por Guilherme Novaes de Andrada
Decerto que a legislação trabalhista ostenta um protecionismo necessário aos trabalhadores que se sujeitam às normas de tutela do trabalho, ou seja, aos empregados, por serem juridicamente mais fracos, ou hipossuficientes, é certo, do mesmo modo, que são reservados aos empregadores, em virtude da assunção dos riscos da atividade econômica, os poderes diretivos — regulamentar, fiscalizador e disciplinar — os quais conferem ao empregador, dentre outras, a prerrogativa de dispensar, imotivadamente, o empregado.
Interessa avaliar, no caso em apreço, a possibilidade de dispensa imotivada do empregado que se encontra inapto ao exercício de suas atribuições em razão de doença que não detenha qualquer vinculação com as atividades laborais ou mesmo relacionada ao trabalho. Dentro dessa ótica, surge a dúvida sobre qual seria o tratamento jurídico disponibilizado pelo ordenamento posto quando se está perante essas situações.
As espécies de estabilidade provisória, além das que possam ser livremente negociadas entre as partes, são taxativamente previstas por normas constitucionais e infraconstitucionais. A Carta Política assegura o emprego temporariamente aos dirigentes sindicais (artigo 8°, inciso VII), aos empregados eleitos membros da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – Cipa (artigo10, inciso II, alínea “a”, ADCT) e às gestantes (artigo 10, inciso II, alínea “b”, ADCT).
A Lei 8.036/90, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevê estabilidade aos membros do Conselho Curador, enquanto representantes dos trabalhadores (artigo 3º, parágrafo 9º). A Consolidação das Leis do Trabalho garante o emprego, temporariamente, aos empregados eleitos membros da comissão de conciliação prévia (artigo 625-B, parágrafo 1º). A Lei 5.764/71, que define a política nacional de cooperativismo, em seu artigo 55, dispõe que empregados de empresas que sejam eleitos diretores de sociedades cooperativas por eles criadas gozarão das garantias asseguradas aos dirigentes sindicais.
A Lei 8.213/91, que dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social, assegura o emprego aos membros, representantes dos trabalhadores, do Conselho Nacional de Previdência Social (artigo 3º, parágrafo 7º), bem como ao segurado que tenha sofrido acidente do trabalho, após a cessação do auxílio-doença acidentário (artigo 118).
Com efeito, verifica-se que, atualmente, a ordem jurídica não garante a manutenção do contrato de trabalho ao empregado que, submetido ao exame demissional, não reúne condições ao exercício das atividades profissionais, tampouco prevê a nulidade da dispensa. Por outro lado, da simples leitura do art. 118 da Lei nº 8.213/91, facilmente se percebe a existência de uma condição objetiva à efetivação da manutenção do emprego:
“Artigo 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de 12 (doze) meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação auxílio-doença acidentário, independentemente da percepção de auxílio-acidente.”
No mesmo sentido, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 378, pacificando o entendimento sobre o assunto, abaixo transcrita:
“Súmula 378. Estabilidade provisória. Acidente do trabalho.
I – É constitucional o artigo 118 da Lei 8.213/91 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.
II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e conseqüente percepção do auxílio doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.”
Conquanto o entendimento acima firmado traga em seu bojo a assertiva de que após a despedida, se constatada doença profissional que guarde nexo de causalidade com as atividades laborais, o empregado poderá ser reintegrado, o que pretende o colendo Tribunal, na verdade, não é assegurar a estabilidade através do exame médico demissional, mas combater a prática de despedidas obstativas, por meio das quais os empregadores, ao arrepio da boa-fé contratual, impedem a percepção do auxílio-doença acidentário pelo empregado e, por conseguinte, a correlata estabilidade.
Não se pode, em detrimento do poder potestativo do empregador de dispensar o empregado, considerar nula a rescisão do contrato de trabalho do empregado que não detém saúde suficiente à prática das atividades laborais, sob pena de se incorrer na mutilação do poder diretivo do empregador e debandar na demasiada onerosidade do contrato ao contratante.
Registre-se que não se presta como argumento para anular a rescisão, a alegação de que a Constituição Federal protege o trabalhador contra despedidas arbitrárias, porquanto a previsão contida no artigo 7°, inciso I, classifica-se como norma de eficácia limitada, subordinada aos termos de Lei Complementar que ainda não foi elaborada pelo legislador.
Não é demais ressaltar, também, que a Lei 8.213/91, ao tratar da obrigação da empresa de comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social, em seu artigo 22, expressamente, comina pena de multa em caso de descumprimento da obrigação de fazer, silenciando acerca da possibilidade de anulação da dispensa.
Em que pese a Norma Regulamentar 7, do Ministério do Trabalho e Emprego, no seu item 7.4.8, alínea “a”, contemplar como incumbência do médico-coordenador ou encarregado do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional — PCMSO — o encaminhamento do trabalhador à Previdência Social para estabelecimento de nexo causal, avaliação de incapacidade e definição da conduta previdenciária em relação ao trabalho quando constatada doença profissional no empregado, inexiste previsão de garantia de emprego pelo tempo que perdurar o procedimento administrativo, penalidade em caso de inobservância ou imposição de vigência do contrato de trabalho para a prática do encaminhamento por parte do médico. Ademais, o ônus se dá apenas em relação a doenças profissionais, não havendo qualquer alusão a doenças do trabalho, claramente distinguidas pelo artigo 20, incisos I e II, da multicitada Lei 8.213/91.
Não se pretende desmerecer os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho, da razoabilidade ou mesmo da função social do contrato, preconizado pelo artigo 421 do Código Civil. Ao contrário, exaltam-se as normas contidas nos artigos 196 e 201, inciso III, da Constituição Federal, que dispõem sobre a ordem social, em parte regulamentada pelas Leis 8.212/91 e 8.213/91, colacionadas infra:
“Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que vises à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
“Artigo 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
(…) omissis.
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;”
Sobreleva destacar, ainda, que ter por nula a rescisão contratual em virtude da constatação da inaptidão do empregado ao labor quando da realização do exame médico demissional é impor condição ao poder potestativo do empregador, o que é manifestamente ilegal, haja vista que a condição, como elemento acidental do contrato de trabalho, deriva exclusivamente da vontade das partes, consoante preceitua o artigo 121 do Código Civil.
Destarte, não se vislumbra qualquer impedimento legal à dispensa do empregado que se acha inapto ao exercício de suas atividades laborais, quando tal resultado tenha sido alcançado pelo exame médico demissional, eis que tal situação não impõe garantia do emprego, a Constituição da República assegura a saúde como direito de todos e dever do Estado e o seguro-desemprego como direito do trabalhador despedido imotivadamente, bem como tal óbice seria fixar unilateralmente e forçosamente condição ao poder de dispensar, o que contraria a própria segurança jurídica, onerando injustamente e reduzindo o empreendedorismo dos que se propõem a contribuir com o crescimento do país.
Revista Consultor Jurídico