Consumidor pode se arrepender de contrato de financiamento bancário

À semelhança do que ocorre na compra de produtos duráveis pela Internet, por exemplo, o consumidor pode desistir também de contrato de financiamento bancário, no prazo de sete dias, quando este é firmado fora do estabelecimento comercial.

Este entendimento foi expresso pelo STJ no julgamento de um recurso especial de Walflan Souza contra o Banco ABN Amro Real, aplicando o artigo 49 do CDC em uma ação de busca e apreensão baseada em alienação fiduciária em garantia ajuizada pela instituição financeira.

O financiado sustentava não haver interesse processual do banco, porque exercera direito de arrependimento sem jamais ter recebido a posse do bem alienado, uma vez que o contrato havia sido firmado no seu próprio escritório profissional e não em agência bancária. A sentença acolheu a tese, mas o TJ de São Paulo, em apelação, julgou inaplicável o CDC e impossível o arrependimento.

A 3ª Turma do STJ, porém, fez prevalecer a decisão de primeiro grau, com a ministra relatora, Nancy Andrighi, asseverando que a aplicação do CDC a contratos bancários está pacificada no âmbito do tribunal (súmula nº 297).

Merece realce no acórdão do superior tribunal que a questão do direito de arrependimento diz respeito à própria formação do contrato, razão pela qual as limitações de matérias oponíveis em contestação pelo art. 3º, § 2º, do Decreto-lei nº 911/69, não têm incidência no caso dos autos porque dizem respeito apenas a negócios jurídicos perfeitos e acabados.

O consumidor se arrependeu da contratação e enviou ao banco uma competente notificação no sexto dia seguinte, “em exercício regular de direito, amparado pelo art. 49 do CDC”, apesar de o valor ter sido repassadodo à vendedora do veículo, disse a relatora. “O eventual arrogo na posse do valor referente ao contrato de empréstimo pela concessionária de veículos, não pode ser imputado nem exigido do recorrente, uma vez que o contrato de compra e venda, celebrado entre ele e a concessionária, não se perfectibilizou; aliás, neste julgamento o recorrente sequer foi emitido na posse do bem”, completou.

Como ocorreu a resolução do contrato e não houve formação nem ajuste de obrigações contratuais, o pedido de busca e apreensão é improcedente.

A decisão transitou em julgado. (REsp nº 930.351).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO RECURSO ESPECIAL Nº 930.351 – SP (2007⁄0045219-3)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE: WALFLAN SOUZA
ADVOGADO: GUSTAVO BEZERRA TENÓRIO E OUTRO(S)
RECORRIDO: BANCO ABN AMRO REAL S⁄A
ADVOGADO: LAÉRCIO FERREIRA LIMA E OUTRO(S)

EMENTA

Consumidor. Recurso Especial. Ação de busca e apreensão. Aplicação do CDC às instituições financeiras. Súmula 297⁄STJ. Contrato celebrado fora do estabelecimento comercial. Direito de arrependimento manifestado no sexto dia após a assinatura do contrato. Prazo legal de sete dias. Art. 49 do CDC. Ação de busca e apreensão baseada em contrato resolvido por cláusula de arrependimento. Improcedência do pedido.

– O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Súmula 297⁄STJ.

– Em ação de busca e apreensão, é possível discutir a resolução do contrato de financiamento, garantido por alienação fiduciária, quando incide a cláusula tácita do direito de arrependimento, prevista no art. 49 do CDC, porque esta objetiva restabelecer os contraentes ao estado anterior à celebração do contrato.

– É facultado ao consumidor desistir do contrato de financiamento, no prazo de 7 (sete) dias, a contar da sua assinatura, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, nos termos do art. 49 do CDC.

– Após a notificação da instituição financeira, a cláusula de arrependimento, implícita no contrato de financiamento, deve ser interpretada como causa de resolução tácita do contrato, com a consequência de restabelecer as partes ao estado anterior.

– O pedido da ação de busca e apreensão deve ser julgado improcedente, quando se basear em contrato de financiamento resolvido por cláusula de arrependimento.

Recurso especial conhecido e provido.





ACÓRDÃO



Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 27 de outubro de 2009(data do julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Recurso especial interposto por WALFLAN SOUZA, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ⁄SP.

Ação: de busca e apreensão, com pedido de liminar, ajuizada pelo BANCO ABN AMRO REAL S⁄A, em face do recorrente, em virtude do inadimplemento do contrato de financiamento, com cláusula de alienação fiduciária em garantia, celebrado entre as partes.

Deferida a liminar, o recorrente contestou a ação, alegando preliminar de ausência de interesse processual, porque exerceu o direito de arrependimento do contrato de financiamento, previsto no art. 49 do CDC, e que jamais se emitiu na posse do bem dado em garantia fiduciária.

Sentença: julgou improcedente o pedido e revogou a liminar concedida, ao fundamento de que o contrato foi celebrado no escritório do recorrente e que houve a manifestação do direito de arrependimento no sexto dia seguinte à assinatura do contrato, nos termos do art. 49 do CDC.

Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelo recorrido, para reconhecer a inaplicabilidade do CDC e a impossibilidade de manifestação do direito de arrependimento pelo recorrente. Confira-se a ementa:

“AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – NÃO APLICAÇÃO DO ART. 49 DO CDC NA ESPÉCIE, INVIÁVEL POSSIBILIDADE DE ARREPENDIMENTO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA, DEFESA LIMITADA AO PAGAMENTO DO DÉBITO VENCIDO OU CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS – RECURO PROVIDO” (fls. 132).



Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados.

Recurso especial: alega o recorrente violação aos arts. 2º, 3º e 49, do CDC, porque são aplicáveis as disposições do CDC à relação jurídica estabelecida entre as partes; assevera, ainda, que manifestou, tempestivamente, a intenção de desistir do contrato, razão pela qual o pedido da ação de busca e apreensão deve ser julgado improcedente.

Prévio juízo de admissibilidade: apresentadas as contrarrazões ao recurso especial, foi-lhe negado seguimento na origem (fls. 185⁄186).

Interposto agravo de instrumento pelo recorrente, dei-lhe provimento e determinei a subida do presente recurso especial.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a controvérsia em determinar se o recorrente pode exercer o direito de arrependimento, previsto no art. 49 do CDC, após a assinatura de contrato de financiamento, com cláusula de alienação fiduciária em garantia, em local diverso do estabelecimento comercial do recorrido e dentro do prazo legal de sete dias.

– Da aplicabilidade do CDC (violação aos arts. 2º e 3º do CDC).

Ao contrário do quanto afirmado pelo acórdão recorrido, incidem as normas do CDC à relação jurídica estabelecida entre as partes, nos termos dos arts. 2º e 3º, caput e § 2º, do CDC.

Com efeito, é entendimento pacífico na Segunda Seção a aplicabilidade do CDC às instituições financeiras, conforme a Súmula 297⁄STJ. É de se alterar, portanto, a premissa inicial contida no acórdão recorrido, pois esta se encontra em desacordo com a jurisprudência sumulada do STJ.

– Do exercício do direito de arrependimento aos contratos realizados fora do estabelecimento comercial do fornecedor (violação ao art. 49 do CDC).

Inicialmente, ressalte-se que é possível a discussão a respeito da resolução de contrato de financiamento, garantido por alienação fiduciária, quando incide a cláusula tácita do direito de arrependimento, prevista no art. 49 do CDC, porque esta objetiva restabelecer os contraentes ao estado anterior à celebração do contrato.

Desse modo, não há incidência do art. 3º, § 2º, do DL 911⁄69, que delimita as matérias a serem arguídas em contestação, pois, nessas hipóteses, têm-se como pressuposto da controvérsia a admissão da existência de contrato perfeito e acabado, ao contrário do que ocorre no presente processo, onde a discussão se estabeleceu sobre ponto antecedente, qual seja, o relativo à própria formação do contrato.

Na hipótese sob análise, o recorrente assinou dois contratos: i – de compra e venda com a concessionária de veículos; e ii – de financiamento com o recorrido. Após a assinatura do contrato de financiamento, ocorrido em lugar diverso do estabelecimento comercial do recorrido, o recorrente se arrependeu e enviou notificação (fls. 76) a este no sexto dia seguinte à celebração do negócio.

Nos termos do art. 49 do CDC, é facultado ao consumidor desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias a contar da assinatura, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial.

Assim, notificado o vendedor, a cláusula de arrependimento, implícita no contrato de financiamento realizado em local diverso do estabelecimento comercial da instituição financeira, deve ser interpretada como causa de resolução tácita do contrato, com a consequência de restabelecer as partes ao estado anterior.

Confira-se a este respeito as lições de doutrina:

“podemos interpretar o art. 49 do CDC como simplesmente instituindo, no direito brasileiro, uma nova causa de resolução do contrato. Seria uma faculdade unilateral do consumidor de resolver o contrato no prazo legal de reflexão, sem ter de arcar com os ônus contratuais normais da resolução por inadimplemento (perdas e danos etc).” (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4ª Ed. São Paulo: RT, 2006, p. 841).

Ademais, não merece prosperar a argumentação do recorrido de que não é possível o exercício do direito de arrependimento, porque o valor referente ao contrato de empréstimo foi repassado para a concessionária de veículos antes da manifestação do recorrente. Com efeito, o consumidor, ao exercer o direito de arrependimento, agiu em exercício regular de direito, amparado pelo art. 49 do CDC. Nesse sentido, acrescenta Cláudia Lima Marques que “A resolução opera, então, de pleno direito, não necessitando a manifestação do Judiciário, bastando a simples manifestação de vontade do consumidor de desistir do contrato” (p. 842).

O eventual arrogo na posse do valor referente ao contrato de empréstimo pela concessionária de veículos, não pode ser imputado nem exigido do recorrente, uma vez que o contrato de compra e venda, celebrado entre ele e a concessionária, não se perfectibilizou; aliás, neste julgamento o recorrente sequer foi emitido na posse do bem.

Nos termos do art. 2º do DL 911⁄69, a ação de busca e apreensão é fundamentada “no caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais”. Todavia, no presente processo, ocorreu a resolução do contrato, pelo exercício do direito de arrependimento, e não houve formação nem ajuste de obrigações contratuais, motivo qual pelo deve ser julgado improcedente o pedido da ação de busca e apreensão.

Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE PROVIMENTO, para julgar improcedente o pedido da ação de busca e apreensão. Restabeleço os ônus sucumbenciais fixados pelo Juízo de 1º grau de jurisdição.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2007⁄0045219-3
REsp 930351 ⁄ SP

Números Origem: 200601505103 808997 80899738

PAUTA: 27⁄10⁄2009
JULGADO: 27⁄10⁄2009

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKES

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE
:
WALFLAN SOUZA

ADVOGADO
:
GUSTAVO BEZERRA TENÓRIO E OUTRO(S)

RECORRIDO
:
BANCO ABN AMRO REAL S⁄A

ADVOGADO
:
LAÉRCIO FERREIRA LIMA E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ⁄BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 27 de outubro de 2009

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

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