por Lilian Matsuura
A OAB só pode julgar aspectos formais dos contratos de sociedades de advogados. Se a discussão contratual envolve a necessidade de produção de provas periciais e a declaração de incapacidade civil de um dos sócios, é o Judiciário quem deve decidir a questão.
O entendimento foi firmado pelo Órgão Especial do Conselho Federal da Ordem no dia 10 de março ao validar as alterações contratuais do escritório Décio Freire & Associados. A publicação dessa informação, dias atrás, suscitou discussão a respeito do que vem a ser o patrimônio de um escritório de advocacia. Para José Diogo Bastos Neto, que defendeu o escritório Décio Freire no Conselho Federal, o capital de uma sociedade de advogados é o trabalho de cada um. O sócio do escritório, Gustavo De Marchi, entende que o patrimônio de um escritório são suas cabeças, o capital humano.
“A advocacia é uma das únicas atividades em que o seu patrimônio, no final do dia, pega o elevador e vai para casa”, brinca. E acrescenta: “O escritório que perde o caráter personalíssimo perde a identidade”.
No caso concreto o que está em questão é a reivindicação de herdeiros do ex-sócio, José de Castro Ferreira, que tentaram, junto à OAB, ver reconhecidos direitos de sucessão num quadro em que o pai os excluiu. Depois da morte do ex-sócio, os filhos afirmaram que o pai estava incapacitado para decidir, como decidiu, repassar parte de suas ações para a advogada Ana Amélia Menna Barreto, com quem era casado há mais de 25 anos. Ela, depois, vendeu suas ações para Décio, com a concordância do marido.
Depois da morte do pai, os filhos do casamento anterior de Castro Ferreira pediram à OAB a anulação da alteração contratual, ocorrida mais de três anos antes. Na prática, queriam o cancelamento da venda das ações do pai à viúva.
Um dos filhos, Alexandre Augusto Ferreira, afirma que a alegada incapacidade civil do pai não é a questão principal do processo, “mesmo porque ele já havia falecido”. Segundo ele, teria havido “grosseiras divergências” se comparadas as assinaturas nas alterações contratuais anteriores. Contradizendo tal fato, entretanto, quando a questão foi levantada, o próprio José de Castro compareceu à OAB mineira e, diante da chefe da Secretaria-Geral, assinou novamente os documentos.
Para Alexandre Ferreira, contudo, a intenção do pai era deixar a sua parte no escritório para os filhos. Ele afirma que no contrato da sociedade, até a entrada de Ana Amélia, constava a informação de que Castro Ferreira deixaria a sua parte para os seus herdeiros. O que os filhos querem é a metade do escritório e, depois disso, a dissolução da sociedade, afirma.
Entretanto, verificados os autos, encontram-se diversas declarações de José de Castro — anteriores ao Acidente Vascular Cerebral que sofreu e que, segundo os filhos, o teria deixado incapaz — nas quais ele manifesta seu desejo de que as cotas do escritório pertencessem à sua mulher e ao filho caçula João Paulo. Ao longo de sua vida profissional, ao contrário do que afirma Alexandre, os herdeiros jamais foram convidados para integrar a sociedade que ele tinha com Décio Freire.
Em relação à decisão do Órgão Especial, Alexandre entende que a OAB “se eximiu da decisão”. Conta que o Judiciário suspendeu o andamento do processo até que a Ordem decidisse. A OAB fez a mesma coisa, segundo ele. O filho de Castro Ferreira protocolou Embargos Declaratórios nesta sexta-feira (28/3). “Se não forem providos, estudo recurso ao Pleno e possível Mandado de Segurança.” Contudo, na verdade, o acórdão da OAB Nacional, de posse do Consultor, é conclusivo no sentido de restabelecer a decisão unânime da OAB-MG, que considerou válidas as alterações contratuais do escritório.
A pretensão dos filhos, para o advogado José Diogo, tropeça na lógica. No período da suposta incapacitação de Castro, além de ir à OAB assinar os documentos, ele praticou atos válidos como a renovação do seu título eleitoral, votou em Assembléia da Associação Comercial do Rio de Janeiro, por exemplo, explica. Além do que, José Diogo Bastos ressalta que “os filhos jamais questionaram as alterações antes da morte do pai, tampouco alegaram sua incapacidade ou requereram sua interdição”.
Gustavo De Marchi conta que a relação entre Décio Freire e Castro Ferreira era “de pai e filho”, permeada por uma admiração mútua. “Por que os filhos não reivindicaram o direito quando o pai estava vivo?”, questiona. Segundo ele, o escritório cresceu muito de cinco anos para cá, sendo hoje o 9º do país. “O Décio é a grande locomotiva. É uma grande injustiça envolver o nome dele desta forma, até porque se José de Castro estivesse mesmo incapaz desde 2000 teria sido Freire o único a contribuir com trabalho em uma sociedade de pessoas e serviços, o que tornaria o pleito dos herdeiros ainda mais imoral”, protesta.
Na decisão que manteve a alteração contratual, o relator do processo no Órgão Especial do Conselho Federal da OAB, Almino Afonso Fernandes, afirma que quando os herdeiros de Castro Ferreira procuraram o Judiciário, em 2006, eles já haviam reconhecido a incompetência da Ordem para resolver a questão.
“Para as alegações de incapacidade civil a competência foi projetada para o Poder Judiciário, bem como se faz necessário vasto campo probatório tais como: oitiva de testemunhas, depoimento de médicos atestantes, prova pericial grafotécnica e sobre as cotas, só possíveis perante aquele poder, com amplo contraditório”, afirmou o relator.
Segundo ele, não cabe e não pode caber à OAB entrar no mérito da questão como fez a 3ª Câmara do Conselho Federal, “sob pena de consagrar, inclusive, cerceamento da ampla defesa com todas as provas em direito admitidas, o que consistiria, em última análise, em violação do próprio texto constitucional pátrio”. E conclui o relator que se a OAB pudesse entrar no mérito seria necessário que considerasse documentos como atestados médicos que asseguravam a capacidade civil de Castro na data da transferência das cotas para a esposa Ana Amélia, entre outros.
Notícia de 25/3, reavaliada e republicada.
Revista Consultor Jurídico