Decisão apressada é anulada pelo TRF-2

Durante 56 meses o juiz Lafredo Lisboa, da 3ª Vara Federal Criminal do Rio, permaneceu sem dar sentença no processo 2004.51.01.514915-0, mais conhecido como Propinoduto IV, que lhe estava concluso desde dezembro de 2005. O fez, em agosto de 2008, depois que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), em maio, lhe deu um prazo de 90 dias para concluir o caso na primeira instância. Parecia chegar ao fim a luta da auditora da Receita Federal do Brasil, Maria Tereza Alves, que por meses seguidos percorreu gabinetes do TRF-2 com o inusitado pedido de que julgassem seu marido, o também auditor da Receita, Francisco dos Santos Alves, um dos réus do processo.

Ledo engano. Em decisão tomada em dezembro passado e que está sendo mantida em segredo de Justiça, a 2ª Turma do TRF-2, ao apreciar a Apelação Criminal da defesa dos réus, acatou o voto do relator Messod Azulay e anulou todo o trabalho de Lafredo Lisboa, determinando o retorno do processo à 3ª Vara para nova sentença. O relator acatou uma das preliminares apresentadas pela defesa de todos os réus que pediam a “nulidade em face à ausência de motivação da sentença”.

Na sua manifestação, à qual a ConJur teve acesso esta semana, Azulay alega que “nenhum (grifo do original) dos depoimentos de testemunhas em favor das defesas dos apelantes foi analisado e afastada a sua coerência. Tais testemunhas infirmaram certezas concluídas na instrução criminal e o MM Juiz a quo sequer fez menção às alegações defensivas”.

O relator afirma ainda que “na apreciação judicial dos fatos trazidos aos autos, foram desprezadas considerações e afirmativas defensivas que deveriam ter sido analisadas e, se vencidos os argumentos da defesa, aí sim, proferir-se-ia condenação legítima”. Prosseguindo, ele diz que “não foram apontados na fundamentação judicial os elementos de prova nos quais apoiou seu veredicto. As afirmações são conclusivas, mas as premissas sobre as quais se erigiram não foram expostas, de modo a permitir o controle da decisão”.

Erros
Um dos muitos exemplos citados pelo relator do voto acatado à unanimidade pela turma é o das certidões de registro de imóveis apresentada pela defesa do réu Antônio Vicente, mostrando que ele havia herdado o patrimônio colocado sob suspeita pelo Ministério Público. Estas certidões, segundo Azulay, “não foram consideradas na sentença condenatória”. Diz também que com relação ao mesmo Antônio Vicente havia um parecer de Auditor Fiscal da Receita, cuja auditoria foi pedida pelos procuradores da República, “no qual consta a completa regularidade dos depósitos nas contas correntes dos apelantes”, sem que a sentença tenha se manifestado sobre as mesmas.

Não param por aí os erros destacados da decisão judicial de primeira instância. Ao mesmo Antônio Vicente, segundo Azulay, há “alegação de valores atribuídos a este réu indevidamente, de vez que na verdade eram referentes ao réu Francisco Cruz”. Também foi destacado que a sentença se equivoca “na medida em que a mesma faz menção a uma lista de empresas da qual o réu não foi acusado na denúncia”.

Já a acusada Paulinéa Pinto de Almeida, condenada pela prática de crime com relação apenas a uma empresa, recebeu pena aumentada em dois terços por crime continuado. Nem mesmo ao responder os Embargos interposto pelos réus, o juiz Lisboa referiu-se a este caso apontado pela defesa da ré. O aumento indevido da pena por crime continuado se repetiu com relação aos auditores Rogério Gama Azevedo, Luiz Ângelo e Joaquim Acosta Diniz.

O relator do processo disse que o tribunal “não pretende balizar o convencimento do MM Juiz sentenciante que, sabe-se, é livre. Mas esta liberdade será mais legítima quanto mais fundamentada seja, a condenação, em provas de autos, levando-se em consideração sempre os argumentos da defesa que sejam cruciais ao deslinde do caso”. Ele diz que na decisão, o juiz Lisboa “se absteve de apreciar pontos de crucial importância, alguns deles relacionados, inclusive, às elementares dos tipos que lhe foram imputados”.

Destaca ainda que “no que concerne à dosimetria das penas, especialmente, na fixação da pena-base, a sentença carece de fundamentação com base em dados concretos aferidos na instrução para o aumento da mínima cominada. A fundação é coletiva, genérica, faz uso de expressões que, se não especificadas, nada dizem a respeito das situações dos réus e em nada direcionam rumo à objetividade mínima justificante do referido aumento; são exemplos disso as expressões dolo intenso e desvio de caráter”.

Outro caso concreto citado é o do réu Joaquim Acosta Diniz, para o qual o próprio Ministério Público pediu a absolvição da acusação de crime de corrupção com relação às fiscalizações realizadas na empresa De Millus. Mas o juiz o condenou e ainda aumentou a pena sem tecer comentários “sobre as razões do seu convencimento pela condenação”.

A assinatura
Lisboa recusava-se a dar sentença no caso alegando que o processo estava concluso ao então juiz substituto Flávio Roberto de Souza, que após ser promovido, assumiu a titularidade da 2ª Vara Federal de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, no final de 2005. “Não posso dar a sentença para não criar uma nulidade”, afirmou em entrevista à ConJur. Ele queria um despacho do próprio juiz declarando-se impedido de atuar por conta da promoção, ou da Corregedoria do TRF-2, modificando a conclusão dos autos. O Plenário do TRF-2 considerou isto desnecessário e deu-lhe o prazo para sentenciar o caso.

Na sua decisão, ele colocou o nome do juiz substituto para assiná-la — que permaneceu em branco —, e fez uma anotação “esta sentença está sendo prolatada pelo Juiz Titular desta 3ª Vara Federal Criminal, Dr. Lafredo Lisboa Vieira Lopes, em razão da decisão proferida pelo Plenário do eg. Tribunal Regional Federal da 2ª Região no PA 2006.02.01.014219-6”. Tal fato, embora não sirva para anular a decisão, também mereceu reprimenda do relator da Apelação Criminal, como ele destacou.

“Corroborando o equívoco em que incorreu o nobre julgador sentenciante, há nestes autos, ainda, peculiaridade a ser observada no tocante à forma como foi assinada a sentença condenatória. Tratou-se de expediente inusitado em que o MM Juiz a quo após sua assinatura sobre o nome de juiz diverso, ao argumento de que aquele não teria presidido a audiência de instrução, logo, não seria o juiz competente para prolatar a sentença.”

“Ora, sabe-se que há situações em que é impossível ao juiz que colheu as provas julgar os fatos. Para estas hipóteses, em que pese a Lei 11.719/08 não ter previsto expressamente a exceção, entende-se aplicável o artigo 132 do CPC por analogia (art. 3º do CPP), adotando para o processo penal as exceções previstas naquele artigo. Assim, embora não se possa afirmar a nulidade em vista do ineditismo do acontecimento, tal deve ser apontado elemento de reforço para a anulação integral da sentença proferida.”

Nova decisão
Embora a decisão seja de 10 de novembro passado, o processo ainda não voltou para a 3ª Vara Federal, por conta de agravos apresentados pela defesa de alguns dos réus — ainda não apreciados. O Ministério Público decidiu não recorrer da anulação, na expectativa de que o processo desça e ganhe nova sentença.

Mas alguns dos advogados de defesa decidiram recorrer ao Superior Tribunal de Justiça pedindo a anulação não apenas da sentença, mas de todo o processo. Com isto, o caso continua sem decisão como pretendia a auditora Maria Tereza, que confia na inocência do marido. Ele foi condenado por crime de excesso de exação, isto é, ter cobrado tributos além do devido à De Millus, ao incluir no cálculo destes tributos valores pagos para cobrir gastos do trabalhador no exercício de sua atividade (combustível, almoço, diárias). Quando o processo estava parado na 3ª Vara, Maria Tereza defendia que a sentença fosse logo dada, até para poder recorrer dela, buscando a absolvição do marido no STJ. O casal sofre com o fato de permanecer com bens indisponíveis.

Outra que se sente prejudicada com a demora é a auditora Jane Márcia da Costa Ramalho que, embora tenha sido a única absolvida pelo juiz Lisboa, permanece afastada do cargo por força de uma liminar em ação de improbidade movida em na Vara Federal de São João de Meriti. Com a absolvição, ela esperava livrar-se do outro processo. Agora tudo voltou à estaca zero.

Clique para ler decisão do TRF-2, que anulou a sentença

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