por Bruno Barata Magalhães
O instituto da Súmula Vinculante foi concebido pela Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004. A criação desse instituto confere às súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, em todas as esferas. O mencionado efeito conferiu às súmulas força comparável à de uma norma legislativa.
Muito se discute a constitucionalidade das súmulas vinculantes. Afirma-se que o instituto criado pela Emenda Constitucional 45/2004 fere o princípio do juiz natural, vez que, tornada obrigatória a aplicação da súmula, não é mais necessária qualquer convicção do magistrado acerca do teor processual.
Desde 2004, o Pretório Excelso aprovou 13 súmulas vinculantes. De todas as súmulas aprovadas até 28 de agosto de 2008, a que gerou maior polêmica, até aquela data, foi a de 11, que restringiu o uso de algemas. No dia 29 do mesmo mês, porém, foi publicada a Súmula Vinculante 13, que dispõe, in verbis:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.
A recente Súmula Vinculante 13 ficou conhecida como a norma-guia do fim do nepotismo no Brasil. Teve como precedentes a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1521-4, o Mandado de Segurança 23.780-5, a Medida Cautelar em Ação Declaratória de Constitucionalidade 12-6, a própria Ação Declaratória de Constitucionalidade 12 e o Recurso Extraordinário 579.951.
O texto da Súmula Vinculante 13 tem como fundamento constitucional a regra insculpida no artigo 37, a fim de garantir a vigência, sobretudo, dos princípios da moralidade e da impessoalidade.
A súmula vinculou seu efeito a toda Administração Pública, que, a partir da data de sua publicação, deve rever os seus quadros de cargos em comissão ou de confiança, e adequá-los conforme o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal.
Ocorre que o texto da Súmula Vinculante 13 apresenta, com a devida vênia, algumas obscuridades, e, a fim de dirimir tais conflitos interpretativos, tanto os operadores do Direito quanto os órgãos da Administração Pública têm de buscar seus próprios escólios.
Depreende-se de breve leitura do texto sumular que não há um direcionamento específico que se faça chegar a uma conclusão exata do que é ou não permitido a partir do dia 29 de agosto do corrente ano.
A primeira dúvida decorre dos graus de parentesco. A fim de esclarecimento, parentes consangüíneos em linha reta são considerados os pais (1º grau), avôs (2º grau), bisavôs (3º grau) e demais ascendentes em linha reta, assim como os filhos (1º grau), netos (2º grau), bisnetos (3º grau) e demais descendentes em linha reta. Os parentes considerados colaterais ou transversais consangüíneos são apenas considerados até o 4º grau, na forma do artigo 1.592 do Código Civil, sendo estes os irmãos (2º grau), tios (3º grau), sobrinhos (3º grau), sobrinho-neto (4º grau), primo (4º grau) e o tio-avô (4º grau).
Os parentes por afinidade não são naturais, decorrem do casamento ou da união estável. O parágrafo 1º do artigo 1.595 do Código Civil dispõe que “o parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro”, ou seja, o parentesco por afinidade, na legislação brasileira, limita-se até o 2º grau. Considerando que a norma legal faz distinção entre dois grupos, cônjuge e companheiro, e parentes, o grau de afinidade transmite-se diretamente de um cônjuge para o seu sogro, por exemplo, seu parente de 1º grau por afinidade.
A Súmula Vinculante 13 veda a contratação de parentes por afinidade até o 3º grau. É interessante mencionar que a Constituição da República prevê uma regra específica de limite de parentesco por afinidade, para as eleições de 1988:
“Art. 5º. Não se aplicam às eleições previstas para 15 de novembro de 1988 o disposto no art. 16 e as regras do art. 77 da Constituição.
§5º – Para as eleições de 15 de novembro de 1988, ressalvados os que já exercem mandato eletivo, são inelegíveis para qualquer cargo, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes por consangüinidade ou afinidade, até o segundo grau, ou por adoção, do Presidente da República, do Governador de Estado, do Governador do Distrito Federal e do Prefeito que tenham exercido mais da metade do mandato (Grifos nossos)”.
Surge aí a primeira imprecisão. O Código Civil discorre expressamente que parentes por afinidade são aqueles até o 2º grau. Já a Súmula Vinculante 13 dispõe acerca de parentes por afinidade até o 3º grau. Poderia a súmula conter disposição acerca de parentesco não-previsto pela legislação pátria, no caso, pelo Código Civil, e até mesmo pela Constituição Federal? Estabeleceu-se um conflito de normas?
Demais itens constantes no escrito sumular merecem a devida análise. O que se considera como “mesma pessoa jurídica”? Há interpretações de que a mesma pessoa jurídica é o órgão específico, pertencente a uma das três esferas da Federação. Por outro lado, também se entende que um município, o Distrito Federal, um estado e a União, são pessoas jurídicas únicas, ou seja, englobam todos os seus entes, tornando-se uma pessoa jurídica complexa.
A Súmula Vinculante 13 dispõe a vedação ao ajuste mediante designações recíprocas. Entretanto, não está claro se a reciprocidade se dá entre as três esferas da Federação, entre todos os entes apenas do município, Distrito Federal, estado ou União, ou ainda dentro da mesma pessoa jurídica, utilizando-se, nesse caso, a interpretação de que pessoa jurídica é apenas um órgão específico.
Outra anfíbola originada pelo escrito ora analisado decorre dos servidores públicos efetivos. Se um servidor público efetivo exercer cargo em comissão, e não de confiança, vez que, para exercer este, a própria Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade do servidor possui efetividade, a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente restará prejudicada? Ou os efeitos sumulares atingem apenas e tão somente os nomeados unicamente em cargos em comissão?
Sabe-se, no Direito Civil, que o parentesco por afinidade em linha reta, qual seja, sogros, genro e nora, não se extingue com dissolução do casamento ou da união estável. Neste caso, se um cidadão, divorciado há mais de 20 anos, exercer cargo comissão, poderá sua sogra daquela antiga relação, por meios próprios e sem qualquer vínculo com o antigo genro, ser nomeada?
Em relação a parentescos de modo geral, se um cidadão já exerce cargo em comissão e um parente seu adquire meios próprios, inerentes ao seu parente já empossado na Administração Pública, de obter uma nomeação para exercer um cargo em comissão, poderá este parente exercê-lo? A vedação originada pela Súmula Vinculante 13 aplica-se a todos os parentes ou apenas e tão somente entre aquele que possui “poder de nomeação” e seu parecido?
O Supremo Tribunal Federal estendeu o entendimento da Resolução 7, da Associação dos Magistrados Brasileiros, que vedou a prática do nepotismo no Poder Judiciário, a toda a Administração Pública. O julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 12 foi o marco para a edição da Súmula Vinculante 13, aprovada por unanimidade.
Os pontos abstrusos destacados, contudo, merecem melhor apreciação, em benefício do Estado de Direito Democrático, haja vista que o texto sumular vem sendo explanado de modo individual por cada órgão da Administração Pública, direta e indireta, o que, posteriormente, poderá suscitar conflitos interpretativos de âmbito nacional.
Revista Consultor Jurídico