por Anderson Passos
“Se a própria Polícia faz grampos no Brasil, a quem se pode recorrer?”. O questionamento, em tom de surpresa e estupefação, é do vice-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Stanford (EUA), Allen Weiner. O professor, que é especialista em leis de segurança nacional e internacional, fez uma palestra na manhã desta quarta-feira (17/9) aos alunos da faculdade de Direito da Faap, em São Paulo.
Weiner comentou que nos Estados Unidos as escutas são totalmente reguladas e não há riscos de ocorrer grampos ilegais. Ele explicou que a Corte de Justiça e a Corte Especial (Foreign Intelligence Surveillaurie Court) são responsáveis pela autorização das escutas, que só podem ser efetivadas a partir de expressa autorização. No Brasil, os grampos também somente podem ser feitos com ordem judicial. No entanto, muitas vezes são feitos ilegalmente sem nenhuma autorização da Justiça.
O vice-diretor reforçou, ainda, que grampo não autorizado judicialmente é considerado crime federal previsto em lei nos Estados Unidos. As punições variam. A menos rigorosa é de dez anos de prisão mais multa de US$ 15 mil.
Sobre a prática de escutas, Weiner disse que elas podem ser motivadas nos casos de investigação anti-terrorismo, contra criminosos ligados à máfia e outros crimes. “Mesmo assim, o governo não tem autonomia para definir sozinho quem será grampeado ou não”.
O direito à privacidade, do acesso aos e-mails, às cartas e às ligações telefônicas é garantido por lei, de acordo com o especialista americano. “Pessoalmente, essa prática [escutas ilegais] equivale a você ter alguém no seu quarto ou na sua sala, sem ter sido convidado”, afirmou.
Combate ao terror
Allen Weiner foi convidado para vir ao Brasil para falar da postura norte-americana sobre o terrorismo. Em sua palestra aos alunos de Direito da Faap, ele disse que os atentados de 11 de setembro foram um marco na relação dos Estados Unidos com o terror.
“Em outros momentos, tivemos nossas guerras internas. Nos anos 60 contra a pobreza, nos 70 contra o crime e nos 80 contra as drogas. Mas se fez um uso metafórico da expressão ‘guerra’. A partir de 11 de setembro, invocamos o termo com ações efetivas”, disse.
As ações se concretizaram em outubro de 2001 com a ofensiva americana no Afeganistão. O professor destaca, no entanto, que a guerra, a partir do tratado de Genebra, se dá entre nações o que, neste caso, não ocorreu. “Foi uma guerra contra a Al Qaeda e não contra um país, o que nos deixou a dúvida se o que tínhamos, do ponto de vista jurídico, era uma guerra”.
Weiner disse que os critérios que nortearam o conceito de guerra ao terror pós 11 de setembro foram a dimensão do dano causado, os alvos civis, a organização dos terroristas e o fato de a violência ter sido motivada pela política externa americana.
O professor admite, no entanto, que o governo americano não respeitou as restrições do conceito guerra, uma vez que se voltou não só contra a Al Qaeda, como contra outras diversas organizações terroristas.
Mais grave, conforme o especialista, é o fato de os direitos dos adversários não serem os mesmos dos soldados americanos. “Como é uma guerra de um estado contra um grupo, os soldados americanos têm licença para eliminar seus inimigos sem responder criminalmente por isso. No entanto, esse direito não se estende aos membros da Al Qaeda ou a outros terroristas” afirma Allen Weiner.
A Corte Suprema americana já firmou entendimento de que parte da convenção de Genebra, sobre a declaração de guerra entre dois estados, vale para o conflito EUA e Al Qaeda. “Essa decisão é um erro porque a guerra, conforme o artigo 3º da convenção, é necessariamente um evento transnacional”, opinou o vice-diretor.
Weiner disse ainda que o Executivo tem dado as cartas no Congresso americano em relação aos investimentos bélicos e à guerra ao terror. Com receio de “trair” seus soldados, os congressistas têm votado pelo aumento de investimentos e pela permanência no Iraque, exemplificou. Hoje, estima-se que sejam 42 as organizações terroristas ao redor do mundo. Para o professor, independentemente das motivações que um atentado possa ter, importante é ter em vista que vítimas civis não podem ser alvos dessas ações.
Ele finalizou dizendo que é preciso criar um tribunal internacional para julgar terroristas. E ainda: que é necessário qualificar os serviços de inteligência e a cooperação entre eles para investigar e punir os terroristas. “É preciso focar mais na cooperação do que no regime de guerra”, finalizou.
Revista Consultor Jurídico