Por Filipe Coutinho
No nanico e despretensioso Plenário 16 da Câmara dos Deputados – última sala do corredor de comissões – o Grupo de Trabalho de Consolidação das Leis Federais iniciou nesta quarta-feira (29/4) os trabalhos do biênio 2009-2010. A tarefa dos 21 deputados do grupo é ambiciosa: reunir leis incompatíveis, ultrapassadas e repetidas e extingui-las. Segundo cálculo da Casa Civil, existem cerca de 180 mil normas legais federais em vigor, que amontoam e tornam caótico o ordenamento jurídico brasileiro. Se todos os projetos de consolidação forem aprovados, serão extintos 1.760 dispositivos jurídicos, entre decretos, leis e normas.
Na sessão desta quarta, o deputado Cândido Vaccarezza (SP), atual líder do PT, passou o comando do grupo para o deputado José Mentor (PT-SP). Vacarezza é um especialista no assunto: sua passagem pela Assembleia Legislativa de São Paulo foi marcada pelo esforço de colocar orgem na legislação do estado.
Segundo o novo coordenador, a expectativa é conseguir tornar realidade algum dos projetos de consolidação até o final do mandato. Além disso, o grupo agora tem 21 suplentes, que poderão sugerir novos temas a serem consolidados. “Há sempre um temor de que a consolidação crie novas leis. Mas o grupo está atento e isso não é um problema”, diz José Mentor.
Não é preciso ir muito longe para encontrar exemplos de leis incompatíveis e descabidas. O caso mais recente é o da Lei de Imprensa, revogada integralmente pelo Supremo Tribunal Federal na quinta-feira (30/4). A maioria dos ministros declarou que a lei de 1967, feita ao sabor do institno autoritário da Ditadura Militar, estava ultrapassada e em desacordo com os preceitos da Constituição Federal de 1988.
Outro exemplo está no projeto de consolidação sobre comunicações. Os deputados querem riscar do mapa alguns artigos da Lei 4.117, de 1962. Com a evolução tecnológica cada vez mais rápida, fica difícil de acreditar que uma lei de 40 anos possa ter alguma eficácia atualmente. E tem mais: a lei ainda dá poderes ao extinto “Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel)”, nada mais do que um outro nome para o Ministério das Comunicações.
O grupo discute desde 2007 projetos relacionados a 21 assuntos – um tópico para cada membro. Os seguintes temas já têm projetos de consolidação: agricultura, meio ambiente, assistência social, cível, comunicação, educação, energia elétrica, estrangeiro, previdência, saúde e trabalho. Ainda estão sem projeto as áreas comercial, administrativa, Direito Internacional, finanças públicas, Defesa Nacional, penal, processual penal, sistema financeiro, trânsito e tributação.
O tema que apresenta maior dificuldade de elaboração, até agora, trata do Direito Trabalhista, assunto sempre polêmico. O coordenador do grupo de trabalho cogita sugerir a criação de uma comissão geral do Plenário para discutir o assunto. “É um tema delicado, precisa de uma abrangência maior”, afirma Mentor.
A comunidade jurídica pode dar sugestões ao grupo. Toda vez que um novo projeto entra em discussão, a comissão reserva um mês para receber opiniões e críticas em relação às leis a serem apresentadas. Atualmente, no entanto, todos os PLs passaram dessa fase. Com o início da nova coordenação, novas propostas devem surgir em breve.
Cultura e resistência
Vaccarezza acredita que há ainda muita coisa a ser feita. Depois de dois anos funcionando com reuniões mensais, uma das principais dificuldades da comissão é convencer o próprio Poder Legislativo de “mudar a cultura de criar novas leis”. “Não tem que votar lei. O processo legislativo hoje é aprimorar a legislação. Às vezes, é mais útil simplificar a lei, do que votar novas leis”, defende o líder do PT. “Mas, aqui no Brasil, para cada evento que tem impacto social, o primeiro pensamento da sociedade e da imprensa é fazer nova lei”, completa.
Dos 22 PLs de consolidação em tramitação na Câmara, nove estão no Plenário, seis na Comissão de Constituição e Justiça e os outros sete aguardam aprovação do grupo. As propostas, no entanto, sofrem resistência. “As pessoas não trabalham com a ideia de revogação de leis. Alguns deputados não tem compreensão”, diz o líder do PT. “Esse tema estava morto na Câmara. Nós ressuscitamos a discussão”, completa Vaccarezza, que foi o responsável pelo fim de 13 mil atos legais quando fez o mesmo trabalho na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Além da resistência em revogar leis, José Mentor acredita que há uma cultura no Legislativo de preferir a quantidade à qualidade das leis. “Às vezes o deputado acha que tem que fazer alguma para que não digam que ele não faz nada, e aí fica criando projetos”, diz.