O advogado José Eduardo Haddad, presidente do Sindicato das Sociedades de São Paulo e Rio de Janeiro, enviou mensagem ao presidente Lula para defender o projeto que restringe as hipóteses de busca e apreensão em escritórios de advocacia (PLC 36/2006). Para ele, a inviolabilidade não é um privilégio, mas uma garantia democrática para a sociedade.
Segundo o advogado, o projeto regula apenas aquilo que está disposto no artigo 133 da Constituição, que trata sobre a profissão de advogado. “A inviolabilidade do advogado e do seu local de trabalho, muito mais do que um direito, revela-se uma responsabilidade de grande monta para aquele que, na verdade, exerce um múnus publico”, afirma Haddad na carta.
Pela proposta, as buscas e apreensões em escritórios de advocacia, com ordem judicial, continuam permitidas, mas se restringem aos casos de advogados investigados.
Para ele, a garantia não pertence apenas aos advogados, mas a todos. “Como nenhum direito pode ser exercido sem limites, sob pena de torná-lo algo despótico e ditatorial, o projeto de lei em testilha tem exatamente o mérito de definir quais os limites dessa inviolabilidade”, explica.
O advogado diz que não é justificável o temor de juízes e membros do Ministério Público sobre a prerrogativa. “Não há temor que possa justificar a simples delimitação de uma garantia que já está prevista em nosso ordenamento jurídico e, mais ainda, no plano Constitucional, dado o reconhecimento do legislador da sua importância dentro de um regime democrático.” Haddad lembra que outras profissões também dispõem do dever de sigilo como é o caso dos médicos e dos psicólogos.
O projeto de lei foi aprovado pelo Congresso Nacional e encaminhado ao Palácio do Planalto na terça-feira (22/7). O presidente tem 15 dias para decidir se veta ou sanciona o texto. Ele é criticado por ministros de Estado, líderes partidários da base aliada e membros do Judiciário e MP. Lula ainda não se decidiu sobre o projeto, mas já afirmou publicamente que “ninguém está acima da lei” quando questionado sobre o assunto.
O presidente aguarda o resultado das discussões em uma reunião entre o ministro da Justiça, Tarso Genro, e representantes de entidades da magistratura e do Ministério Público. As entidades pedirão ao ministro o veto do Projeto de Lei 36/2006.
O argumento da magistratura e do MP é o de que o projeto, se sancionado como está, permitirá que o crime fique “substancialmente mais fácil” porque “os criminosos poderão fazer uso de escritórios de advocacia para esconder provas do cometimento de seus crimes, tornando-os imunes à ação da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário”.
O texto altera o artigo 7º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) estabelecendo punição criminal para quem violar escritórios de advocacia. O texto veta também a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado investigado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
Leia mensagem
Excelentíssimo Senhor Presidente da República:
Como diretor presidente do Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, não poderia me furtar a levar a Vossa Excelência o nosso manifesto de apoio ao citado projeto de lei, que regulamenta a garantia da inviolabilidade dos escritórios de advocacia.
É preciso lembrar que a inviolabilidade do local de trabalho do advogado é apenas uma espécie, dentro do princípio que se encontra insculpido no artigo 133 da Constituição da República, que, com todas letras, afirma que o advogado é “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”, querendo claramente afirmar que a advocacia, como atividade, deve ter o seu sigilo resguardado, uma vez que, nas palavras do ilustre jurista Ives Gandra da Silva Martins, “sendo o Direito o instrumento social de convivência comunitária, é o profissional que o conhece e maneja, aquele de maior responsabilidade na sociedade” (in Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 4º volume, pg. 243).
Isso significa que a inviolabilidade do advogado e do seu local de trabalho, muito mais do que um direito, revela-se uma responsabilidade de grande monta para aquele que, na verdade, exerce um múnus publico (art. 2º, § 2º do Estatuto da Advocacia), com o dever de proporcionar a manifestação do Poder Judiciário em relação aos interesses do seu constituído, o verdadeiro acesso à Justiça.
A inviolabilidade da profissão do advogado não se manifesta como, pois, um privilégio da profissão, mas como garantia democrática para a própria sociedade.
Mas como nenhum direito pode ser exercido sem limites, sob pena de torná-lo algo despótico e ditatorial, o projeto de lei em testilha tem exatamente o mérito de definir quais os limites dessa inviolabilidade.
Não se pode pretender garantir ao constituído um julgamento justo e o devido processo legal, sem que aquele que o defenda possa, com uma certa amplitude, atuar em defesa dos interesses de seu cliente, sendo que a inviolabilidade de seus atos, manifestações, local de trabalho e correspondências, garante a liberdade necessária na atuação com destemor, sempre com vistas a garantir-lhe a aplicação da medida certa de justiça.
É evidente que, por outro lado, aquele que faz mal uso dessa garantia que, novamente afirmamos, não lhe pertence, mas à própria sociedade, não pode ser acobertado. E o projeto de lei que visa a regulamentação da inviolabilidade dos escritórios da advocacia labora nesse sentido com maestria. Isso porque, ao exigir o detalhamento daquilo a ser apreendido na investigação policial dentro do local de trabalho do profissional, quando este falta com a ética e se envolve em atividade ilegal ou delituosa, por um lado, permite à autoridade policial colher as provas necessárias a sua devida e justa punição; por outro lado, resguarda o sigilo das informações de eventuais outros clientes que nada tenham contribuído para a prática do ilícito. Mais uma vez fica claramente comprovado que o referido projeto de lei merece aplausos ao reconhecer que a inviolabilidade da advocacia não é privilégio nem direito do advogado, mas garantia para toda a sociedade.
Nada justifica a oposição oferecida por magistrados ou membros do Ministério Público ao projeto de lei sob a apreciação e sanção de Vossa Excelência. Não há temor que possa justificar a simples delimitação de uma garantia que já está prevista em nosso ordenamento jurídico e, mais ainda, no plano Constitucional, dado o reconhecimento do legislador da sua importância dentro de uma regime democrático. Até porque, como dissemos, todo direito possui limites, e a futura nova lei (assim o desejamos) tem o grande mérito de, exatamente, limitá-lo, sem desnaturar um instituto que é de grande valia para a democracia.
Da mesma forma, não se pode tratar questão tão relevante sob o prisma único do “acobertamento” de um delito, seja pelo profissional, seja pelo próprio acusado. Primeiro, porque o advogado deve saber da verdade e proporcionar a melhor defesa possível, dentro da ética, que seu cliente puder ter; daí a garantia constitucional do devido processo em momento tão delicado da vida de uma pessoa, como o da perda de seus bens ou, pior, de sua liberdade. Em segundo, deve ser lembrado que ao réu é constitucionalmente garantido o direito ao silêncio (art. 5º LXIII, CF) ou, de forma mais ampla, o direito de não produzir prova contra si mesmo, em juízo. Como bem aponta Ada Pellegrini Grinover, citada por Celso Ribeiro Bastos na obra acima citada (pg. 296) “o réu, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem. Pode calar-se ou até mesmo mentir. Ainda que quisesse ver no interrogatório um meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face da faculdade dada ao acusado de não responder”. Seria temeroso atribuir ao advogado o acobertamento de um delito por ele não cometido, quando o próprio cliente acusado tem o direito de não produzir, contra si mesmo, prova, furtando-se a falar a verdade. Nisso se revela a importância da manutenção da inviolabilidade do advogado, assim como de seu local de trabalho, tanto quanto seus atos e manifestações; essa garantia permite ao próprio acusado o exercício do direito de não produzir provas contra si mesmo.
Não deve causar espanto ou constrangimento a inviolabilidade e o sigilo profissional. Sua existência não nos é desconhecida, quando lembramos o dever de sigilo dos membros da Igreja Católica nas confissões. Nessa mesma premissa, outras profissões, em decorrência de sua relevância, os possuem, como por exemplo o médico e o psicólogo. Analogamente, a nenhum deles se pode pedir a quebra do sigilo, ainda que saibam ou possam saber da prática de eventual ato delituoso.
Pedimos e desejamos, por isso, respeitosamente, que essa Presidência mostre a coragem que sempre demonstrou na defesa da democracia e das instituições que por ela atuam, sancionando integralmente o Projeto de Lei nº 36/2006 e mostrando que a sociedade brasileira nada tem a temer em relação ao retorno de um Estado essencialmente policialesco, como na ditadura militar, que por ela já foi repudiada.
Desde já, apresentamos nossos votos da mais elevada estima e consideração.
Atenciosamente,
JOSÉ EDUARDO HADDAD
Diretor Presidente do Sindicato das Sociedades
Dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro
Revista Consultor Jurídico