relação ao artigo 49, inciso XVII, também é objeto da ADI 3.989/DF, cujo relator é o ministro Eros Grau.

Já que a principal defensora desta lei e nossa principal fiscalizadora, a ministra Marina Silva, entregou o cargo, cabe agora a nós, representados, “representarmos” nossos representantes, usurpados em uma competência exclusiva conferida pelo artigo 49, XVII da Constituição, fiscalizarmos o processo de licitação.

Revista Consultor Jurídico

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