Dever de zelar – CPTM deve indenizar passageira agredida em trem

por Fernando Porfírio

O transportador está obrigado a transportar o passageiro são e salvo a seu destino. É uma obrigação de resultado e não basta que o passageiro alcance seu destino, mas que a ele chegue incólume. Caso isso não aconteça, cabe responsabilidade civil no caso. Esse foi o fundamento do Tribunal de Justiça para condenar a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) a pagar indenização equivalente a 50 salários mínimos a uma passageira agredida dentro de um dos trens da empresa. Cabe recurso.

A passageira foi espancada por um grupo de jovens quando voltava do trabalho para casa. Pegou o trem por volta das 22h30 na estação Suzano, com destino a Mogi das Cruzes, no extremo Leste da Grande São Paulo. Depois que a composição saiu da estação Brás Cubas, o grupo passou a agredir a mulher com socos e pontapés. Quando o trem parou em Mogi das Cruzes, a passageira procurou o primeiro vigilante da estação, mas este afirmou que nada podia fazer porque sua atribuição se restringia a casos de roubo.

Segundo a ação, a passageira sangrava pelo nariz e tinha hematomas na face. A equipe de segurança nem sequer ajudou a mulher a procurar socorro. Por causa da inércia da equipe da Gocil Serviços de Vigilância e Segurança, a passageira foi obrigada a primeiro ir até o 1º Distrito Policial de Mogi das Cruzes para fazer o Boletim de Ocorrência e só depois procurar o pronto-socorro para o atendimento médico. Por conta das agressões, a passageira ficou três dias consecutivos sem trabalhar.

A CPTM sustentou a tese de caso fortuito. Disse que não tinha responsabilidade sobre os acontecimentos, uma vez que a agressão aconteceu dentro do trem, por pessoas estranhas ao contrato de transporte e os fatos não poderiam ser previsíveis.

A passageira sustentou que foi vítima de humilhação em decorrência da falta de providência da CPTM, quanto à segurança nos vagões e nas estações da companhia e por conta do desinteresse de apurar os fatos. A defesa da vítima foi apresentada pelo advogado Cláudio Pizzolato.

Em primeira instância, o juiz Miguel Petroni Neto, da 37ª Vara Cível julgou a ação improcedente. O magistrado entendeu que a passageira passou apenas por uma situação de medo. Segundo o juiz, a mulher teria ficado a “mercê de desajustados que teriam lhe agredido e provocado a sensação de medo”.

Na sentença, o magistrado lamentou o acontecimento, mas negou que o caso fosse de indenização por dano moral. Justificou sua posição com o argumento de que quando a CPTM contratou os serviços de segurança, fez em caráter complementar. Para ele, a segurança pública é questão de competência do Estado. Segundo o juiz, o particular não pode responder pelo insucesso e pela falência mesmo do sistema de segurança pública do Estado. “O dever de zelar pela incolumidade dos cidadãos é do Estado, de modo que contra ele é que, em tese, deve se voltar o ofendido”, completou o juiz.

A 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, por maioria de votos, entendeu de forma exatamente oposta ao do magistrado de primeiro grau. Para a turma julgadora, quando a CPTM realizou licitação para contratar uma empresa de vigilância e segurança o fez porque não esperava apenas a atuação da Polícia Militar para a proteção do seu patrimônio e dos usuários de seus serviços.

De acordo com a turma julgadora, a Gocil Serviços de Vigilância e Segurança foi contratada pela CPTM por mais de R$ 27,5 milhões para exatamente garantir o patrimônio da empresa e a segurança dos passageiros. “O mínimo que se espera é que tanto as estações quanto os vagões tenham vigilantes aptos a desempenhar suas funções, para as quais, em tese treinados, resguardando o patrimônio da CPTM, bem como a incolumidade dos usuários”, afirmou o relator, Mathias Coltro, desembargador que conduziu a tese que saiu vencedora no julgamento.

Mathias Coltro classificou como “ridícula” a justificativa do vigilante para não prestar atendimento a passageira. “A conduta desidiosa dos funcionários e vigilantes contratados da CPTM deve ser repudiada, pois ao verem a autora machucada, o mínimo que poderia ser feito, além da apuração dos fatos e até mesmo por uma questão de solidariedade, era providenciar atendimento médico”, completou o desembargador.

Segundo Mathias Coltro, esse fato serve para indicar que os seguranças contratados pela estatal paulista de transportes merecem melhor atenção da empresa. O relator indicou que o pagamento de 50 salários mínimos, como valor de indenização, deve servir como advertência à CPTM para que não volte a ter a mesma conduta e providencie segurança efetiva não apenas ao seu patrimônio, mas principalmente aos usuários da companhia.

A tese vencida, sustentada pelo revisor Carlos Alberto Giarusso Lopes Santos foi a de que a estatal paulista de transportes não praticou ato ilícito. Isso porque a passageira foi agredida por terceiros.

Revista Consultor Jurídico

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