Constrição judicial – Penhora eletrônica carece de aprimoramento operacional

por Glauber Moreno Talavera

Eu penhoro. Tu penhoras. Ele penhora. Nós penhoramos. Vós penhorais. Eles penhoram. Com o advento das Leis 11.232 e 11.382, ambas de 2006, a ordem do dia é a constrição judicial eletrônica que, se por um lado evidencia a beleza que conjuga o conteúdo e a forma da efetividade da tutela jurisdicional mais intrinsecamente vinculada à celeridade do processo, por outro nos permite constatar as imperfeições das quais, malgrado o progresso havido, ainda padecem esses softwares e seus sistemas de dados.

Entre tons frágeis e superlativos desesperados dos que buscam solucionar suas contendas através da prestação jurisdicional, é geral a constatação de que a tramitação morosa implica numa prestação jurisdicional inócua do ponto de vista da pacificação social, escopo primaz do processo.

Sob esse aspecto, é importante o reconhecimento da relevância do tempo na tramitação dos processos e o prestígio dos meios garantidores da pontualidade das decisões, uma vez que fortalecem os princípios da celeridade dos meios e da duração razoável do processo, ambos esposados pela norma do artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, por força da inserção aprovada pelo poder constituinte derivado, por intermédio da Emenda Constitucional 45/04.

O tempo é realmente um ativo importante. Transplantando as “Bases da Metafísica dos Costumes” de Kant, caracteriza-se como verdadeiro “imperativo categórico” da eficácia das decisões judiciais. Nesse sentido, é de reconhecer-se que as constrições judiciais eletrônicas arquitetadas recentemente estão inseridas neste mosaico de idéias e nessa tônica de velocidade, que nem sempre prima pela razoabilidade, mas que consiste num instrumento valioso para emprestar maior efetividade à liquidez dos títulos executivos judiciais.

Instituto concebido originariamente pela magistratura trabalhista, que paulatinamente foi incorporado à praxe cível, a penhora realizada por meio digital, consentânea com os meios eletrônicos disponíveis na atualidade, foi definitivamente contemplada pela referida Lei 11.382/06, que criou o BacenJud e deixou patente a incidência preferencial da constrição sobre dinheiro, seja ele em espécie ou mantido sob a custódia de instituição financeira na forma de depósitos à vista ou fundos de investimento. Estabeleceu, ademais, a predileção da utilização do meio eletrônico para tal desiderato, deixando evidente o intuito desburocratizador da opção adotada e relegando ao segundo plano o envio de ofícios e as diligências levadas a termo por oficiais de justiça.

Deixou, ademais, a cargo do executado o dever de comprovar que o montante bloqueado está inserido entre os bens considerados impenhoráveis, com intuito de liberá-lo do gravame judicial, como sói acontecer nas hipóteses de penhoras incidentes sobre contas de depósitos de verbas exclusivamente salariais ou de natureza alimentícia.

Contrapondo o passo desapressado dos processos antes do advento do sincretismo entre os processos de conhecimento e de execução, o Bacen Jud efetiva-se a partir de convênio firmado entre o Banco Central do Brasil e o Tribunal respectivo, que disponibiliza ao magistrado acesso, por meio de uma senha, a sistema eletrônico através do qual lhe fica franqueada a possibilidade de colher informações sobre a existência ou não de saldo suficiente para garantir determinado crédito exeqüendo e determinar a constrição

consubstanciada na penhora de valores.

Louvável por reverenciar a celeridade do processo e a efetividade do provimento jurisdicional condenatório, a penhora eletrônica ainda carece, todavia, de aprimoramento na sua operacionalização. As incongruências que, não raro, ainda implicam multiplicidade de bloqueios devido a ordem judicial ser remetida concomitantemente a múltiplas instituições financeiras, por certo nos convidam a reflexão que nos conduz inexoravelmente ao desafio de repensar os princípios constitucionais dentro da racionalidade que deve permear a ordem jurídica.

O bloqueio judicial irrestrito, que atinge a íntegra das contas e aplicações tituladas pelo executado e que nos casos de penhoras múltiplas acaba por implicar na indisponibilidade de quantias que sobejam bastante o valor do crédito exeqüendo, é uma exuberância nefasta que pode, por exemplo para a sociedade empresária, importar inviabilidade prática do desenvolvimento de seu objeto social, ainda mais porque a celeridade das penhoras ainda não tem como contraponto a velocidade dos desbloqueios dos valores indevidamente penhorados.

Há, portanto, alguns fios ainda desatados na trama do tecido do desenvolvimento tecnológico para operacionalização das penhoras eletrônicas e, exatamente por isso, a criação do Renajud, que não nos parece suficientemente aprimorado, nos traz à lembrança a célebre frase de Virgílio, que no épico “Eneida” proclama: “Temo os gregos, ainda que tragam presentes”.

Em uma palavra, a difusão dos recursos tecnológicos cuja utilização é positiva para dinamizar a distribuição de justiça não pode, contudo, dar azo a experimentações novidadeiras que, sem o necessário esmero que decorre da maturação das convicções, tendem a subverter os fundamentos do processo, sobretudo porque a celeridade dos meios não pode ser considerada um fim em si mesmo.

Na atualidade a penhora eletrônica é, nas palavras do ministro Carlos Ayres Britto ao parafrasear Victor Hugo, “tão irresistível quanto a força de uma idéia cujo tempo chegou”; porém para instrumentalizá-la adequadamente é necessário prover-lhe meios acurados, pois os princípios da celeridade e da duração razoável dos processos devem ser conjugados a outros princípios próprios do devido processo legal como razoabilidade, proporcionalidade, contraditório e ampla defesa, sob pena de configurar-se o “venire contra factum proprium” e, conseqüentemente, o desserviço ao jurisdicionado.

Revista Consultor Jurídico

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