por Valtecino Eufrásio Leal
Noutro dia vivenciei um fato curioso ao deparar com um condutor dirigindo alcoolizado. Constatei tratar-se do mesmo motorista a quem socorri meses antes, em situação de perigo concreto, após a ocorrência de um acidente automobilístico. Através dos lamentos daquele infrator reincidente, tomei conhecimento que tempos atrás — numa terceira violação à proibição de conduzir veículo automotor sob estado de embriaguez — ele perdera duas filhas adolescentes num trágico acidente.
Esse quadro de continuidade delitiva me levou a imaginar sobre a conduta individual apontada, pois a mim, parece que pessoas de índole semelhante não se educam nunca, ainda que, como reprimendas, experimentem penas dolorosas, como a perda de entes queridos. Em razão de episódios como estes, percebi que cada um de nós contribui com parcela significativa de ação ou inação para que nossas guerras aconteçam.
Exatamente sobre esse assunto, nos últimos dias, tenho observado no cenário midiático, notícias fervorosas que induzem a sociedade a confiar que agora, diante do aperto anunciado à embriaguez ao volante, tudo se resolverá e que não mais continuaremos com a triste estatística de 34.000 mortes ao ano — metade destas, oriundas de combinação da direção com o uso de bebida alcoólica. Demais, tanto a sociedade, como a imprensa, parecem depositar o fim dos maus tempos na lei renovada, como se esta fosse uma panacéia.
É espantosa a excêntrica capacidade de se conceber cura em remédios não experimentados ou na credulidade de que problemas sociais de convívio se resolvem num gesto de Mandrake, sem a participação ativa de todos. Parece-nos demais confortável crer que o país se transformará a partir de uma ação governamental ou de uma iniciativa de poder que prenuncia a solução das crueldades da sociedade através de duras leis, editadas em momentos nevrálgicos, ou sob o calor das tensões políticas.
Foi assim que depois do assassinato da atriz global Daniela Perez, se visualizou a hediondez no crime de homicídio qualificado; que, após o vil arrastamento e homicídio do menino João Hélio por menores infratores com o uso de um automóvel, a sociedade se mobilizou e desejou a redução da idade penal; e, de igual modo, foi suficiente se lembrar que no Brasil, os acidentes de trânsito matam mais do que qualquer guerra moderna, para se modificar o Código de Trânsito, iniciando-se uma verdadeira tolerância zero em relação à embriaguez na direção automotiva.
No entanto, imagino que se o mal social é grave, as leis, ainda que adequadas, resolverão pouco ou quiçá serão obedecidas pontualmente num primeiro instante, pois o homem contemporâneo, em sua dinamicidade camaleônica, se adapta a qualquer tempo, a qualquer lei. Em face disso, será que o endurecimento da situação legal, impondo penas ou conjunturas mais severas, seria a melhor das políticas? Penso que não. Veja-se que crimes, por cá tidos como atrozes e puníveis com grande lapso temporal de reclusão, em terras européias sujeitam o infrator a penas bem mais amenas.
Perceba-se o caso de Jerry K. e Johan T., condenados no Brasil, em 10 de abril de 2003, a 21 e 17 anos de prisão, respectivamente, por fotografar e divulgar na internet cenas pornográficas de 24 menores brasileiras — aliás, por essas e por outras similares, já existem vozes parlamentares defendendo a hediondez da pedofilia. Aqueles condenados conseguiram fugir do país em 2004, devido a um curioso passaporte emitido às pressas pelo consulado holandês no Rio de Janeiro. Em solo europeu, um dos homens foi processado. Enfim, pelo mesmo fato, em 2006, Jerry K. foi sentenciado pela justiça holandesa a nove meses de prisão sob fiança e a 240 horas de trabalhos sociais.
Por conseguinte, vem a indagação: e na Holanda, existem altos índices de criminalidade? A lei é benevolente? Evidentemente que não, pois aquela nação, culturalmente, compreende que a segurança pública, é um movimento da sociedade civil, com participação da escola, do governo, e da família, dependendo ademais das cruciais iniciativas de cada ser social. Já em nossos ares, se confia basicamente no binômio: polícia e lei.
Logo, o mal da estatística terrível no trânsito brasileiro é fruto de nosso comportamento individual e não da vontade geral. Ou seja, se cada um de nós, experimentasse posturas de autocrítica, defesa e proteção coletiva, seguramente, o resultado derradeiro seria muito mais salutar do que nos garantir em códigos. A lei, portanto, não é e nunca foi um mecanismo pronto e acabado para dar solução a crises sociais e existenciais.
Nós, portanto, ainda temos a opção de um modelo edificado na ação em prol de valores coletivos, a fim de investigar a existência de caminhos ou de vieses mais humanitários. Ou seja: ao invés de aguardar a edição de novas leis, penso que talvez devêssemos nos tratar realmente como comunidade, lutando por mudanças comportamentais. Já seria um bom começo a conscientização de que a bebida combinada com direção nos incursiona numa guerra silenciosa, injusta, desigual e sem precedentes, onde infelizes prosseguem massacrando impiedosamente seus irmãos, e a si próprios.
Revista Consultor Jurídico