por Sergio Gobetti, Adriana Fernandes e Fernando Nakagawa, BRASÍLIA
Com política agressiva, Caixa e Banco do Brasil aproveitam a crise para ganhar espaço dos bancos privados.
Os bancos públicos federais aproveitaram a crise financeira internacional para acelerar uma estratégia de crescimento e superação do setor privado. Nos últimos 12 meses, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil (BB) entraram em nichos de negócio antes não explorados e ajudaram o setor público a avançar de 34,1% para 37,6% do volume global de operações de crédito do País.
A Caixa, que sempre foi identificada com o financiamento habitacional, pagamento de funcionários públicos e abraçava os pequenos poupadores e a população de baixa renda, ganhou um banco de investimentos para comprar participação em outras empresas, a CaixaPar, e entrou mais pesado no mercado de crédito para médias e grandes empresas, financiamento de automóveis e de eletrodomésticos. Na semana passada, anunciou que vai financiar viagens.
O Banco do Brasil, que conta com acionistas privados, mudou de direção, entrou no mercado imobiliário, de automóveis, eletrodomésticos e agora está submetido a um “contrato de gestão informal” com metas para redução dos juros dos seus empréstimos, como definiu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao anunciar a substituição de Antonio Lima Neto por Aldemir Bendine no comando do instituição.
Essa expansão dos bancos públicos é explicada em grande parte pela inércia dos seus concorrentes privados, que, com medo da crise, pararam ou desaceleraram o ritmo de concessão de novos empréstimos, abrindo caminho para a Caixa e, principalmente, o BB.
Tradicionalmente especializados em nichos de operações de crédito, como habitação (Caixa) e agronegócios (BB), os dois bancos passaram a atrair pessoas físicas com o dinheiro que acabaram sugando de instituições privadas de porte médio durante a crise.
Os balanços do BB do ano passado dão a medida das mudanças. Entre junho e agosto de 2008, o banco captava cerca de R$ 12 bilhões em novos depósitos por mês. Em setembro, esse volume pulou para R$ 24 bilhões e, em outubro, para R$ 36 bilhões. No ano fechado, o BB conseguiu ampliar seu volume de depósitos de R$ 180,2 bilhões para R$ 246 bilhões.
“Tivemos um volume enorme de liquidez voando para dentro do BB”, diz o gerente de Relações com Investidores do banco, Marco Geovanne Tobias.
Seus principais concorrentes privados, Bradesco e Itaú-Unibanco, também “roubaram” depósitos dos bancos médios e terminaram 2008 com R$ 145,2 bilhões a mais. Mas, ao contrário do BB, aplicaram grande parte desse dinheiro em títulos públicos, com ganhos altos e sem risco. As aplicações dos dois conglomerados em títulos (públicos e privados, além de derivativos) cresceram R$ 104,7 bilhões no ano passado.
O BB, ao contrário, aposta suas fichas em operações de crédito. Em 2002, por exemplo, o banco possuía uma carteira de R$ 67,8 bilhões de títulos e apenas R$ 62,9 bilhões de operações de crédito. Em 2008, o volume de títulos continuava em R$ 70,9 bilhões, mas as operações de crédito já haviam pulado para R$ 224,8 bilhões. Ou seja, hoje o BB tem um volume de empréstimos 3,1 vezes maior do que sua carteira de títulos. No Bradesco, essa relação é de 0,84, e no Itaú-Unibanco, 1,7.
Na Caixa, apesar da expansão da carteira de crédito, ela ainda representa 67% do volume de títulos e valores mobiliários em decorrência da reestruturação realizada em 2001, o que obrigou o banco a absorver notas e letras financeiras do Tesouro. De 2007 para 2008, entretanto, a carteira de títulos da Caixa ficou praticamente inalterada. O volume de crédito (60% direcionado) cresceu de R$ 57,4 bilhões para R$ 81,8 bilhões. “Isso é o que tem de acontecer. O banco tem de viver de empréstimos, e não de papéis”, diz o vice-presidente de Finanças da Caixa, Márcio Percival.
A estratégia de priorizar empréstimos tem originalmente uma motivação comercial, pois – apesar do risco – possibilita maiores ganhos aos bancos, mas também atende aos propósitos políticos do governo Lula, que quer um sistema financeiro mais líquido, que financie o consumo de massas e faça a economia crescer.
“A estratégia de crescimento do crédito seria implementada no longo prazo, com base na perspectiva de queda da taxa de juros, mas a crise permitiu que a gente acelerasse, aproveitando a letargia dos concorrentes”, resume Tobias, do BB.
Isso não significa que essa estratégia comercial seja aplicada sem choques com o governo. Além da expansão do crédito, o governo quer que os bancos públicos contribuam para a redução da taxa de juros na ponta, enquanto os executivos das instituições pensam no lucro.
Com maior volume de empréstimos, entretanto, os técnicos dos bancos públicos admitem que é possível reduzir o spread. “O sistema financeiro tem custos elevados, mas nada que justifique esse spread”, diz Percival, da Caixa. “Precisamos ampliar a concorrência.”