por Maria Fernanda Erdelyi
Parecia mais uma piada do que um julgamento. Os ministros do Supremo Tribunal Federal se olharam perplexos nesta semana quando o ministro Gilmar Mendes chamou à pauta o processo: embargos de declaração proposto contra acórdão da Corte que rejeitou os embargos de declaração, em embargos de declaração, em agravo regimental, em agravo regimental, em embargos de divergência, em recurso extraordinário.
Parece, mas não é brincadeira. Os 11 ministros do Supremo, a mais alta Corte de Justiça do país, pararam para julgar o recurso, do recurso, do recurso, do recurso. A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, além de rejeitar o pedido, condicionou a interposição de qualquer outro recurso ao pagamento de multa de 1% corrigido do valor da causa. De acordo com a ministra, a medida foi imposta exatamente pelo excesso de recursos interpostos durante o processo, que teve decisão do STF em agosto do ano passado.
Após a decisão da Corte, que acompanhou na íntegra o voto da relatora, o ministro Ricardo Lewandowski abriu discussão sobre a peculiaridade do processo. Ele ficou perplexo e chamou a atenção para a inviabilidade que casos assim trazem aos trabalhos do plenário do Supremo. “Isso está a indicar claramente que se faz necessária uma reforma profunda em nosso sistema processual”, disse.
O ministro Gilmar Mendes, que exercia a presidência na ausência da ministra Ellen Gracie, sugeriu a evolução do próprio pensamento da Corte em relação à admissibilidade deste tipo de recurso. Para o ministro Carlos Ayres Britto, a providência aplicada pela relatora foi eficaz. “A multa funciona pedagogicamente”, afirmou.
“A medida foi tomada exatamente pelo absurdo da situação”, justificou Cármen Lúcia. A ministra rejeitou os embargos de declaração entendendo que não havia qualquer omissão, obscuridade ou contradição na decisão do Supremo contestada. Os recursos contestavam acórdão fundado na súmula 674 e contestação tardia de eventual omissão no julgamento do plenário.
O processo era relativo a militar, anistia e promoção. O dono do recurso no Supremo argumentava que a decisão do plenário teria sido omissa, pois teria afrontado os limites da coisa julgada ao aplicar a súmula 674 em uma decisão com trâsito em julgado (definitiva) pelo tribunal militar.
Reformas e reformas
Em 2004, foi firmado pelos presidentes da República, do STF, do Senado e da Câmara dos Deputados o Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano. Anexados a este pacto projetos de reforma processual civil, trabalhista e penal, foram encaminhados ao Congresso Nacional. De acordo com o deputado Flávio Dino (PC do B-MA), engajado na reforma dos códigos, 90% dos projetos de reforma do Processo Civil já viraram lei, como a que regulamentou o dispositivo da súmula vinculante e a que instituiu a repercussão geral do recurso extraordinário para o Supremo.
O deputado cita também o projeto que instituiu o novo regime de agravo, que desestimula agravos de instrumento e estimula agravos retidos – aqueles não sobem imediatamente ao tribunal –, além do projeto que simplificou o processo de execução, instituindo a fase de cumprimento para dar mais efetividade às decisões judiciais. “Houve um esforço grande no sentido de elaborar projetos e transformar em leis. Mas sempre há o que fazer. É uma tarefa inacabada”, afirma o deputado comemorando as novas leis e descartando o fim da missão.
Flávio Dino, que foi juiz federal por 12 anos, ressalta, no entanto, que o próprio Judiciário poderia driblar a morosidade e abuso de recursos com medidas administrativas. “Não me agrada esse discurso de que toda a morosidade do Judiciário reside na falta de boas leis”, afirma. De acordo com o parlamentar, a administração do tempo e da pauta dos tribunais também contribui no combate à morosidade da Justiça. Ele lembra, por exemplo, que enquanto o Supremo não julga uma causa de massa, questão previdenciária ou tributária, para pacificar a jurisprudência, os processos daquele tema continuarão a se multiplicar por todo país com todas as suas conseqüências e recursos.
O ministro Gilmar Mendes, presidente eleito do Supremo lembra que o tribunal já vem fazendo julgamentos em bloco eliminando centenas de processos. “Isso tem sido feito. A ministra Ellen já fez julgamentos em bloco, como no caso da pensão por morte”, afirma. Gilmar Mendes argumenta que a velocidade destes feitos nem sempre é a ideal devido ao volume de trabalho e pedidos de vista. Em fevereiro do ano passado, a Corte aplicou, por unanimidade, em 4.908 recursos o entendimento fixado no julgamento que impediu a correção no valor das pensões por morte concedidas antes de 1995. Dois meses depois, os ministros começaram a aplicar, individualmente, a decisão do plenário em um passivo de aproximadamente 15 mil processos que discutem o tema.
RE 116.417
Revista Consultor Jurídico