Decisão levanta debate sobre assédio sexual no trabalho

Apesar de, segundo o Código Penal, a configuração do assédio sexual exigir a condição de superior hierárquico do agente que comete o crime, no Direito do Trabalho não funciona da mesma maneira. No último dia 3 de março, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) condenou uma empresa pelo assédio sexual cometido por um funcionário contra outra de cargo equivalente.

O crime de assédio sexual é tipificado no artigo 216-A do Código Penal: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena vai de um a dois anos de detenção.

Segundo a advogada Nathiê Luz, do escritório Lefosse Advogados, o Direito do Trabalho segue conceituação diferente, ao admitir dois tipos de assédio sexual: o cometido por chantagem e o por intimidação, independentemente de relação hierárquica entre funcionários. Na segunda hipótese, na qual o TRT-4 classificou o o caso julgado, o assédio cria um ambiente de trabalho ruim, em que a pessoa se sente mal.

Na decisão, o tribunal até chegou a reconhecer que o acusado era superior hierárquico, já que, apesar de assediador e assediada terem os mesmo cargos, o primeiro exercia função de coordenação. Mas, segundo o relator, desembargador Fabiano de Castilhos Bertolucci, a relação de poder entre as partes “não constitui elemento essencial na sua configuração”.

A advogada Glaucia Massoni, do Fragata e Antunes advogados, discordou da decisão do regional quanto a esse ponto, por acreditar que a superioridade hierárquica é sim requisito para a configuração de assédio sexual.

Da mesma forma o fez a advogada trabalhista Luciana Helena Dessimoni, da Dessimoni Advocacia, para quem o TRT entendeu que o assediador era superior à ex-empregada a partir do princípio da realidade, segundo o qual deve ser levada em conta “a realidade propriamente vivida pelos empregados na sede da empresa”. Caso contrário, ou seja, pela identificação de igualdade dos cargos, o assédio não poderia ser caracterizado.

Ponta do iceberg
Luiz Carlos Moro, sócio do Moro e Scalamandré Advocacia, concordou com a interpretação dada pelo tribunal gaúcho por entender que, assim como o assédio moral, o sexual pode acontecer inclusive em ordem hierárquica ascendente, ou seja, de nível inferior para superior.

O advogado diferenciou o tratamento penal do trabalhista através da consideração de que naquele é necessário o poder exteriorizado, qual seja o hierárquico, e que neste, o fundamento é o poder psíquico.

Apesar de reconhecer a possibilidade do assédio sexual não ser feito por hierarquicamente superior, o advogado admite que isso não é comum. Para ele, o motivo é que, “normalmente, as pessoas tendem a recusar a condição de vítima”, além de que esse tipo de processo costuma correr em segredo de justiça e terminar em acordo com cláusula de silêncio perpétuo, ou em estipulação de sanção para a publicização.

Segundo Moro, “as circunstâncias de assédio são mais comuns do que se judicializa”, mas essa diferença tende a diminuir “em função da afirmação cada vez mais presente do direito da mulher e da consequente tendência de que elas se sintam cada vez mais livres pra promover denúncias”.

Embora existam casos de assédio sexual contra homens e entre homossexuais, o advogado explica que “na sociedade latino-americana a mulher é vítima majoritária e tem ganho atenção da legislação, do Judiciário e da sociedade”.

Abuso online
No caso do TRT-4, o assédio se deu por troca de mensagens via Windows Messenger. Segundo a advogada Nathiê Luz, mesmo se a empregada tivesse opção de desligar o chat — o que não tinha, já que o programa era ferramenta de comunicação interna —, o assédio se configuraria devido ao fato de que a “incitação sexual não precisa ser por contato físico, e pode ser caracterizada por gesto ou por escrito”.

Quanto ao meio virtual, o especialista em Direito Eletrônico e sócio do escritório Opice Blum, Renato Opice Blum, disse que o MSN é uma nova forma de provar esse tipo de conduta, e recomendou: “bom senso, cautela, e educação são sempre importantes”.

Tutela empresarial
Com relação à responsabilização da empresa, Nathiê concordou com o tribunal por considerar que o assédio só aconteceu porque a funcionária trabalhava na empresa, e explicou que a responsabilidade dela é diminuída conforme seu empenho em evitar o ato.

Luiz Carlos Moro afirmou que a responsabilização da empresa se baseia no artigo 932, inciso III, do Código Civil, que diz que “são também responsáveis pela reparação civil: III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Para o advogado, “a lei presume que o empregador deixou de cumprir sua obrigação, pela culpa in vigilando, em que não observa corretamente o comportamento do funcionário, ou com negligência, quando falta atenção à manutenção ao ambiente sadio”. Segundo os autos, o funcionário que cometeu o assédio foi demitido logo após o caso ser comunicado pela vítima à chefia — o que não impediu sua responsabilização.

Apesar de discordar do entendimento do tribunal quanto à questão de hierarquia, Massoni deixou claro que “a decisão está correta porque foi assédio dentro do ambiente de trabalho pelo superior hierárquico, que, embora não estivesse estabelecido formalmente, pelo princípio da realidade, era superior hierárquico, e o que rege o Direito do Trabalho é o ‘contrato realidade’”. Por isso, concorda que a empresa responde pelo fato de o fato ter acontecio no ambiente empresarial, já que ela não pode permitir esse tipo de conduta.

Ao final, completou que a vítima “pode denunciar outro tipo de dano se não é hierarquicamente inferior, mas não assédio sexual”. Nesse caso seria discutível inclusive a competência da Justiça do Trabalho, já que o fato se dá entre pares.


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