por Marina Ito
O julgamento, que decide pelo recebimento ou não da denúncia contra acusados de integrarem milícias, está suspenso no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Depois de levantar uma dúvida processual, a desembargadora Letícia Sardas pediu vista do processo. Entre os denunciados por formação de quadrilha, estão o deputado estadual Natalino José Guimarães e seu irmão, vereador do Rio Jerônimo Guimarães Filho. Eles são acusados de comandar o grupo.
Três dos denunciados, algemados e escoltados por policiais, estiveram presentes na frente dos 25 desembargadores que compõem o órgão. Em uma sessão tensa e atípica nessa segunda-feira (31/3), sete desembargadores optaram por aguardar a vista, outros já se adiantaram pelo recebimento da denúncia. A relatora, desembargadora Maria Henriqueta Lobo, entendeu que, na fase processual de recebimento da denúncia, já há indícios que a sustenta.
Já a desembargadora Letícia Sardas levantou dúvidas quanto ao modo como as provas foram colhidas. Segundo ela, o TJ fluminense era a instância legítima para presidir a investigação quanto ao deputado Natalino. Sardas vai analisar a atribuição de competência do Ministério Público para coletar provas em atos que não passaram pelo crivo do Judiciário.
O desembargador Sérgio Verani também vai estudar o processo. O Superior Tribunal de Justiça determinou o desentranhamento dos autos em relação a Natalino, para que fossem separadas as provas colhidas a partir de sua diplomação como deputado, já que tem foro de prerrogativa. Para Verani, após o desentranhamento, os autos deveriam ter sido apresentados ao MP e aos advogados de defesa. A princípio, votaria no sentido de converter o julgamento em diligência e abrir vista ao procurador e, posteriormente, aos advogados.
Nesse momento, o clima na sessão já estava pesado. Os advogados tentaram questionar o fato de que, após o desentranhamento das provas e exclusão daquelas que foram obtidas após a diplomação do deputado, não tiveram acesso aos autos.
A desembargadora Maria Henriqueta garantiu que nada foi acrescentado, mas os advogados insistiram que deveriam ter visto. O presidente do tribunal, desembargador Murta Ribeiro, chegou a comentar em quem poderia confiar, se não o pudesse na própria desembargadora.
Mas outros desembargadores, ainda que afirmassem a certeza de que Maria Henriqueta desempenhou bem seu papel, tinham dúvidas quanto ao procedimento a ser adotado com a decisão do STJ. O desembargador Sylvio Capanema ressaltou que a dúvida não era quanto aos indícios, mas apenas processual, ou seja, se os advogados teriam de ver os autos após o desentranhamento. “Não basta dizer que tirou peça daqui, peça dali”, afirmou o desembargador Sérgio Cavalieri, que preferiu aguardar a vista.
Cavalieri não gostou das interferências do presidente do TJ. O desembargador, que já comandou o tribunal, pediu que Murta Ribeiro deixasse os desembargadores concluírem o voto e se manifestarem sobre o assunto. Murta queria ler a decisão do STJ, mas foi interpelado por Cavalieri, irritado com o que ele considerou ter sido uma insinuação de que não soubesse ler.
O caso
O Ministério Público acusa o grupo, do qual fazem parte os denunciados e outras pessoas ainda não identificadas, de instalar, desde 2005, em alguns bairros da zona oeste do Rio a “Liga da Justiça”, uma quadrilha armada que exigia dinheiro de moradores e comerciantes em troca de “proteção” contra criminosos.
Segundo o MP, com o tempo o grupo passou a constranger diversas pessoas, inclusive, motoristas de transporte alternativo com o emprego de violência e grave ameaça. Os que tentaram se rebelar contra a quadrilha foram alvos de represálias.
Durante o recesso de fim de ano, o MP pediu a prisão preventiva, busca e apreensão de documentos e quebra do sigilo bancário de alguns dos acusados. As diligências foram deferidas. O vereador, conhecido como Jerominho, e policiais foram presos.
Às pressas
A defesa argumentou que a denúncia é inepta e foi feita de forma açodada. Em sua sustentação, o advogado do deputado, Fernando Augusto Fernandes, afirmou que o promotor de primeiro grau não poderia ter atuado, devido ao foro de prerrogativa de Natalino, deputado desde 2006.
Segundo o advogado, o inquérito, instalado em 2007, é ilícito pois juntou documentos sem a tutela do Órgão Especial, responsável por processar e julgar o deputado. Ele também afirmou que não viu os autos após o desentranhamento. Pediu que a desembargadora Maria Henriqueta cumprisse a ordem do STJ.
O desembargador Paulo Ventura prestou solidariedade a Maria Henriqueta. Ele considerou uma agressão verbal as palavras do advogado na tribuna. O advogado tentou argumentar, mas recebeu um “recolha-se a sua insignificância”, um entre tantos momentos ríspidos da sessão. O presidente do Tribunal permitiu que os advogados falassem durante a sustentação. Depois disso, eles não puderam se manifestar. Os advogados insistiram e Murta Ribeiro ameaçou representar contra eles na OAB.
O promotor Antonio José Campos Moreira, em sua sustentação, afirmou que, ao contrário do que afirmou a defesa, a denúncia não foi oferecida às pressas. Segundo ele, foi feita uma análise criteriosa dos trabalhos policiais.
A tese de deferimento de prisão preventiva durante o plantão do Judiciário foi rechaçada pela desembargadora Maria Henriqueta. Segundo ela, o juiz plantonista representa todo o tribunal. Ela também informou que o inquérito policial é essencialmente informativo. “Vício nessa fase não tem o condão de anular a prisão devidamente fundamentada”, afirmou.
De acordo com Maria Henriqueta, não houve diligência que demandasse ordem do Judiciário. Apenas no final das investigações é que se determinou a quebra de sigilo, pedido de prisão preventiva e busca e apreensão de documentos com autorização judicial. “Há provas contundentes da participação de todos eles”, afirmou.
Prerrogativa
A desembargadora entendeu, ainda, que o vereador não tem prerrogativa para ser julgado pelo TJ, conforme alegou o advogado André Hespanhol.
Os advogados dos parlamentares lamentaram que a defesa não pudesse esclarecer questões de fato durante o julgamento. Hespanhol afirma que o vereador tem prerrogativa de foro, assegurada pela Constituição Estadual. De acordo com o advogado, o STF suspendeu a extensão da imunidade, mas não o artigo 161, que trata da prerrogativa. Caso a tese seja aceita, a investigação estará prejudicada, já que Jerominho tornou-se vereador em 2000.
Segundo os advogados, por serem contrários à tentativa de criminalização dos atos dos advogados no “calor do debate”, não pretendem representar contra os desembargadores por suas declarações no julgamento.
Denúncia 2008.065.00001
Revista Consultor Jurídico