Mais uma vez, o senador Delcídio do Amaral Gomez (PT-MS) está processando jornais e jornalistas que noticiaram a suposta citação dele em conversas gravadas durante investigações da Operação Uragano, realizadas pela Polícia Federal em 2010.
Agora, o petista quer “reparação por danos morais” e deu à causa o valor de R$ 100 mil reais. Ele processou o jornal Midiamax e o jornalista Celso Bejarano Júnior por reproduzirem uma notícia veiculada pela imprensa nacional com o título “Imprensa nacional revela citação de Delcídio em inquérito na Operação Uragano”.
A reportagem havia sido veiculada originalmente no portal nacional Terra, que também está sendo processado, junto com o jornalista Ítalo Milhomem Zikemura. No texto, o repórter informa que trechos de escutas telefônicas realizadas para investigar o suposto esquema de desvio de verbas públicas em Dourados com autorização judicial contêm citação do nome de Delcídio do Amaral.
Políticos federais no MPF
Na ação, o senador alega que não teria sido instaurado qualquer procedimento contra ele ao final da operação. No entanto, o delegado da Polícia Federal Bráulio Gallone, que conduziu o inquérito da Uragano, em momento algum desmentiu a presença do nome de Delcídio nas conversas e já informou várias vezes que as citações de políticos em cargos federais foram encaminhadas para Brasília.
Gallone reafirma, inclusive, que todos os trechos envolvendo parlamentares federais de Mato Grosso do Sul foram remetidos diretamente para o Ministério Público Federal, a quem compete tomar as medidas cabíveis. “Não posso mais me manifestar sobre esse assunto. O que eu disse antes foi o que aconteceu. Agora, é com o Ministério Público Federal”, resume.
Pressão contra imprensa
Não é a primeira vez que Amaral entra na Justiça contra a imprensa. Segundo o próprio advogado de Delcídio, Laércio Guilhem, atualmente existem pelo menos seis processos do senador petista contra jornais ou jornalistas.
Nas redes sociais, a prática adotada por Delcídio para lidar com as notícias que considera “ofensivas à moral e à honra” causa reação entre jornalistas sul-mato-grossenses.
O fato de o político do PT ter atribuído um valor considerado elevado para os ganhos médios dos jornalistas em Mato Grosso do Sul é apontado como uma forma de tentar desencorajar matérias que liguem o nome de Delcídio ao escândalo de corrupção que explodiu com a Operação Uragano.
A prática tem sido denunciada internacionalmente há tempos, principalmente como forma de fortalecer o combate à corrupção na América Latina. Recentemente, a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) divulgou uma resolução expressando a preocupação com a “deterioração da liberdade expressão e da liberdade de imprensa no continente americano” e pedindo a revisão ou anulação de leis que limitem o trabalho dos jornalistas.
São citados exemplos de países como Bolívia e Paraguai, onde aumentou o número de processos contra jornalistas após assassinatos dos mesmos passarem a ser mais bem investigados por pressão internacional. “Os processos por difamação e calúnia se transformaram (…) em um instrumento para amedrontar os profissionais de imprensa, na tentativa de impedir sua atividade informativa e investigativa”.
O advogado de Delcídio, Guilhem, nega a intenção de coagir. “Pode falar do Delcídio, mas não pode é usar isso politicamente, para atacar ele por interesse de adversários políticos”, disse. Ele, no entando, não quis identificar quem seriam esses supostos ‘adversários políticos’.
Segundo o jornalista do Midiamax processado, Celso Bejarano Júnior, o que mais causou estranheza foi a forma como Delcídio questionou a reportagem. “O senador tem todo o direito de protestar, mas jamais devia dizer na ação que a reportagem foi movida por um ‘conluio, conchavo, ou algo assim’”, indigna-se.
“Foi graças às gravações da Uragano que mais da metade dos políticos corruptos de Dourados foi parar na cadeia. Se formos desconsiderar tal investigação, então devemos pedir desculpas a esse grupo, tido como quadrilha pela PF, e dizer que tudo era uma brincadeirinha”, pondera.
“Dizer que a matéria só teve a intenção de atacar o Delcídio é inconcebível. Todos os dias o Midiamax noticia fatos envolvendo políticos de todas as matizes políticas, não cabe usar essa desculpa para blindar o senador sobre as explicações que tem de dar sobre o fato de falarem o nome dele em ligações interceptadas durante a Uragano”, diz Bejarano.
Mais citações
Celso Bejarano explica que em todos os momentos atentou para os preceitos éticos do jornalismo e que jamais foi movido por interesse político algum. “Jornalista não tem partido. E tem mais: o nome de Delcídio não é citado apenas pelo diretor de Obras de Dourados! O ex-prefeito Ari Artuzi, que seria o chefe do bando, também menciona o nome do senador. Essas gravações foram mandadas para a Procuradoria da República, em Brasília, que deve se manifestar, um dia, pela abertura ou não de inquérito contra Delcídio”, diz.
Bejarano, que tem duas décadas de experiência no jornalismo investigativo como correspondente de diversos jornais de circulação nacional, garante que a reportagem não trata Delcídio como culpado em momento algum. “A notícia disse que o nome dele surgiu num diálogo gravado sob a batuta da Justiça. Isso não pode ser noticiado? Por qual razão? Que jornalista deixaria uma notícia dessas escapar?”.
Quem não deve…
Ele ainda diz que, com a preocupação exagerada do senador em desencorajar todos a falarem sobre o suposto envolvimento dele nos esquemas de desvio de dinheiro do povo em Dourados causa estranheza.
“Sinceramente, acho, sim, que essa ação do senador deve ser apurada, julgada e se houver culpados, que sejam punidos. Se fosse eu, estaria preocupado em cobrar investigação imediata para limpar meu nome, não estaria fazendo o contrário, querendo calar a boca de todos com intimidação judicial. Diz o dito popular: quem não deve, não teme”, afirma.
Questão de honra
O sócio-diretor do Midiamax, Carlos Eduardo Naegele, diz que a revolta do senador faz parte da democracia. Mesmo assim, conta que recebeu o recurso judicial “com indignação”.
Naegele repudia a suspeita que o senador coloca sobra a boa prática jornalista do Jornal. “A trajetória do Midiamax não permite a ilação feita pelo senador e nossa linha editorial não muda com isso, a pauta da operação Uragano será mantida”, declara.
Segundo o empresário, agora “é ponto de honra” acompanhar o desfecho das investigações que começaram com a Operação Uragano. “Acho que o senador devia ocupar o seu tempo contribuindo com as investigações, não atrapalhando o trabalho da imprensa”, conclui Naegele.