Dever de noticiar – Reportagem feita com base em processo não causa danos

Reportagem que se limita a noticiar a existência e o conteúdo de um processo não causa dano moral para a parte acusada. O entendimento é do juiz Tom Alexandre Brandão, da 20ª Vara Cível de São Paulo. Ele decidiu que a Editora Abril e o jornalista Ricardo Britto não devem pagar indenização por danos morais para o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia (PMDB-SP).

Quércia pediu R$ 200 mil de indenização por causa da reportagem Vergonha Nacional, publicada na edição 1.997 da revista , em 28 de agosto de 2007. O ex-governador alegou que a revista se aproveitou da votação do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação da lei de improbidade administrativa para apontá-lo como corrupto.

Os advogados Alexandre Fidalgo e Cynthia Romano, do escritório Lourival J. Santos Advogados, que representa a Editora Abril, afirmaram que a reportagem tratava do julgamento do STF sobre a aplicação da Lei de Improbidade em processos ajuizados contra agentes políticos. E, dependendo do resultado, poderia gerar o arquivamento de 10 mil ações propostas para apuração de atos de corrupção, “em evidente prejuízo aos interesses da sociedade”.

Os advogados destacaram que a reportagem usou personagens políticos de expressão que respondem processos por improbidade. “Todos os dados tratam-se de informações jornalísticas, baseada em fatos verdadeiros, de interesse público e que a imprensa tem o dever de noticiá-los”, destacou a defesa da Editora Abril.

O juiz Alexandre Brandão acolheu os argumentos. “A reportagem limitou-se a noticiar a existência de processos que efetivamente foram promovidos pelo Ministério Público em face do autor, como se observa dos documentos juntados aos autos. As considerações da reportagem no sentido de que eventual posição do Supremo Tribunal Federal significaria um ‘estímulo’ à corrupção são legítimas e podem ser assimiladas no Estado Democrático de Direito”, afirmou. “Observo que o autor, como figura pública, está sujeito a situações como a retratada na reportagem”, concluiu. Quércia ainda pode recorrer da decisão.

Leia a decisão

Vistos. Trata-se de ação judicial promovida por ORESTES QUÉRCIA em face de EDITORA ABRIL S.A. e RICARDO BRITO. Afirma o autor, político experiente que já ocupou importantes cargos na carreira pública, que “vem sendo alvo de ostensiva e inescrupulosa campanha difamatória, que busca, a todo custo e sob qualquer pretexto, imputar-lhe responsabilidade por acusações não comprovadas ou julgadas” (fl. 3). Em sua concepção, a revista “Veja”, publicada pela editora ré, ocupa posição de destaque nesse movimento.

Alega que, nos mês de fevereiro de 2007, foi publicada reportagem no mencionado veículo que tratava de uma votação do Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade, ou não, da aplicação da Lei nº 8.429/92 para as autoridades que exercem cargos de natureza política. Entende que a matéria, intitulada “Vergonha Nacional”, faz menção ao autor num contexto dúbio, sugerindo que estaria envolvido em processos “que tramitam contra administradores públicos envolvidos em corrupção e desvio de dinheiro” ou que “se enredam em maracutaias” (fl. 4). A inicial ressalta que o texto apresenta um tom de julgamento e de censura sem que, todavia, o autor tenha sido condenado em qualquer das ações mencionadas.

Assim, diante do caráter leviano e irresponsável da matéria, pretende a condenação dos réus em danos morais. A petição inicial (fl. 2/15), emendada (fl. 114/115), foi instruída com documentos (fl. 16/112). Citados, os réus apresentaram sua contestação (fl. 172/185), acompanhada de documentação (fl. 186/268). Sustentam, em resumo, que a reportagem representa o adequado exercício do dever de informar da imprensa sobre fatos que guardam estreito liame com o interesse da sociedade. Dizem que o autor foi citado, pois, efetivamente, poderia ser beneficiado por eventual decisão do Supremo Tribunal Federal, já que contra ele correm algumas ações promovidas pelo Ministério Público que estão fundamentadas na Lei de Improbidade. Réplica do autor (fl. 270/279).

É o relatório.

Decido.

É possível o julgamento antecipado, nos termos do artigo 330, I, do Código de Processo Civil, pois os fatos que interessam ao deslinde do feito já estão devidamente comprovados nos autos. Nesse mesmo sentido foi o requerimento das partes. Ressalto, inicialmente, que não vislumbro qualquer prejuízo à imagem do autor em razão da matéria publicada na revista “Veja”, ora em análise. É bem verdade que o texto assinado pelo réu contém forte crítica à possibilidade de anulação indireta, pelo Supremo Tribunal Federal, de milhares de processos nos quais figuram autoridades titulares de cargos políticos foram enquadradas nos dispositivos da Lei nº 8.429/92.

Ocorre que a opinião do jornalista está respaldada no direito de livre expressão do pensamento, protegido pelo artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Como cediço, a liberdade de imprensa não é absoluta e não deve servir como justificativa para a agressão e desrespeito de direitos de terceiros. Vale dizer, acaso demonstrado o claro intuito de prejudicar a imagem do autor, seriam os réus responsáveis pelos seus atos, notadamente se os fatos ventilados fossem inverídicos.

Mas, como visto, a reportagem limitou-se a noticiar a existência de processos que efetivamente foram promovidos pelo Ministério Público em face do autor, como se observa dos documentos juntados aos autos. As considerações da reportagem no sentido de que eventual posição do Supremo Tribunal Federal significaria um “estímulo” à corrupção são – a par de qualquer consideração de mérito sobre o tema – legítimas e podem ser assimiladas no Estado Democrático de Direito.

Observo que o autor, como figura pública, está sujeito a situações como a retratada na reportagem. Reporto-me a acórdão da lavra do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em hipótese semelhante:

“INDENIZAÇÃO. Notícia publicada em revista. Dano moral. Não caracterização. Hipótese em que a reportagem promovida não pode ser qualificada como ofensiva ao patrimônio moral do autor, seja porque não houve animus injuriandi, tendo tido cunho exclusivamente informativo, devendo-se considerar que a figura pública de um deputado não pode ficar imune a informações de interesse da sociedade. Recurso não provido”. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – AC nº 100.507.4/8.00 – 7ª Câm. – Rel. Des. Leite Cintra – j. 12 de dezembro de 2001)

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE e, em razão da sucumbência, deverá o autor arcar com as custas e despesas incorridas pelos réus, bem assim com os honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.

P.R.I.

São Paulo, 30 de junho de 2008

Tom Alexandre Brandão

Juiz de Direito

Revista Consultor Jurídico

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