por Priscyla Costa
Marcos Malan, irmão do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, ganhou na Justiça ação em que pedia indenização por danos morais contra o ex-banqueiro José Eduardo de Andrade Vieira, do Bamerindus. Vieira afirmou, em entrevista à revista IstoÉ, que Marcos Malan ofereceu a ele serviços de lobby para que o banco não fosse liquidado. Malan pedia R$ 4 milhões de reparação. A juíza Simone Chevrad, da 25ª Vara Cível do Rio de Janeiro, fixou a indenização em R$ 400 mil. Cabe recurso.
A reportagem foi publicada pela revista em 1999, quando estava em discussão a CPI dos Bancos. A notícia contava que o ex-banqueiro iria depor no Senado, marcando o início das investigações da CPI sobre o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro (Proer). Andrade Vieira acusava a área econômica do governo de ter deliberadamente levado seu banco à liquidação para beneficiar o HSBC, grupo financeiro inglês que comprou o Bamerindus.
Em entrevista à IstoÉ, Marcos Malan disse que durante o período de agonia do Bamerindus, em 1996, ele recebeu em sua casa, em Brasília, a visita de Marcos Malan, que é advogado, oferecendo seus préstimos para evitar a liquidação do banco. Por causa dessas declarações, Malan entrou com ação contra o ex-banqueiro na área cível e criminal e contra a revista.
O irmão do ex-ministro da Fazenda perdeu na instância criminal. O entendimento foi o de que não houve imputação de qualquer crime ao advogado. A ação contra a revista também foi julgada improcedente. A 15ª Vara Cível do Rio considerou que “não excede o direito-dever de informar, nem causa dano moral reparável, o noticiário que fez uso de entrevistas colhidas durante os trabalhos de Comissão Parlamentar de Inquérito”.
Já a juíza Simone Chevrad afirmou o contrário. “Atribuir a alguém a oferta de serviço de lobista, a fim de impedir algo que já se mostrava inevitável, certamente degrada o nome conquistado profissionalmente por quem quer que seja”, disse Simone em sua sentença. Para ela, o ex-banqueiro teve a intenção de atingir a honra de Marcos Malan e se aproveitou do momento político do país para isso.
“Vale destacar, ainda, que ao contrário de seu irmão, o autor não optou pela carreira política e pela vida pública. Sua atuação, que goza de elevado conceito (é o que se encontra em busca em sites destinados a esse fim, como o ‘google’), ficou adstrita à área privada, de seguros. Assim, sequer é admissível concluir que o autor optou por submeter-se a semelhante comentário público”, ressaltou Simone Chevrad. “O autor optou pela vida privada. E certamente a ele não pode ser estendido o ônus da vida pública pela qual optou seu irmão”, observou.
A juíza ainda destacou que “o enxovalhamento do nome de profissional que goza de bom conceito, decorrente de seu trabalho exercido há décadas, decerto é impassível de reparação pecuniária. Especialmente nos dias de hoje em que a memória não mais falha, diante da possibilidade de seu resgate a qualquer tempo, através de singela consulta a internet”.
Ainda de acordo com a juíza, “o autor fatalmente terá que conviver com o vínculo estabelecido entre seu nome e os episódios que antecederam e conviveram com a quebra do Banco Bamerindus. Tem-se, pois, que os efeitos desse dano são irreversíveis; e que a conduta do réu deve ser seriamente reprimida”.
Quanto ao valor da indenização, a juíza, apesar de não considerar válido o valor de R$ 4 milhões, ponderou que a reparação em “valor módico” não causaria qualquer impacto. “Nesta linha de raciocínio, e ainda atenta a necessária razoabilidade que deve nortear a condenação por danos morais, reputo adequada e justa a compensar os fatos aqui tratados a quantia de R$ 400 mil”, decidiu. O ex-banqueiro ainda foi condenado a pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios, arbitrados em 15% sobre o valor da condenação.
Leia a sentença
Processo nº: 1999.001.095413-3
Movimento: 181
Tipo do movimento: Conclusão ao Juiz
Sentença : Ficam aqui expressamente consignadas as escusas desta Magistrada às partes e seus patronos, pelo atraso na solução do litígio, explicável (apenas) pelo enorme acervo de decisões a serem lançadas, e sucessivas cumulações. Segue sentença. Processo nº: 1999.001.095413-3 Autor(es): Marcos Sampaio Malan Réu(s): José Eduardo de Andrade Vieira
S E N T E N Ç A
Trata-se de ação de conhecimento, que segue o rito ordinário, objetivando a condenação do réu ao pagamento de verba compensatória de danos morais, estimada em 2.160 dias-multa, fixado o dia-multa em até 05 salários-mínimos, em virtude da divulgação de fatos inverídicos e reputados caluniosos atribuídos ao demandante. Diz o autor que o réu, em entrevista a jornalistas da Revista ´Isto é´, disse que o demandante ofereceu seus préstimos para evitar a liquidação do Banco Bamerindus, após procurá-lo em sua residência, situada em Brasília. Isto porque o autor, irmão que é do então Ministro da Fazenda Pedro Malan, faria ´lobby´ em favor do Bamerindus.
Tais assertivas, descritas na inicial, foram publicadas em duas edições sucessivas da revista ´Isto é´, ´enxovalhando a honra´ do autor (sic – fl. 05). Aponta para a gravidade da conduta e a extensão do dano para justificar a condenação perseguida, que entende deva ser ´exemplar´. Documentos de fls. 11/15 (além de exemplares da revista juntados por linha). Regularmente citado, o réu ofertou a Contestação de fls. 41/61 na qual o réu suscita questões preliminares. No mérito, alega que o autor ´incorre em exageros ao dizer que as declarações publicadas lhe ferem gravissimamente a honra´ (sic – fl. 46). Isto porque as publicações impugnadas veiculam frases esparsas, de onde não se deduz qualquer acusação ou ataque à sua reputação.
Demais disso, jamais afirmou que o autor teria cobrado por seus préstimos; mas tão-somente indagado sobre esta possibilidade. Tendo em conta que o autor é bem sucedido profissional na área financeira, acredita natural tal oferta de serviços, despidos de conteúdo criminoso. Refuta, então, a configuração de danos morais em decorrência documentos de fls. dessas afirmações, bem como o valor pretendido a esse título. Ainda no prazo de resposta, o réu apresentou exceção de incompetência que restou rejeitada (fls. 631/633). Réplica de fls. 68/83. Especificadas provas às fls. 103 e 105/106. Realizada audiência prevista no artigo 331 do CPC em 25 de abril de 2001, sem composição das partes (fl. 110).
Decisão de saneamento de fl. 111 na qual foram afastadas as questões preliminares argüidas e deferida produção de prova documental suplementar e oral. Juntada, pelo autor, transcrição das declarações prestadas a CPI criada para ´apurar fatos do conhecimento do Senado Federal veiculados pela imprensa nacional, envolvendo instituições financeiras, sociedades de crédito, financiamento e investimento, que constituem o sistema financeiro nacional´ (fls. 127/196). Na audiência de instrução e julgamento realizada em 16 de outubro de 2001 (fl. 241) foram colhidas declarações de João Elísio Ferraz de Campos (fls. 242/243) e Júlio de Albuquerque Bierrenbach (fls. 244/245). Expedida precatória para colheita de depoimento pessoal do réu (fl. 249). Termo de declarações do réu às fls. 259/260.
Juntada às fls. 277/283 cópia da sentença proferida na ação penal privada movida pelo ora autor, em face do ora réu, fundada na prática de crime contra a honra decorrente das mesmas assertivas atribuídas ao demandado narradas na inicial. O d. Juízo criminal concluiu pela improcedência da pretensão criminal. Expedida precatória para oitiva da testemunha José Rodrigues Borba, deputado federal (fl. 295), sem cumprimento. Nova precatória expedida, consoante fl. 325. Pela decisão de fl. 341, foi decretada a perda da prova consistente na oitiva do deputado acima indicado.
Desafiada por agravo de instrumento (fls. 355 e ss.), foi reformada pela e. 15ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça que determinou a oitiva da testemunha (fls. 386/389). Instado o réu a diligenciar o cumprimento da deprecata em ocasiões distintas, o fez a descontento, gerando a decisão de fls. 421/423 que aplicou ao mesmo pena por litigância de má-fé. Interposto agravo de instrumento contra a aludida decisão (fls. 427 e ss.), ela foi confirmada pela e. 15ª C.C., em r. decisão monocrática da lavra do Relator, o eminente Desembargador José Pimentel Marques (fl. 450). Após diversas tentativas infrutíferas de cumprimento da deprecata, o réu (a requerimento de quem foi extraída) desistiu da oitiva da testemunha (fl. 573). O que foi homologado por este Juízo na decisão de fl. 574 que, igualmente, declarou encerrada a fase instrutória. Ofertadas alegações finais escritas pelas partes (fls. 592 e ss. 605 e ss.).
Eis o Relatório.
Passo a decidir:
As objeções processuais argüidas pelo réu em sua Contestação já foram afastadas por preclusa decisão. Assim como a exceção de incompetência argüida. Tem-se, assim, que o processo se encontra em ordem, inexistindo outras questões procedimentais a sanar. De outro lado, a fase instrutória se encontra encerrada, com a produção das provas requeridas pelas partes. O encerramento dessa fase foi expressamente declarado pelo Juízo, tendo as partes manifestado seu conformismo a respeito com a apresentação de suas alegações finais escritas. Sendo assim, passo ao exame do mérito. Impõe-se traçar, de início, algumas premissas que nortearão o julgamento do mérito da causa.
1. O autor atribui ao réu autoria de frases descritas em sua inicial que foram publicadas em duas edições da revista ´Isto é´. Aduz que os fatos nela contidos são inverídicos e capazes de causar o dano moral perseguido nesta ação. Relativamente à autoria dessas frases, narradas a dois repórteres da aludida revista, tem-se que ela é inconteste. De fato, o réu, em sua Contestação, admite a veracidade dos fatos correspondentes. Ou seja, admite que narrou aos repórteres os fatos, na forma que resultou publicada. Portanto, em que pese repute que tais frases, isoladas, não traduziam qualquer acusação, nem possuíam intenção de ofender ao autor, para este Juízo é premissa inafastável a certeza quanto à emissão dessas frases, assim como seus conteúdos.
2. A r. decisão adotada em sede criminal concluiu que o conteúdo dessas frases não configurava ato típico. Infere-se da leitura da r. sentença criminal, confirmada pelo e. Tribunal de Justiça de São Paulo, que foi reconhecida judicialmente a mesma autoria atribuída ao ora réu; assim como o seu conteúdo, conforme narrado pelo então querelante. Porém, entendeu o r. Juízo criminal que não estavam presentes os requisitos caracterizadores do ilícito penal contra a honra. Desta forma, a improcedência da pretensão criminal se deu pelo acolhimento da tese de defesa pela qual não houve imputação de qualquer crime ao autor. Inclusive porque em sede criminal tal ofensa não pode ser presumida (confira-se fls. 277/283). Sendo assim, não está este Juízo impedido de averiguar a existência de ilícito civil praticado pelo réu em razão dos mesmos fatos. Seja pela independência das esferas cível e penal; seja pela inexistência de efeitos civis da sentença criminal absolutória in casu. É o taxativamente disposto no artigo 935 do Código Civil vigente, que praticamente reprisa o que previa o artigo 1525 do Código Civil de 1916.
3. Também não repercute na decisão deste Juízo, de qualquer forma, a conclusão adotada na ação movida pelo ora autor, em face da editora responsável pela revista ´Isto é´. No respectivo processo, de nº 1999.001.095412-1, que tramitou na 15ª Vara Cível da Capital, a pretensão compensatória do autor foi rejeitada. O r. julgado monocrático, ato-seguinte, foi confirmado no julgamento da AC nº 2006.001.19281, assim ementado: ´APELAÇÃO. Lesão à honra e à imagem decorrente de matéria jornalística. CPI dos Bancos. Não excede o direito-dever de informar, nem causa dano moral reparável, o noticiário que fez uso de entrevistas colhidas durante os trabalhos de Comissão Parlamentar de Inquérito. Advogado que, irmão do então Ministro da Fazenda, efetivamente teve seu nome associado às investigações sobre a atuação de autoridades governamentais no uso de recursos públicos para socorro a bancos privados. Recurso a que se nega provimento´. Ali ficou estabelecido que o órgão de imprensa não ultrapassou qualquer limite no exercício de seu poder-dever de informar. Ou seja, essa conclusão ficou adstrita a legitimidade da conduta da editora, à luz de princípios constitucionais. Não se afastou, contudo, eventual responsabilidade daquele que emitiu as declarações que vieram a ser publicadas (o ora réu).
Tanto que assim ficou fundamentado o r. voto: ´(…) Nessas circunstâncias, o noticiário não fraudou a proteção que o art. 5º, incisos V e X, da Carta Fundamental defere à honra e à imagem das pessoas. Se má-fé houve nas declarações, terá sido do declarante, tanto que o apelante informa que também ajuizou demanda reparatória de danos em face de José Eduardo Andrade Vieira. (…)´ (informação colhida do site do Tribunal de Justiça Estadual).
4. Muito embora em sua Contestação o réu tenha afirmado que foi procurado pelo autor, nos idos de 1999, por ocasião dos sérios problemas existentes no Banco Bamerindus (cuja sociedade integrava como importante acionista, já tendo sido seu Presidente). E que isto ocorreu porque o autor, especialista na área financeira, ofereceu assessoramento técnico para tentar salvar a instituição financeira da quebra, ou obter sua melhor alienação, fato é que ao depor da CPI instaurada para apuração de desvios praticados pela utilização do PROER, disse que tal contato não se deu de forma particular.
Na verdade, naquela sede político-administrativa, revelou que tal contato se deu por intermédio de João Elísio Ferraz de Campos, do convívio do demandado, que na ocasião era Presidente da Fenaseg (conforme fls. 151/152 e diversas outras declarações dadas em respostas a diversos deputados federais e senadores). Portanto, verifica-se que a tese de Contestação diverge da tese sustentada pelo ora réu ao depor ao Senado Federal (sobre a CPI do PROER e das instituições financeiras).
4. Estas duas teses do réu: a manutenção de contato direto com o autor, no qual lhe foram ofertados seus préstimos (adotada neste processo); e de contato indireto, para o mesmo fim, intermediado pelo sr. João Elísio Ferraz de Campos (adotada na CPI) foram afastadas no âmbito deste processo. Aqui, pela natural distribuição do ônus da prova, incumbiria ao réu demonstrar o efetivo contato com o autor, independentemente da finalidade. O demandante afirmou que jamais procurou o réu em sua casa ou local diverso. Portanto, sustenta fato negativo de prova impossível para o mesmo e, ao revés, de grande simplicidade para o réu. Contudo, não trouxe qualquer prova de que tenha sido contato diretamente. Ao contrário, fez afirmações perante o Congresso Nacional em sentido diverso.
Além disso, o contato intermediado pelo sr. João Elísio não foi demonstrado. Ao ser ouvido por este Juízo o mencionado senhor afirmou taxativamente o seguinte: ´(…) que leu a matéria em questão e recorda-se que nesta o réu teria dito que o autor teria sido levado a sua residência para intermediar o problema que na ocasião havia com o Bamerindus; que a notícia gerou repercussão negativa ao autor e esclarece que a mesma não é verdadeira e que o depoente jamais levou o autor na residência do réu e nem em lugar nenhum; (…) que o réu prestou depoimento na CPF por ocasião da quebra do Banco Bamerindus; que o depoimento do réu foi confuso e o depoente não recorda-se se o mesmo disse se conhecia ou não o autor, mas esclarece que o depoente ligou para o réu e disse que se o mesmo declarasse que foi o depoente quem levou o autor para tratativas acerca do Bamerindus que o mesmo o desmentiria publicamente, por não ser fato verdadeiro; (…) (fl. 242; destaquei em negrito).
Em conseqüência, este Juízo reputa não comprovado o dito contato mantido com o autor para a prestação de serviços noticiada nas matérias da revista ´Isto é´. Ou seja, este Juízo tem como inverídico o contato que o réu disse haver mantido com o autor. À luz dessas premissas, passo a avaliar a viabilidade do pedido compensatório do autor. De sorte a verificar se as frases narradas pelo réu, que vieram a ser publicadas em duas revistas ´Isto é´, são ofensivas a sua honra e capazes de ocasionar o sustentado dano moral. : Eis as frases ´por volta de novembro de 1996 (…) oferecendo seus préstimos para evitar a liquidação do Bamerindus (…)´; ´Marcos Malan me procurou oferecendo seus préstimos para evitar a liquidação´ ´houve o episódio, sem dúvida nenhuma, e haveria a possibilidade de o dr. Marcos Malan ajudar em alguma tratativa com o ministro (…) o propósito de fazer um lobby em favor do Bamerindus´ ´Para ajudar a resolver (…) me ajudar´ ´cobrou alguma coisa´ ´Não, eu não alimentei, né. Fui burro. Sou muito pavio curto´.
A simples leitura das declarações feitas pelo réu, acima transcritas, demonstra que ele não se referiu à oferta, pelo autor, de préstimos profissionais, dado seu vasto conhecimento na área financeira. De fato, tal explicação seria razoável, diante da condição do autor de profissional da área econômica, notadamente securitária, há décadas e com elevado conceito. Porém, há expressa menção aos propósitos distintos que teriam sido ofertados pelo autor. E eles consistiam na aproximação entre o réu – como grande interessado em obstar a intervenção e quebra do Banco Bamerindus – e o seu irmão, o Ministro da Fazenda do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso – o Ministro Pedro Malan. Tal intermediação, visando à obtenção de benefícios ao réu, como representante dos interesses do Bamerindus, se daria pelo conhecido e indesejável ´lobby´. Há também expressa menção a essa forma de intermediação (´lobby´), além da pretensão de recebimento de valor em troca. Pois afirma o réu que esse assunto específico apenas não evoluiu porque ele ´não o alimentou´, já que é ´muito pavio curto´ (sic – fl. 03).
Por conseguinte, as ´frases esparsas´ a que alude o réu em sua Contestação são claras no intuito de denegrir a imagem do autor. A ele atribuindo a prática de ´lobby´ (também conhecido como ´tráfico de influências´), junto à cúpula do governo federal, realizada em virtude de vínculo de parentesco utilizado indevidamente para obtenção de vantagem escusa. Essa ´intermediação´ objetivava ´evitar a liquidação´ do Banco Bamerindus. Liquidação essa que, posteriormente, mostrou uma série de irregularidades cometidas pela administração da instituição financeira pelo Banco Central.
Tanto que foi abordada pela CPI do PROER e do sistema financeiro. Então, atribuir a alguém – o autor – a oferta de serviço de lobista junto ao seu irmão, o então braço forte do Governo Fernando Henrique, a fim de impedir algo que já se mostrava inevitável, certamente degrada o nome conquistado profissionalmente por quem quer que seja. Releva salientar que o pano de fundo político existente à época consistia, exatamente, na divulgação pela imprensa de irregularidades cometidas na liquidação de outros bancos estabelecidos em nosso país, com a apuração de ilícitos praticados por homens públicos que participaram dos respectivos processos.
Tais irregularidades vinham sendo alvo de averiguação em sede judicial, criminal, administrativa e política. Os relatos tomados nas CPIs são públicos e encontrados facilmente na internet. O investigado envolvimento de membros do Governo, decerto, bastante enfraqueceu politicamente os dirigentes de nosso país de então. Foi época de menor popularidade do então Presidente da República, e derrocada de um de seus mais fortes homens. Nesse contexto, a atribuição da prática dos atos elencados na inicial e aqui avaliados, certamente, objetivavam atingir não só o autor. Mas sim a cúpula do governo federal.
Ocorre que o réu, a despeito de sustentar a existência de verdadeiro ´complô´ estabelecido por membros do Ministério da Fazenda e do Banco Central para obter a intervenção e liquidação do Bamerindus (para posteriormente vendê-lo a grupo inglês por preço irrisório – e é isso que se infere das declarações que prestou a CPI acostadas aos autos), não apontou para um só nome desse grupo. Ao fundamento de temer represálias judiciais dessas pessoas, que limitou a três ou quatro, acabou por não indicá-las. Dessa chuva de acusações sem destinatário específico, porém, saiu atingido o autor.
Do narrado, muito embora se extraia intento de atingir o irmão do autor, e demais membros do governo que o apoiavam, apenas o demandante foi nominalmente apontado, frise-se. Vale destacar, ainda, que ao contrário de seu irmão, o autor não optou pela carreira política e pela vida pública. Sua atuação, que goza de elevado conceito (é o que se encontra em busca em sites destinados a esse fim, como o ´google´), ficou adstrita à área privada, de seguros. Assim, sequer é admissível concluir que o autor optou por submeter-se a semelhante comentário público.
Ao qual todo aquele que se dispõe a exercer é passível de sofrer. Ao revés. O autor optou pela vida privada. E certamente a ele não pode ser estendido o ônus da vida pública pela qual optou seu irmão. Nesse contexto, inafastável a atribuição de fatos ofensivos à honra do autor pelo réu, através da emissão das ´frases´ elencadas na inicial que, isolada ou conjuntamente, abalaram o bom nome do demandante em caráter nacional. Seu nome foi mencionado em revista que circula por todo o país (ônus que assumiu o réu ao emitir declarações a seus repórteres); foi seriamente envolvido em CPI e fartamente inquirido a respeito pelo Congresso Nacional; maculou sua imagem de forma extremada – não sendo demasiado afirmar que tal mácula até hoje o persegue, pois ficou claramente vinculado aos fatos então narrados pelo réu na defesa dos interesses do Bamerindus.
O enxovalhamento do nome de profissional que goza de bom conceito, decorrente de seu trabalho exercido há décadas, decerto é impassível de reparação pecuniária. Especialmente nos dias de hoje em que a memória não mais falha, diante da possibilidade de seu resgate a qualquer tempo, através de singela consulta a internet. O autor fatalmente terá que conviver com o vínculo estabelecido entre seu nome e os episódios que antecederam e conviveram com a quebra do Banco Bamerindus. Tem-se, pois, que os efeitos desse dano são irreversíveis; e que a conduta do réu deve ser seriamente reprimida.
Até mesmo por ter atingido de forma tão voraz o autor sem, porém, arvorar-se em atingir outros que, segundo sua sustentada versão, teriam ocasionado inacreditáveis prejuízos. Outrossim, a capacidade financeira das partes é bastante elevada. Ambos gozam de notória situação econômica vantajosa. De sorte que condenação em valor módico não causaria qualquer impacto: ao autor, que certamente não obterá, ainda que tenha alta condenação, a desvinculação de seu nome a prática de lobby; ao réu, que caso não impactado em seu orçamento, acreditará não ter sofrido qualquer repreensão pelo que fez; ´valendo a pena´ arcar com diminuto peso em seu patrimônio.
Nesta linha de raciocínio, e ainda atenta a necessária razoabilidade que deve nortear a condenação por danos morais, reputo adequada e justa a compensar os fatos aqui tratados a quantia de R$400.000,00 (quatrocentos mil reais) – valor aproximado do equivalente a 1000 salários mínimos. À conta do exposto, julgo procedente o pedido para condenar o réu ao pagamento, em favor do autor, de R$400.000,00 (quatrocentos mil reais), com correção monetária contada desta data pelos índices da e. CGJ, e acrescido de juros de mora legais desde o evento danoso, aqui consistente na publicação da primeira matéria a respeito, em junho de 1999.
Condeno o réu, ainda, ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, haja vista o longo trâmite do processo e o grande labor que o advogado necessitou realizar.
Rio de Janeiro, 02 de junho de 2008.
Simone Gastesi Chevrand
Juíza de Direito
Revista Consultor Jurídico