Desapropriação e invasão de fazenda afastam a mora em financiamentos agrícolas

Uma interessante ação revisional de contratos bancários foi julgada pelo juiz federal Gabriel Menna Barreto von Gehlen, da 5ª Vara Federal de Porto Alegre (RS), que deu parcial acolhimento aos pedidos feitos pelos sucessores do espólio de Roque José Sartori contra o Banco do Brasil e a União.

A ação trata de declaração de nulidade da cessão de créditos do banco para a União, bem como da exclusão da mora a partir da edição do decreto expropriatório da fazenda dos autores e do recálculo das cédulas representativas do débito. Além disso, é postulação dos demandantes a declaração do direito ao bônus por inadimplência em seu benefício, nos termos da Lei nº 9138/95 e a exclusão, do montante da dívida, do valor relativo ao prejuízo ocasionado pelo Plano Collor.

A questão discute aspectos relacionados à Fazenda Inhacapetum, localizada no Município de Capão do Cipó, integrante da comarca de Santiago (RS) e que foi invadida em, 2002 e desapropriada em 2003.

Segundo relato dos autores, em função de atividade agropecuária familiar, foram contraídos diversos financiamentos junto ao Banco do Brasil, mas dificuldades enfrentadas pelo setor agrícola a partir dos diversos planos econômicos desde 1986 dificultaram a quitação da dívida. Para possibilitar o desenvolvimento da atividade produtiva, os demandantes firmaram contratos de securitização dos débitos e deram em pagamento parcial 500 hectares de terras de uma fazenda.

Os autores alegam que embora tenha sido entabulado o negócio para permitir a retomada da atividade produtiva, o Banco do Brasil, além de não lhes dar acesso ao crédito necessário, impossibilitou a tomada de recursos junto a outras instituições financeiras, pois detinha todo o patrimônio como garantia das operações de securitização.

Lance seguinte foi que o Banco do Brasil – por meio de protocolo firmando com o Incra – repassou à autarquia as terras oferecidas em dação em pagamento. Em seguida, o Estado do RS expediu o Decreto Estadual nº 41.241, de 27/11/01, expropriando a parte remanescente da fazenda, que veio a ser ocupada por famílias de sem-terras.

Não podendo trabalhar e em face da inadimplência pela ausência de receita no período de cessação da atividade produtiva, os autores contataram o Banco do Brasil para renegociar o débito. O banco teria condicionado a formalização do acordo ao pagamento de 32,5% da dívida, tendo em vista que o pedido de repactuação não se enquadraria nos patamares da Lei nº 10437/02.

Impossibilitados do pagamento em face da inviabilidade da exploração econômica da fazenda, a transação não se realizou.

Ao julgar os pedidos, inicialmente o juiz von Gehlen firmou a legitimidade passiva da instituição financeira, porque, apesar da cessão de crédito para a União, a administração dos contratos continuou sendo realizada pelo Banco do Brasil, e afastou a alegação de prescrição, pois o prazo de 10 anos para a ação não havia escoado.

No mérito, o magistrado reconheceu que “o inadimplemento dos contratos tem origem, efetivamente, no ato expropriatório, que determinou a perda da posse da fazenda pelos autores”. Pela imprevisibilidade do ato jurídico de desapropriação do imóvel, o julgador analisou a situação à luz da teoria da imprevisão, concluindo que “deve ser reconhecido o prejuízo dos demandantes em razão desse evento, pelo que o afastamento dos efeitos da mora a partir da efetiva obstrução da atividade produtiva”.

Entretanto, salientou o juiz, não há evidências de que o Banco do Brasil tenha dado causa à desapropriação. Por outro lado, entendeu o magistrado que tampouco os autores deram ensejo à ação de desapropriação, tratando-se de caso fortuito e força maior.

Assim, “não sendo os demandantes os responsáveis pelo caso fortuito e nem pela força maior inexiste mora, por conseqüência não há que se falar em encargos moratórios”, arrematou afastando os encargos desde a data em que foi publicada desapropriação.

No que se refere à cessão de crédito realizada pelo Banco do Brasil em favor da União, a sentença a considerou legal, uma vez que esta resguardou o interesse público e a alteração do credor não representou infringência a qualquer preceito constitucional.

Acerca do pedido de exclusão da diferença relativa ao Plano Collor I, o magistrado verificou que o banco réu poderia lançar sobre o montante o percentual de 84,32% a título de correção monetária referente ao mês de março de 1990, desde que autorizado pelo mutuário, mas não houve anuência de uma das postulantes, o que é causa de exclusão do reajuste do débito de cédula rural.

No que toca ao chamado alongamento da dívida, o decisor entendeu que as condições para tal se reputam não foram preenchidas pelos autores mas não por ato a si atribuível, mas ao próprio Estado, seja em face da desapropriação, seja em virtude da omissão no dever de segurança pública (esbullho).

“Assim, por incidência da isonomia, não se pode tolher dos autores um direito que lhes foi abstratamente deferido, mas cujas condições eram particularmente impossíveis, por circunstância aliás imputável à própria administração”, afirmou a sentença.

Além disso, a sentença diz ser viável a renegociação de dívida relativa a crédito rural, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 1º da Lei nº 11.775/2008, afastadas as restrições impostas pelo art. 8º do mesmo diploma legal, que determinou tratamento diferenciado, mais oneroso, para a renegociação de débitos inscritos em dívida ativa da União.

Assim, o julgamento de parcial procedência dos pedidos destinou-se a:

a) declarar a ausência de encargos moratórios desde a edição do decreto expropriatório;

b) declarar a não incidência do diferencial do plano Collor, sendo aplicável em março/1990 o percentual de 41,28%, correspondente à variação do BTNF, e não o índice de 84,32%;

c) reconhecer o direito à renegociação com base no art. 1º da Lei nº 11.775/2008.

Atuam em nome dos autores os advogados Talai Djalma Selistre e Mário Harley Sartori. (Proc. nº 2006.71.00.002437-0).

ÍNTEGRA DA SENTENÇA AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2006.71.00.002437-0/RS
AUTOR:IEDA SARTORI
:ESPOLIO DE ROQUE JOSE SARTORI
ADVOGADO:TALAI DJALMA SELISTRE
REPRESENTANTE:IEDA SARTORI
AUTOR:MARION ARLETE SARTORI FELDMANN
:CARLOS ERNESTO SARTORI
:PATRICIA SARTORI
:MARIO HARLEY SARTORI
ADVOGADO:TALAI DJALMA SELISTRE
RÉU:BANCO DO BRASIL S/A
ADVOGADO:RICARDO RODRIGUES RUIZ
RÉU:UNIÃO – FAZENDA NACIONAL

SENTENÇA

Trata-se de ação declaratória mandamental de revisão de contratos cumulados com pedido de antecipação de tutela, ajuizada inicialmente perante a Justiça Estadual de Porto Alegre, em que se postula a

(1) declaração de nulidade da cessão de créditos do Banco do Brasil para a União, bem como

(2) a exclusão da mora da dívida a partir da edição do decreto expropriatório da fazenda dos autores, e

(3) a determinação de recálculo das cédulas representativas do débito. De outra parte, postulam

(4) a declaração do direito ao bônus por inadimplência em seu benefício, nos termos da Lei 9138/95, e

(5) a determinação para recálculo de todas as cédulas pignoratícias. Ainda, requereram

(6) a exclusão, do montante da dívida, do valor relativo ao prejuízo ocasionado pelo Plano Collor, no montante de R$ 267.872,18 (duzentos e sessenta e sete mil, oitocentos e setenta e dois reais e dezoito centavos).

Relataram os autores, sucessores do Espólio de Roque José Sartori, que, em função da atividade agropecuária desenvolvida pela família na Fazenda Inhacapetum, foram contraídos diversos financiamentos junto ao Banco do Brasil, visando ao seu custeio e investimentos. Em virtude de dificuldades enfrentadas pelo setor agrícola a partir da implementação dos diversos planos econômicos desde 1986, os requerentes passaram a enfrentar sérias dificuldades para honrar a dívida. Com o falecimento do genitor Roque José Sartori, a fim de possibilitar o desenvolvimento da atividade produtiva, os sucessores – ora autores – firmaram contratos de securitização dos débitos oriundos das contratações de crédito rural, benefício concedido através da Lei 9138/95, com o intuito de sanar e uniformizar o tratamento dado às dívidas do setor. Esses contratos, na forma de cédulas pignoratícias, foram assumidos pelos sucessores, cabendo, a cada um deles, uma fração da dívida. No mesmo ato, foram entregues, em dação em pagamento parcial do débito, 500 hectares de terras da Fazenda Inhacapetum. Embora tenha sido entabulado o negócio para permitir a retomada da atividade produtiva na fazenda, o Banco do Brasil, além de não dar acesso ao crédito necessário, impossibilitou a tomada de recursos junto a outras instituições financeiras, pois detinha todo o patrimônio como garantia das operações de securitização. Mesmo assim, os contratos foram mantidos sempre em dia. Como conseqüência de um protocolo firmado entre o Banco do Brasil e o INCRA, as terras oferecidas em dação em pagamento no negócio foram repassados à indigitada autarquia, que, juntamente com agentes da Secretaria da Reforma Agrária do Estado do Rio Grande do Sul, procurou os autores com o intuito de adquirir o restante da área ainda de propriedade do espólio. Inexitosas as tentativas de acordo, tendo em vista que a oferta foi muito inferior aos valores praticados no mercado imobiliário regional, os postulantes manifestaram formalmente a desistência dessa negociação. Em vista disso, o Estado do Rio Grande do Sul expediu o Decreto Estadual nº 41.241, de 27/11/01, expropriando a parte remanescente da Fazenda Inhacapetum. Assim, sustentaram que a desapropriação da fazenda foi motivada pelo Banco do Brasil, eis que, na condição de credor dos autores, detinha com o INCRA um protocolo para repasse das áreas recebidas por dação em pagamento e, o INCRA, que por sua vez, possuía protocolo de parceria para implementação da reforma agrária com o Estado do Rio Grande do Sul. Apesar desses obstáculos, os autores conseguiram manter os créditos em dia até a data da desapropriação, a partir de quando ficaram impossibilitados de explorar a atividade agropecuária na fazenda. Salientaram que a desapropriação se deu para fins de reforma agrária e assentamento de famílias de colonos sem terra, cuja competência, assinalaram, é exclusiva da União, apesar da participação do INCRA no procedimento administrativo. O Estado do RS foi liminarmente imitido na posse (ação de desapropriação n° 1.03.0003948-0, Comarca de Santiago), sendo a área ocupada imediatamente por aproximadamente 100 famílias de sem-terras. Ao longo da discussão judicial sobre a legitimidade da ocupação, os invasores passaram a ameaçar a integridade física dos autores, bem como a promover a destruição das benfeitorias existentes na área, fatos que culminaram com a determinação judicial para que a Brigada Militar realizasse a proteção da matriarca da família Sartori; que, apesar de desenvolverem o plantio na maior parte dos campos, os invasores impediram o plantio pelos arrendatários. Destacou a colaboração do Estado do Rio Grande do Sul com as invasões, tendo seus agentes inclusive auxiliado na demarcação e loteamento da área da fazenda. Embora sustado o efeito do decreto expropriatório e determinada a desocupação das terras, por decisão do Superior Tribunal de Justiça, o Estado do RS permaneceu oferecendo resistência ao cumprimento da ordem, até que nos autos do agravo de instrumento nº 70005545496, foi determinada, ao Governador do Estado, a desocupação da área. A ordem não foi atendida pela Administração Estadual, de modo que, em face da demora no julgamento dos processos pendentes, e tendo em vista o fato de os autores terem ficado privados da exploração da atividade econômica na fazenda por mais de três anos, os autores foram forçados a firmar acordo com o Estado do RS. Em face da inadimplência pela ausência de receita no período de cessação da atividade produtiva, os autores contataram com os credores para negociar o afastamento da inadimplência. Apesar disso, o Banco do Brasil condicionou a formalização do acordo ao pagamento de 32,5% da dívida, tendo em vista que o pedido de repactuação não se enquadrava nos patamares da Lei 10437/02. Impossibilitados do pagamento em face da inviabilidade da exploração econômica da fazenda, novamente formularam pedido de acordo, que sequer foi respondido pelo banco. Em 08/06/05 os autores elaboraram novo pedido, para afastamento da inadimplência sobre as parcelas vencidas, e a exclusão da mora, em decorrência da desapropriação. Em 05/07/05, o Banco do Brasil notificou os autores, comunicando a cessão dos créditos à União, bem como sobre o dever de pagar as parcelas vencidas, sob pena de inscrição em dívida ativa e demais órgãos de proteção ao crédito. Salientaram que só houve mora no pagamento das obrigações após a desapropriação, e que o Banco do Brasil somente deu ciência da cessão do crédito mais de três anos depois da publicação da MP 2196-3/01. Sustentaram a legitimidade do Banco do Brasil para figurar na demanda, considerando que os contratos que originaram o crédito foram firmados com a instituição financeira, bem como porque permaneceu na administração dos créditos. Disseram que a cessão de créditos na medida provisória não foi uma determinação, mas uma faculdade para o banco, assim como a faculdade da União em recebê-los. Consideraram indevida a imposição dos encargos de mora sobre o crédito, em razão de caso fortuito/força maior, decorrente da desapropriação, que impossibilitou a exploração econômica da fazenda, e conseqüentemente, o adimplemento das obrigações. Assim, aduziram que não são responsáveis pelos prejuízos resultantes do caso fortuito/força maior, sendo indevida a incidência da mora. De outra parte, asseveraram que a desapropriação tem caráter de fato do príncipe, de modo que, com base nesse fundamento deve ser excluída a cobrança de mora no período correspondente à tramitação da desapropriação. Por outro lado, tendo em vista que a inadimplência dos contratos de securitização somente se deu após a desapropriação da Fazenda Inhacapetum, alegaram que têm direito à incidência das regras previstas na Resolução CMN/BACEN nº 2963, que estabelece novas formas de cálculo e concede bônus por inadimplência aos devedores. Em conformidade com esse regulamento, sustentaram que o valor devido deve ser apurado em 31/10/01, e sobre este incidir os bônus previstos pelas Resoluções nºs 2666 e 2693. Sobre o montante apurado, de R$ 1.172.548,97 (um milhão, cento e setenta e dois mil, quinhentos e quarenta e oito reais e noventa e sete centavos), requereram ainda a revisão e exclusão do diferencial do Plano Collor embutido na cédula nº 96/70101-3, titularizada por Ieda Sartori, por caracterizar enriquecimento sem causa; que os valores securitizados acima do limite de R$ 200.000,00 (duzentos mil) são relativos ao Plano Collor, e devem ser afastados. Citaram respaldo na Lei 8138/95 e na Resolução BACEN nº 2220 para afastar a incidência do Plano Collor sobre os meses de março-abril/90. Com espeque na Resolução BACEN nº 2238, disseram que a renegociação de débitos em que constam operações empregadas para liquidação de outras, deve-se retroceder à operação original para sua revisão, e que somente haverá incidência do Plano Collor com a concordância do mutuário, o que não se deu na hipótese. Requereram a concessão de antecipação de tutela para determinar que o banco réu se abstenha da inscrição dos débitos em dívida ativa, bem como da inscrição em cadastros restritivos de crédito. Juntaram documentos.
Declinada a competência para a Justiça Federal, foi interposto agravo de instrumento pelos autores, que restou improvido em relação ao pleito.
Remetidos à Justiça Federal, os autos foram distribuídos a este Juízo.
Intimados, os autores promoveram o recolhimento das custas e atribuíram à causa o valor de R$ 267.872,18 (duzentos e sessenta e sete mil, oitocentos e setenta e dois reais e dezoito centavos).
Relegada a apreciação do pedido antecipatório para após a manifestação dos réus.
A União se manifestou (fls. 359-364), sustentando sua ilegitimidade passiva e a prescrição, inclusive do fundo de direito. Alegou a inépcia da inicial. Asseverou que os contratos estão em vigor, que as cláusulas são legais, e que a cessão de crédito foi autorizada por norma com força de lei.
O Banco do Brasil apresentou contestação e resposta na mesma peça (fls. 369-402). Referiu que o caso envolve diversas operações de financiamento rural contraídas pelos autores junto ao Banco do Brasil que restaram impagas, e posteriormente renegociadas através da securitização das dívidas agrárias proporcionada pela União, sendo normatizada exclusivamente pela Resolução BACEN 2238/96, que regulamentou a aplicação da Lei 9138/95. Salientou que os autores não fazem jus a qualquer benefício além dos contratados, tendo em vista o não preenchimento dos requisitos legais; que nenhum documento por eles solicitado deixou de ser fornecido na época. Asseverou que as condições legais para renegociação das dívidas deixaram de ser cumpridas pelos demandantes, e que esses impedimentos são alheios a qualquer tipo de ato comissivo ou omissivo do Banco do Brasil; que decorridos mais de quatro anos, os requerentes nunca se interessaram pelo cumprimento da securitização de todos os contratos objeto da demanda. Salientou que a desapropriação ajuizada pelo INCRA não pode ser atribuída ao Banco do Brasil. De outra parte, mencionou que não há relação jurídica continuativa, uma vez que houve a contratação de um plano governamental chamado de “Securitização I” em 1996, pela qual as dívidas contraídas pelos autores foram repassadas à União, por força da Lei 9138/95 e resoluções. Mencionou que a Resolução BACEN nº 2238/96 prevê que, na formalização da operação de alongamento do financiamento, o crédito resultante é cedido ao Tesouro Nacional, em face do que a União passou a ser a única credora da relação jurídica de direito material, e o agente financeiro passou a ser mero garantidor da obrigação perante o Tesouro. Quanto à legitimidade passiva, disse que a União é a única credora, e que o Banco do Brasil é mero mandatário daquela. Salientou que a securitização instituída pela Lei 9138/95 se constitui em negócio jurídico atípico, de modo que a cessão do crédito implicou novação subjetiva; que a cessão não necessita de comprovação, por estar expressa na norma. Sustentou que a relação obrigacional anterior restou completamente descaracterizada, já que o agente financeiro credor passou a ser avalista da securitização. De outra parte, aduziu que a cessão tem plena eficácia em relação aos devedores, pois os demandantes tiveram ciência no ato de formalização, e foram notificados antes do ajuizamento desta ação, desqualificando o pedido de nulidade da cessão. Assim, entendem estar extinta a relação jurídica obrigacional entre o banco e os demandantes; que, em vista disso, a prorrogação estipulada pela Lei 10.437/02 somente poderia ter sido contratada se os demandantes cumprissem os requisitos e os prazos da lei, sujeita ainda à concordância da União com a repactuação. Nesse passo, em face de sua ilegitimidade, o Banco do Brasil requereu a extinção, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Mencionou, ainda, ser inadmissível a revisão dos contratos, tendo em vista que não existe mais no mundo jurídico após a cessão do crédito. Como prejudicial de mérito, sustentou a decadência do direito à revisão do contrato que envolveu a cessão do crédito, datado do ano de 1996. Assinalou a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, face ao seu advento em data posterior ao contrato; que, caso reconhecida sua incidência, postula o reconhecimento da prescrição prevista no art. 26. Ainda, mencionou a decadência do direito à prorrogação da securitização, em face da ausência do depósito de 32,5% de todas as cédulas até 29/06/02; que a prorrogação da securitização é ato vinculado, sujeita aos limites fixados na lei. No mérito, salientou que a pretensão de anulação unilateral do contrato contraria toda a legislação pertinente, o princípio da pacta sunt servanda e ofende o ato jurídico perfeito; que a aplicação de taxas de juros e de correção monetária diferente das contratadas para o benefício do recálculo implicará violação das disposições da Lei 9.138/95; que o saldo devedor já foi revisado com a observância das disposições legais; que a taxa de juros a ser aplicada para o recálculo determinado em lei é a prevista no contrato até o respectivo vencimento. Quanto à mora dos autores, salientou que a comissão de permanência é válida e não incidiu no recálculo da operação originária de securitização, mas nas cédulas os encargos estão limitados por força do art. 5º da MP 2196/01. Registrou que não há óbice à pactuação da comissão de permanência, a título de mora, substituindo a incidência de correção monetária. Quanto ao Plano Collor, disse que a inclusão se deu por vontade dos mutuários, que utilizaram o programa para solucionar o problema de seu endividamento, sendo que não há impedimento à inclusão da diferença de índices na securitização; que o que os postulantes pretendem é a invalidação do contrato de 1996, o que não merece ser acolhido em face da decadência desse direito. Salientou, nesse passo, que o alongamento previsto na Lei 10.437/02 é inaplicável ao débito, vez que o prazo para adesão expirou em 28/06/02 (art. 10); que mesmo com a prorrogação prevista pela Resolução BACEN 2990/02, não houve o preenchimento dos requisitos legais. No que atine às garantias, disse que diante da situação de inadimplência, o pedido de prorrogação não poderia ser admitido sem o oferecimento de garantias idôneas. Assinalou que a alegação de inconstitucionalidade da MP 2196/01 é destituída de fundamento, uma vez que a cessão do crédito à União ocorreu no ato de formalização da securitização, e não em face da medida provisória. Apresentou impugnação em relação aos cálculos dos autores, em face da não demonstração dos índices relativos aos períodos de mora. Prequestionou a matéria. Requereu a rejeição da liminar, e a improcedência da ação.
A União, em sua contestação (fls. 407-412), argüiu preliminarmente sua ilegitimidade passiva, e a prescrição, inclusive do fundo de direito, em face da definição do saldo devedor há mais de cinco anos e da não-insurgência dos autores nesse prazo. Apontou ainda a inépcia da inicial em relação ao pedido de condenação à indenização de tudo que esteja sendo cobrado a maior, em face da ausência de elementos fáticos e jurídicos nesse sentido. No mérito, a União aduziu a vigência dos contratos, a legalidade das cláusulas, bem como a existência de autorização legal para a cessão do crédito. Salientou que os contratos são explícitos em relação a valores, taxas e prazos; que os prejuízos decorrentes da desapropriação devem ser buscados contra quem lhes deu causa. Requereu o acolhimento das preliminares, e a improcedência da ação.
Indeferido os pedidos de antecipação de tutela (fls. 414-415). Em virtude do agravo de instrumento interposto pelos autores, a decisão foi reformada para conceder parcialmente a antecipação da tutela, determinando à União a apresentação do instrumento de cessão do crédito, sob pena de incidência de multa diária.
A parte autora apresentou réplica (fls. 419-436).
Tendo em vista o descumprimento da decisão pelo Banco do Brasil, houve a majoração da multa diária incidente. De outra parte, foi deferido o pedido de depósito do valor discutido na ação.
Comprovado depósito (fl. 516) e demonstrado o cumprimento da determinação pelo Banco do Brasil, foi revogada a multa.
A União noticiou irregularidade processual em razão da intimação da AGU, quando deveria ter sido chamada aos autos a Procuradoria da Fazenda Nacional. A irregularidade foi considerada sanada em face da ausência de prejuízos.
Após a manifestação das partes, vieram os autos conclusos para sentença e baixaram em diligência para juntada de comprovante da cessão dos créditos.
Noticiada a existência de fato novo. Designada audiência de conciliação, restou frustrada.
A parte autora requereu incidência da lei superveniente 11775/08, tendo sido deferido depósito complementar a fim de que ela satisfizesse seus requisitos.

É o relatório. Decido.

1. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do Banco do Brasil S/A e da União
O Banco do Brasil S/A suscitou sua ilegitimidade passiva em decorrência da transmissão dos créditos referentes aos empréstimos rurais em favor da União, operacionalizada com a edição da MP nº 2.196-3/2001, entendendo, assim, não subsistir a responsabilidade sobre os contratos objeto de revisão.
Embora operacionalizada a cessão de crédito do Banco do Brasil para a União a partir de 29/06/01, conforme notificado pela União por meio dos instrumentos das fls. 166-178, de 24/08/01, persiste a legitimidade do Banco do Brasil para a lide, eis que a administração dos contratos continuaria a ser realizada pela instituição financeira, nos termos do art. 16 da Medida Provisória 2196-3/01:
Art. 16. Fica a União autorizada a contratar diretamente as instituições financeiras federais para administrar os créditos por ela adquiridos ou recebidos em pagamento em decorrência do disposto nesta Medida Provisória, com poderes para representá-la em eventuais instrumentos contratuais concernentes a tais créditos, previamente autorizados pelo Ministério da Fazenda.

Assim, ambas as partes possuem legitimidade para figurar na demanda, a União em virtude da cessão dos créditos em seu favor, e o banco réu, em razão da permanência na administração dos contratos, conforme previsão normativa. Logo, não merece prosperar a preliminar invocada.

2. Prescrição/decadência

Os autores firmaram contrato com o Banco do Brasil S/A em 22 de julho de 1996, sendo emitidos as Cédulas Rurais Pignoratícias e Hipotecárias de nºs 9670103-X, 96/70104-8, 96/70100-5, 96/70102-1, 96/70101-3 e 96/70105-6 (fls. 58-149), no valor total de R$ 1.426.287,46 (um milhão, quatrocentos e vinte e seis mil, duzentos e oitenta e sete reais e quarenta e seis centavos), com vencimento para 31 de outubro de 2005.
O contrato foi firmado na vigência do Código Civil de 1916 que previa no artigo 177 o prazo prescricional de 20 (vinte) anos para as ações pessoais, mas com o advento do Código Civil de 2002 o referido artigo foi revogado, sendo reduzido o prazo prescricional das ações pessoas para 10 (dez) anos (artigo 205).
Art. 205 A prescrição ocorre em 10 (dez) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

O artigo 2028 do Código Civil de 2002 regulamenta as disposições transitórias dos prazos prescricionais reduzidos pelo referido diploma legislativo, o qual determina a aplicação da lei anterior (Código Civil de 1916) nos casos de ter transcorrido mais da metade do prazo prescricional na data de sua entrada em vigor, entretanto como nos presentes autos não transcorreu mais da metade do prazo prescricional aplica-se o prazo do Código Civil de 2002.
Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

In casu, o contrato foi firmado pelos demandantes em julho de 1996, tendo transcorrido 7 (sete) anos entre a data de firmatura do contrato e da vigência do novo Código Civil, logo o prazo prescricional a ser aplicado nos presentes autos é de 10 (dez) anos.
Portanto, o prazo prescricional da pretensão revisional do contrato em litígio findou-se no dia 23 de julho de 2006; porém, como a presente ação revisional foi proposta antes do término do prazo prescrição, 21 de novembro de 2005, afastam-se as alegações de prescrição da dívida e dos acessórios.
Neste sentido é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. (AC nº 2002.71.00.026417-0, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 3º turma, D.E 28/10/2009).

SFH . AÇÕES ORDINÁRIA E REVISIONAL. JULGAMENTO CONJUNTO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. PRESCRIÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA HABITASUL. NULIDADE DA SENTENÇA. PES. SEGURO. TAXA DE JUROS. CAPITALIZAÇÃO. VALORES CONSIGNADOS.1. PRESCRIÇÃO – O contrato foi firmado em 03/05/1993, na vigência do Código Civil de 1916, que previa em seu artigo 177 o prazo prescricional de 20 anos para as ações pessoais e de natureza privada. No CC/2002, o prazo prescricional das ações pessoais passou a ser de 10 anos (art. 205). In casu, os autores estão inadimplentes desde 03/03/2001, (laudo, fl. 259, ação consignatória), quando então começou a correr o prazo prescricional de 20 anos. Com a entrada em vigor do novo código civil, contudo, como não havia transcorrido mais da metade desse prazo (art. 2.028), a prescrição em curso passou a ser de 10 anos. Como ainda se está em 2009 (data deste julgamento), não há que se falar em prescrição da dívida e seus acessórios.
(…)

No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Resp nº 963150/PR, Ministra Eliana Calmon, 2º Turma, DJe 17/11/2009).

CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. DEPÓSITOS JUDICIAIS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. PRAZO PRESCRICIONAL. ARTIGOS 177 DO CÓDIGO CIVIL ANTERIOR, 205 E 2.028 DO DIPLOMA ATUAL. OBSERVÂNCIA À REGRA DE TRANSIÇÃO. 1. A jurisprudência desta Corte tem firmado o entendimento de que a correção monetária dos depósitos judiciais ou das cadernetas de poupança integram o próprio crédito, constituindo, pois, o
principal, e não mero acessório. 2. Da mesma forma, firmou-se a orientação que, por se tratar de obrigação de natureza pessoal, o prazo prescricional na hipótese é vintenário, na vigência do Código Civil anterior, e decenal, a partir da entrada em vigor do diploma atual. 3. Quanto ao termo inicial do prazo prescricional, há de considerar-se a regra de transição estabelecida expressamente no art. 2.028 do Novo Código. 4. Reduzido o prazo pelo Código atual e transcorrido mais da metade do tempo previsto no diploma anterior, deve ser considerado o prazo prescricional vintenário na hipótese.5. Com base nessas premissas, afasta-se a prescrição da pretensão à correção monetária dos depósitos judiciais cujo levantamento ocorreu em 05.05.1990, 20.03.1995 e 16.10.1997, respectivamente, considerando que a ação foi ajuizada em 02.03.2004 .6. Recurso especial provido para afastar a prescrição e determinar que o Tribunal de origem aprecie o mérito da demanda como entender de direito.

Ainda que se considerasse o prazo do D. 20910/32, em virtude da cessão de crédito à União, seu prazo principiaria quando da referida cessão (de 29/06/01), de forma que, ainda assim, a ação teria sido tempestivamente proposta (ela que o foi em 21/11/05), porque antes do transcurso integral do lustro (que se daria apenas em jun/06).

Portanto, afasto as alegações de prescrição da pretensão revisional do contrato em litígio.

3. Desapropriação e afastamento da mora

Os autores são titulares de dívida oriunda de diversos financiamentos agrícolas realizados para exploração agropecuária da Fazenda Inhacapetum, sendo constituída em seu favor, através de contratos de securitização formalizados mediante cédulas rurais pignoratícias e hipotecárias nos termos da Lei 9138/95 e Resolução 2220/95, do Conselho Monetária Nacional, após o falecimento de Roque José Sartori. Com a sucessão do débito, os herdeiros continuaram a cumprir os contratos assumidos, até o momento da desapropriação do imóvel, quando ficaram impossibilitados de honrar as parcelas do financiamento.
Nesse passo, atribuem as condições que motivaram a inadimplência do contrato ao ato expropriatório, pelo que postulam a exclusão da mora a partir da edição do Decreto 41.241, de 27/11/01, do Estado do Rio Grande do Sul.
Da análise fática, extrai-se que o inadimplemento dos contratos tem origem, efetivamente, no ato expropriatório, que determinou a perda da posse da fazenda pelos autores. Assim, evidenciada a imprevisibilidade do ato jurídico em questão, e suas conseqüências em relação ao regular cumprimento do contrato, já que os recursos utilizados pelos autores tinham origem na exploração da atividade agropecuária na Fazenda Inhacapetum, há que se analisar a situação à luz da teoria da imprevisão.
A teoria da imprevisão tem aplicabilidade quando uma situação nova e extraordinária surge no curso do contrato, colocando uma das partes em extrema dificuldade. Assim, esta situação nova e extraordinária muda o contexto em que se celebrou a avença e faz crer, com certeza, que uma das partes não teria aceito o negócio se soubesse da possibilidade da ocorrência daquela situação.
Em outras palavras, a teoria da imprevisão é a tradução da fórmula contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur, ou seja, nos contratos de trato sucessivo ou a termo, o vínculo obrigatório entende-se subordinado à continuação daquele estado de fato vigente ao tempo da estipulação.
A aplicação da cláusula rebus sic stantibus não prescinde da observância de determinados requisitos: 1) contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e de execução continuada ou diferida; 2) acontecimento extraordinário e superveniente; 3) imprevisibilidade do acontecimento; 4) desproporção, de forma que a prestação do devedor se torna excessivamente onerosa, ao mesmo tempo que há um ganho exagerado do credor.
Entre os requisitos, porém, assume destaque a imprevisibilidade do ocorrido, que deve ser verificada objetivamente, fugindo a questões meramente subjetivas do contratante, de maneira que se possa crer, com certeza, que a avença não teria sido concretizada se fosse conhecida, pelo contratante, a possibilidade desta mudança de contexto.
In casu, a desapropriação do imóvel assume inexoravelmente a condição de circunstância imprevisível: trata-se de fato do príncipe ao qual se seguiu um esbulho não solucionado pelas forças policiais, ainda que expedido mandado judicial de reintegração. Diante desse fato, deve ser reconhecido o prejuízo dos demandantes em razão desse evento, pelo que o afastamento dos efeitos da mora a partir da efetiva obstrução da atividade produtiva na Fazenda Inhacapetum, com a publicação do decreto expropriatório.
Embora os postulantes sustentem que a desapropriação tenha sido motivada pelo Banco do Brasil, não há evidências nesse sentido. O fato da existência de convênio entre o banco réu e o INCRA não impõe essa conclusão, já que a Administração Pública tem legitimidade para definir os casos em que a expropriação será consumada. Na hipótese, a desapropriação se deu com fundamento no art. 2º, III, da Lei 4132/62 (“Art. 2º Considera-se de interesse social: (…) III – o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola;”), conforme se denota da inicial da ação de desapropriação nº 1.03.0003948-0, em trâmite na 1ª Vara Cível de Santiago/RS (fls. 230 e seguintes).
Com o deferimento do pedido liminar de imissão da posse na referida ação de desapropriação ao Estado do Rio Grande do Sul, a propriedade foi imediatamente ocupada pelos integrantes do movimento Sem Terra, sendo obstaculizado aos demandantes as faculdades de domínio sobre a propriedade, previstas no artigo 1228 do Código Civil brasileiro.

Art. 1228- O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha.

Além dos institutos da posse o referido dispositivo assegura ao proprietário o direito de reaver o bem do poder de quem quer que injustamente a possua. Entretanto tal direito não foi respeitado, pois mesmo tendo sido sustado o efeito do decreto expropriatório pelo Superior Tribunal de Justiça, a administração Estadual não atendeu a decisão judicial.
Ademais, também foi violado o Princípio do Respeito à Propriedade expresso na Magna Carta no artigo 5º inciso XXII e no artigo 1º, Procotolo n.1, adicional à Convenção de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa (CEDH), o qual prescreve: “a cada um o direito ao respeito de seus bens”.
Não sendo garantido aos demandantes o direito à propriedade plena estes ficaram tolhidos de extrair qualquer tipo de renda da sua propriedade.
Devido à ausência de recursos econômicos o financiamento contraído para o custeio e investimento na atividade agropecuária não foi adimplido.
Verifica-se pela documentação de fls. 179/191, que os pagamentos das parcelas do financiamento deixaram de ser realizados a partir do dia 26 de junho de 2002, ou seja, sete meses e dois dias depois da desapropriação.
O artigo 393 do Código Civil estabelece que não sendo o devedor (demandantes) o responsável pelo caso fortuito e pela força maior (ação de desapropriação) não podem recair sobre ele os encargos moratórios.

Art. 393 O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Pela conclusão da ação de desapropriação verifica-se que os demandantes não deram ensejo à ação de desapropriação, pois foi determinado pelo Superior Tribunal de Justiça à reintegração de posse aos demandantes, logo é cristalina a incidência do caso fortuito e da força maior.
Não sendo os demandantes os responsáveis pelo caso fortuito e nem pela força maior inexiste mora, por conseqüência não há que se falar em encargos moratórios. Nesse sentido o artigo 396 também do Código Civil prevê a exclusão da mora quando o fato ou a demora não for imputável ao devedor:

Art. 396 Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor não incorre este em mora.

A 2º turma do Superior Tribunal de Justiça, em paradigmático aresto, enfrentou caso análogo ao dos presentes autos, isentando de ônus financeiro o devedor (débito tributário naquele caso, contratual no presente), justamente ao argumento de que o esbulho possessório teria impedido a exploração da terra. O aresto assume maior importância porquanto ali superou-se inclusive o nexo imputação do ilícito: lá, como aqui, o ato ilícito omissivo (reintegração não cumprida) era atribuível ao estado-membro; nada obstante, lá, como aqui, quem arca com as conseqüências financeiras (ITR e consectários da mora, respectivamente) é terceiro, a União. Confira-se a ementa do arrojado precedente, mutatis mutandis:

TRIBUTÁRIO. ITR. INCIDÊNCIA SOBRE IMÓVEL. INVASÃO DO MOVIMENTO “SEM TERRA”. PERDA DO DOMÍNIO E DOS DIREITOS INERENTES À PROPRIEDADE. IMPOSSIBILIDADE DA SUBSISTÊNCIA DA EXAÇÃO TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. Conforme salientado no acórdão recorrido, o Tribunal a quo, no exame da matéria fática e probatória constante nos autos, explicitou que a recorrida não se encontraria na posse dos bens de sua propriedade desde 1987.
2. Verifica-se que houve a efetiva violação ao dever constitucional do Estado em garantir a propriedade da impetrante, configurando-se uma grave omissão do seu dever de garantir a observância dos direitos fundamentais da Constituição.
3. Ofende os princípios básicos da razoabilidade e da justiça o fato do Estado violar o direito de garantia de propriedade e, concomitantemente, exercer a sua prerrogativa de constituir ônus tributário sobre imóvel expropriado por particulares (proibição do venire contra factum proprium).
4. A propriedade plena pressupõe o domínio, que se subdivide nos poderes de usar, gozar, dispor e reinvidicar a coisa. Em que pese ser a propriedade um dos fatos geradores do ITR, essa propriedade não é plena quando o imóvel encontra-se invadido, pois o proprietário é tolhido das faculdades inerentes ao domínio sobre o imóvel.
5. Com a invasão do movimento “sem terra”, o direito da recorrida ficou tolhido de praticamente todos seus elementos: não há mais posse, possibilidade de uso ou fruição do bem; consequentemente, não havendo a exploração do imóvel, não há, a partir dele, qualquer tipo de geração de renda ou de benefícios para a proprietária.
6. Ocorre que a função social da propriedade se caracteriza pelo fato do proprietário condicionar o uso e a exploração do imóvel não só de acordo com os seus interesses particulares e egoísticos, mas pressupõe o condicionamento do direito de propriedade à satisfação de objetivos para com a sociedade, tais como a obtenção de um grau de produtividade, o respeito ao meio ambiente, o pagamento de impostos etc.
7. Sobreleva nesse ponto, desde o advento da Emenda Constitucional n. 42/2003, o pagamento do ITR como questão inerente à função social da propriedade. O proprietário, por possuir o domínio sobre o imóvel, deve atender aos objetivos da função social da propriedade; por conseguinte, se não há um efetivo exercício de domínio, não seria razoável exigir desse proprietário o cumprimento da sua função social, o que se inclui aí a exigência de pagamento dos impostos reais.
8. Na peculiar situação dos autos, ao considerar-se a privação antecipada da posse e o esvaziamento dos elementos de propriedade sem o devido êxito do processo de desapropriação, é inexigível o ITR diante do desaparecimento da base material do fato gerador e da violação dos referidos princípios da propriedade, da função social e da proporcionalidade.
9. Recurso especial não provido. (RESP nº 1.144.982/PR)

Portanto, inexistindo culpa dos demandantes pela mora, afasto os encargos moratórios desde o dia 27 de novembro de 2001, data em que foi publicada desapropriação.

4. Da cessão do crédito

Aduz a parte autora que a cessão de crédito realizada pelo Banco do Brasil S/A em favor da União, com base na Medida Provisória nº 2196-3, de 24/08/01, é ilegal e deve ter sua nulidade decretada, restituindo-se a titularidade à instituição financeira.
Não merece ser provida a tese no sentido da ilegalidade ou inconstitucionalidade da cessão de crédito efetuada nos termos autorizados pela Medida Provisória n° 2.196-3/01, uma vez que esta resguardou o interesse público, e a alteração do credor (dos bancos para a Fazenda Nacional) não representou infringência a qualquer preceito constitucional.
A Lei nº 9138, de 29/11/95, dispôs sobre o alongamento do crédito rural por um período mínimo de sete anos (art. 5º, § 5º), permitindo que as dívidas rurais contraídas por produtores rurais, suas associações, condomínios e cooperativas, inclusive as de crédito rural, comprovadamente destinadas às atividades produtivas, pudessem ser beneficiadas com um refinanciamento, importando na equalização dos encargos financeiros incidentes. Há previsão de que os refinanciamentos deveriam ser formalizados por meio de cédulas de crédito rural (art. 4º, § único), com limite máximo, para cada emitente do instrumento de crédito, o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), o que foi feito em relação às dívidas rurais contraídas pela parte autora.
Infere-se da documentação constante dos autos que os autores contrataram com o Banco do Brasil S/A em 22/07/1996, a emissão das Cédulas Rurais Pignoratícias e Hipotecárias de nºs 9670103-X, 96/70104-8, 96/70100-5, 96/70102-1, 96/70101-3 e 96/70105-6 (fls. 58-149), totalizando R$ 1.426.287,46 (um milhão, quatrocentos e vinte e seis mil, duzentos e oitenta e sete reais e quarenta e seis centavos) à época, com vencimento para 31/10/05.
Com a edição da Medida Provisória nº 2196-3, de 24/08/01, estabeleceu-se o programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais, autorizando a criação da Empresa Gestora de Ativos-EMGEA, in verbis:

“Art. 2º- Fica a União autorizada, nas operações originárias de crédito rural, alongadas ou renegociadas com base na Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995, pelo BB, pelo BASA e pelo BNB, a:
(…)
V- receber, em dação em pagamento, os créditos correspondentes às operações celebradas com recursos do Tesouro Nacional. (…)”

À época da edição da predita medida provisória, estava em vigor o Código Civil de 1916, de cujos artigos 1.065 e 1.069 se extrai que o credor poderia ceder seu crédito, desde que a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor autorizassem tal medida, cessão que seria válida se houvesse a notificação do devedor da obrigação.
Na hipótese em tela, agiu a instituição bancária ré nos termos impostos pela Medida Provisória nº 2196-3, transferindo seus créditos originados da securitização agrícola prevista na Lei nº 9138/95 à União, sendo imperioso frisar que não há, nos presentes autos, comprovação de que a parte autora, diga-se devedora, tenha desautorizado o Banco do Brasil S/A a efetivar a transferência dos aludidos créditos, antes pelo contrário, teve conhecimento mediante notificações de alteração de credor, datados de 05/07/05 a 08/07/05 (fls. 166-178), antes do vencimento das cédulas, ocorrida em 31/10/05.
Desse modo, tendo a parte autora sido regularmente notificada da cessão dos créditos, não assiste razão aos autores em relação à falta de eficácia da cessão em relação a si, nos termos do art. 290 do Código Civil atual, correspondente ao art. 1.069 do Código de 1916, vigente ao tempo da celebração do referido Termo Aditivo.
Assim, tendo a cessão de crédito sido perfectibilizada conforme previsto na Medida Provisória nº 2196-3, de 24/08/01, com plena ciência dos devedores (autores), não se constata qualquer vício ou ilegalidade a autorizar a decretação da sua nulidade.
Diante da legitimidade da cessão, nada obsta a sua inscrição em dívida ativa, com a decorrente atualização por índices próprios, bem como a sua cobrança através de execução fiscal, na forma dos artigos 39 da Lei 4320/64 e 2º da Lei 6830/80.

5. Exclusão do Diferencial do Plano Collor – Cédula nº 96/70101-3
Acerca do pedido de exclusão da diferença relativa ao Plano Collor I do montante relativo à cédula de nº 96/70101-3, registre-se que o mencionado plano de estabilização econômica fixou como índice oficial para a correção dos contratos, o da variação do BTNF, aplicando, inclusive, dita variação à correção dos preços mínimos agrícolas, em 41,28%.
O caso em questão diz respeito exatamente a financiamento agrícola, consubstanciado na confissão de dívida oriunda de contratos de financiamentos agrícolas, e corporificada na cédula rural pignoratícia e hipotecária nº 96/70101-3, nos termos previstos no art. 5º da Lei 9138/95.
Ocorre que, ao traduzir os valores dos financiamentos para a confissão de dívida, o Banco do Brasil aplicou a previsão do § 8º do art. 5º da citada lei, que dispõe:
Art. 5º. (…)
§ 8º. A critério do mutuário, o saldo devedor a ser alongado poderá ser acrescido da parcela da dívida, escriturada em conta especial, referente ao diferencial de índices adotados pelo plano de estabilização econômica editado em março de 1990, independentemente do limite referido no § 3º, estendendo-se o prazo de pagamento referido no §5º em um ano. (grifei)

Ou seja, o banco réu poderia lançar sobre o montante o percentual de 84,32% a título de correção monetária referente ao mês de março de 1990, desde que autorizado pelo mutuário.
A partir da análise da cédula rural nº 96/70101-3, constata-se que não houve qualquer anuência da postulante Ieda Sartori acerca da incidência do índice previsto para o mês de março de 1990.
Assim, diante da ausência de autorização do mutuário para incidência do percentual relativo à correção monetária naquele mês, há que ser excluído mencionado reajuste do débito da cédula rural nº 96/70101-3.
Trata-se de questão outrossim pacificada pelo STJ:

REsp 612991 Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES DJ03/02/2009
[…]
Por fim, no que se refere ao índice de correção monetária, o acórdão recorrido está em consonância com o entendimento pacificado por esta Corte no sentido de que, no mês de março de 1990, a correção monetária dos débitos das cédulas de crédito rural, com previsão de indexação monetária pelos índices da caderneta de poupança, deve ser calculada pelo índice de variação do BTNF, no percentual de 41,28%. No mesmo sentido, anote-se:
“CRÉDITO RURAL. JUROS. TAXA. LIMITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ADOÇÃO, COMO FATOR DE ATUALIZAÇÃO, DA VARIAÇÃO DO PREÇO MÍNIMO DO PRODUTO EM LUGAR DA TR. INADMISSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. MARÇO DE 1990.
– Não demonstrado que o Conselho Monetário Nacional tenha autorizado ou fixado taxa de juros acima de 12% ao ano em crédito rural, incide a limitação prevista na Lei de Usura.
– “O preço do produto não serve como indexador no financiamento rural, sendo, por outro lado, lícito o pacto de vinculação da correção monetária ao critério de atualização dos depósitos em caderneta de poupança”. Precedente do STJ.
– Tratando-se de crédito rural, em que prevista a correção monetária atrelada aos índices remuneratórios da caderneta de poupança, é aplicável, no mês de março/1990, o percentual de 41,28%, correspondente à variação do BTNF. Precedentes do STJ.
Recurso especial conhecido, em parte, e provido.” (REsp 168202/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, DJ 22.9.03);
“Crédito rural. Correção monetária. Março de 1990. Capitalização dos juros. Precedentes da Corte.
1. Os precedentes deste Tribunal afirmam que “em relação ao mês de março de 1990, a dívida resultante de financiamento rural com recursos captados de depósitos em poupança deve ser atualizada segundo o índice de variação do BTNF. Ante o atrelamento contratual, é injustificável aplicar-se o IPC, para a atualização da dívida, se os depósitos em poupança, fonte do financiamento, foram corrigidos por aquele índice”, sendo certo que o percentual a ser aplicado é o de 41,28% (RISTJ 79/155).
2. A Súmula nº 93/STJ prescreve que a “legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros”, não sendo nula a cláusula que dispõe que os juros podem, a critério do banco, ser capitalizados.
3. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido.” (REsp 174.286/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ
7.6.99).
Ante o exposto, nos termos do art. 557 do CPC, nego seguimento ao
recurso.
Publicar.
Brasília, 18 de dezembro de 2008.
MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator

6. Do alongamento da dívida da Lei 10437/02 e Resolução CMN 2963/02, bem como da L. 11.775/08

No que se refere à insurgência da parte autora acerca da não observância pelo banco réu do prazo de alongamento previsto na Lei nº 9138/95 e 10437/02, tenho que a pretensão não pode prosperar.
O artigo 10 da Lei nº 9.138/1995 deu ao Conselho Monetário Nacional a competência para dispor sobre as normas, condições e procedimentos a serem observados na formalização das operações de alongamento, verbis:

Art. 10. O Conselho Monetário Nacional deliberará a respeito das características financeiras dos títulos do Tesouro Nacional a serem emitidos na forma do art. 6º e disporá sobre as demais normas, condições e procedimentos a serem observados na formalização das operações de alongamento referidas nesta Lei.

Regulamentando os procedimentos para a formalização das operações de alongamento de dívida prevista nesta citada lei, a Resolução CMN nº 2238/96, em seu artigo 3º estabeleceu, verbis:

Art. 3º O beneficiário deve solicitar formalmente o alongamento de suas dívidas, até 29.02.96, e o respectivo instrumento de crédito deve ser formalizado até 30.06.96, observado que: (…)

No caso, conforme se denota do teor das cédulas de crédito rural nºs 9670103-X, 96/70104-8, 96/70100-5, 96/70102-1, 96/70101-3 e 96/70105-6 (fls. 58-149), no valor de R$ 1.426.287,46, com vencimento para 31/10/05, a Instituição Financeira assegurou aos demandantes o alongamento da dívida, na forma da Lei nº 9138/95, e da Resolução nº 2238/96.
De outra parte, de acordo com o previsto pelo art. 1º da Lei nº 10437/02, e no correspondente regulamento na Resolução CMN 2963/02, para que tivessem direito à prorrogação do vencimento da prestação devida em 31 de outubro de 2001 para 29 de junho de 2002, deveriam os mutuários, além de estarem adimplentes com suas obrigações até 29 de junho de 2002, efetuar o pagamento mínimo de 32,5% do valor do débito prorrogado até 29 de junho de 2002. Dispõe a Lei 10437/02:

Art. 1º – Ficam autorizados, para as operações de que trata o § 5o do art. 5o da Lei no 9.138, de 29 de novembro de 1995:
I – prorrogação do vencimento da prestação devida em 31 de outubro de 2001 para 29 de junho de 2002, acrescida dos juros pactuados de três por cento ao ano pro rata die;
II – pagamento mínimo de trinta e dois vírgula cinco por cento do valor a que se refere o inciso I até 29 de junho de 2002, mantido o bônus de adimplência previsto nos incisos I e V, alínea d, do § 5º do art. 5o da Lei no 9.138, de 29 de novembro de 1995.§ 1º Para adesão às condições previstas neste artigo, os mutuários deverão estar adimplentes com suas obrigações ou regularizá-las até 29 de junho de 2002.
§ 1o Para adesão às condições previstas neste artigo, os mutuários deverão estar adimplentes com suas obrigações ou regularizá-las até 29 de junho de 2002.
(…) (grifei)

Por coerência, a mesma ratio decidendi que inspirou o capítulo desta sentença acerca da mora se deve aplicar à presente questão. Da análise dos autos, verifica-se que os autores não demonstraram a satisfação dos requisitos da Lei 10437/02, seja quanto ao oferecimento de 32,5% do montante do débito, seja quanto à demonstração da adimplência do contrato na oportunidade. Sem embargo, ambas as condições, conforme supra abordado, se reputam não preenchíveis por ato não atribuível aos devedores, antes ao próprio estado, seja em face da desapropriação, seja em virtude da omissão no dever de segurança pública (esbullho). Assim, por incidência da isonomia, não se pode tolher dos autores um direito que lhes foi abstratamente deferido, mas cujas condições eram particularmente impossíveis, por circunstância aliás imputável à própria administração.
Já no que toca à L. 11.775/08, já se autorizou a discussão do temário, com ampliação do pedido -em virtude de jus superveniens, art. 462 do CC- em fl. 715 e ss, decisão não impugnada, pelo que preclusa.
Trata-se de se saber se é viável a renegociação de dívida relativa a crédito rural, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 1º da Lei nº 11.775/2008, afastadas as restrições impostas pelo art. 8º do mesmo diploma legal, porquanto este último determinou tratamento diferenciado, mais oneroso, para a renegociação de débitos inscritos em Dívida Ativa da União.
Tenho que ampara razão ao autor. Com efeito, a inscrição ou não de dívida em Débito Ativo da União é situação que decorre tão-somente de ato de escolha da Administração Pública, não dependendo de qualquer ato do devedor. Assim, a ambas as dívidas – as inscritas em Débito Ativo da União e as não inscritas – deve ser dispensado o mesmo tratamento, devendo-se afastar a incidência do art. 8º da Lei nº 11.775/2008.
Cabe, ainda, citar, adotando-os como rationes decidendi, os fundamentos do Juiz Everson Guimarães Silva, na sentença do processo nº 2008.71.10.004375-9 (da Vara Federal de Pelotas):

“Quanto ao mérito, tenho que assiste razão ao impetrante. Ofende os princípios da igualdade e isonomia a diferenciação efetuada entre os débitos inscritos em dívida ativa ou não, privilegiando-se os últimos com melhores condições de renegociação. Tanto um quanto outro estão na mesma situação substancial, a de devedores do Fisco. Estabelecer distinção à simples inscrição em dívida ativa, ato administrativo sobre o qual o devedor não tem qualquer ingerência, significa atribuir à entidade fazendária o momento a partir do qual o devedor possa ou não gozar das prerrogativas estabelecidas no texto legal para a renegociação de seus débitos.”

Conclui-se, pois, pela inconstitucionalidade, por afronta ao princípio da isonomia, da distinção prevista no art. 8º da Lei nº 11.775/2008, devendo ser acolhido o pedido do impetrante.

7. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

Insurge-se o demandado Banco do Brasil quanto a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na presente lide. A irresignação do demandado prospera, tendo em vista que a atividade exercida pelos demandantes é de consumo intermediário.
A atividade de consumo intermediário caracteriza-se pela aquisição, implementação ou incremento de bens ou serviços à atividade comercial exercida pela pessoa física ou jurídica.
In casu, tendo os demandantes adquirido o financiamento com o objetivo de aquisição de insumos e implementos agrícolas para a sua atividade comercial (agropecuária), verifica-se que a atividade de consumo dos demandantes é intermediária, portanto não aplicável o Código de Defesa do Consumidor.

Este é o entendimento do Ministro Fernando Gonçalves da 4º Turma do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DESTINAÇÃO FINAL. INOCORRÊNCIA. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO EM 12% AO ANO.DESCABIMENTO. 1. É pacífico, no âmbito da Segunda Seção desta Corte, o entendimento de que a aquisição de bens ou a utilização de serviços por pessoa natural ou jurídica com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo, mas como uma atividade de consumo intermediária, motivo por que resta afastada, in casu, a incidência do CDC. 2. Com a edição da Lei 4.595/64, não se aplica a limitação dos juros muneratórios em 12% ao ano aos contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, ut Súmula 596/STF. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. AgRg no Ag 834673 / PR, Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, DJe 09/03/2009

No mesmo sentido é o entendimento do Ministro Aldir Passarinho Junior também da 4º turma do Superior Tribunal de Justiça

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. CONTA CORRENTE. PESSOA JURÍDICA. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ALMEJADA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO DISCUTIDA. RELAÇÃO DE CONSUMO INTERMEDIÁRIA. INAPLICABILIDADE DA LEI N. 8.078/1990. I. Cuidando-se de contrato bancário celebrado com pessoa jurídica para fins de aplicação em sua atividade produtiva, não incide na espécie o CDC, com o intuito da inversão do ônus probatório, porquanto não discutida a hipossuficiência da recorrente nos autos. Precedentes.II. Nessa hipótese, não se configura relação de consumo, mas atividade de consumo intermediária, que não goza dos privilégios da legislação consumerista. III. Omissis. IV. Recurso especial não conhecido.” (REsp 716.386/SP, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, DJ de 15.09.2008)

Por fim, não configurada a relação de consumo, mas de atividade de consumo intermediária afasto a aplicação do Código de Defesa do consumidor.

Dispositivo

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, extinguindo o feito com julgamento de mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC, para:

a) declarar a ausência de encargos moratórios desde a edição do decreto expropriatório (27/11/2001);

b) declarar a não incidência do diferencial do plano Collor da cédula rural nº 96/70101-3 sendo portanto aplicável em março/1990 o percentual de 41,28%, correspondente à variação do BTNF, e não o índice de 84,32%;

c) reconhecer o direito do impetrante à realização da renegociação com base no art. 1º da Lei nº 11.775/2008, afastada a incidência do art. 8º da mesma lei, assim como com base na Lei 10437/02.

Face à sucumbência recíproca, porém de maior monta da União e do Banco do Brasil, condeno a primeira ao pagamento de honorários sucumbências, que fixo no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais) para a primeira e R$ 8.000,00 (oito mil reais) para o banco, já compensada a parte em que foram vencedores, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Sentença sujeita ao reexame necessário.
Vinda(s) a(s) apelação(ões), e satisfeitos os pressupostos recursais, recebo-a(s) no duplo efeito, oportunizando-se contra-razões e, após, devendo-se remeter o feito ao eg. TRF4.

Porto Alegre, 04 de maio de 2010.

Gabriel Menna Barreto von Gehlen,
Juiz Federal Substituto na Titularidade Plena

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