por João Grandino Rodas
[Artigo publicado na Folha de S.Paulo, desta segunda-feira, 21 de abril]
Quarenta e seis anos após sua instituição e 14 anos depois da edição da vigente Lei Concorrencial 8.884/94, a sigla Cade, mais do que designar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, transformou-se em verdadeira marca, passando a identificar o conjunto de órgãos que hoje compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).
Sua consolidação perante o grande público ocorreu na última década, quando o Brasil, abandonando a política de substituição das importações, abriu-se ao comércio exterior e teve sua hiperinflação domada. A partir daí, o Cade — ou, mais propriamente dizendo, o SBDC —, passou a ter efetividade e reconhecimento crescentes.
É inegável que o sistema vem trabalhando com maior coordenação, apesar de ser ele composto por órgãos autônomos e ligados a ministérios distintos. Conseguiu abreviar o tempo médio de tramitação dos procedimentos; tornou-se mais efetivo na luta contra os ilícitos antitruste, mormente os cartéis; deixou de dedicar quase todo o seu tempo aos expedientes de concentração; além de ter ingressado na era da transação, administrativa e judicial.
Inobstante o consenso de que a lei atual seja boa, há duas propostas de aprimoramento em tramitação: o Projeto de Lei 3.937/04, do deputado Cadoca, e o projeto de Lei 5.877/05, do Executivo, este contemplado no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O segundo foi apensado ao primeiro, estando pendente decisão pela Comissão Especial, criada pela Câmara dos Deputados para analisá-los. O relator, deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), apresentou seu parecer final em agosto do ano passado, que até agora nem sequer foi votado pela referida comissão. Diante da paralisação do Parlamento, resta centrar esforços no aperfeiçoamento da aplicação da lei vigente.
Nunca é demais ressaltar a importância do direito concorrencial, que, além de ser um dos pilares da economia capitalista, representa garantia de menores preços e maior qualidade dos produtos para os consumidores.
Determina a lei caber ao SBDC divulgar a cultura da concorrência. É vital o incremento dessa tarefa pedagógica, pois a grande maioria das empresas brasileiras são médias e pequenas, não tendo elas possibilidade de se inteirar das grandes linhas do direito concorrencial.
E, sendo o direito concorrencial permeado de conceitos econômicos, cuja interpretação pode variar, os destinatários de suas normas só conhecerão o seu real alcance examinando o conjunto de precedentes. Daí a importância de a jurisprudência do SBDC evoluir crescendo, nunca abruptamente, aos saltos.
Embora o Cade seja um tribunal administrativo formado por juristas e economistas, é preciso ter em mente que a legislação concorrencial faz parte do ordenamento jurídico nacional e, como tal, deve ser aplicada, inclusive no tocante ao devido processo legal, às garantias fundamentais das pessoas físicas e jurídicas e aos princípios gerais de direito.
Antes de se deixar guiar por precedentes estrangeiros bombásticos, é preciso verificar sua real aplicabilidade, bem como lembrar que a atração de investimentos estrangeiros não se opera da mesma forma em países em desenvolvimento e em países do Primeiro Mundo.
Note-se ainda que a aplicação correta não se coaduna com uma atitude messiânica ou militante do aplicador da lei. Nem com a idéia de que, por ser o Cade um órgão técnico de respeito, suas decisões são insuscetíveis de revisão judicial. Mais. É fundamental o Cade estudar a fundo as questões apresentadas antes de se considerar incompetente sob o fundamento de não se tratar de problema concorrencial.
Por fim, urge o SBDC buscar abranger todos os setores da economia, pois a lei não confere isenção antitruste a nenhum deles. Assim como deve procurar ampliar as garantias de inviolabilidade das informações sigilosas recebidas das empresas.
Revista Consultor Jurídico