Os dois principais nomes apontados para a sucessão presidencial de 2010, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), se enfrentaram ontem em um evento sobre alternativas para enfrentar os efeitos da crise financeira internacional no Brasil. Convidados a compor a mesa em evento em São Bernardo do Campo, no Grande ABC paulista, eles aproveitaram seus discursos para trocar farpas e fazer propaganda das administrações em que atuam.
“Porta-voz” do governo federal, Dilma falou primeiro e comparou os combates às crises liderados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo tucano Fernando Henrique Cardoso, sem citar nominalmente o ex-presidente. “O governo sempre foi parte do problema em todas as crises antes desta. Vinha o câmbio, a saída brutal de capitais, e o governo quebrava. Ao quebrar, recorria ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que impunha um receituário recessivo”, disse a ministra. “Hoje o governo é parte da solução, porque pode fazer política fiscal e monetária.”
Dilma destacou ainda o fato de o governo Lula ter baixado os porcentuais de depósito compulsório a serem recolhidos pelos bancos ao Banco Central (BC). FHC fez o contrário quando era presidente. “O governo (Lula) não precisou sacar do Tesouro Nacional para injetar liquidez na economia. Nossa política fiscal pode se concentrar na geração de renda e na desoneração tributária”, disse.
Serra, a seu tempo, partiu em defesa de Fernando Henrique Cardoso, também sem citar o colega. O governador falou sobre o saneamento do sistema financeiro, por meio do plano de salvamento de bancos Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), e o papel anticíclico dos bancos públicos.
A ministra defendeu que os Estados e municípios têm hoje, graças ao governo federal, melhores condições financeiras e colocou Serra na berlinda: “Está aí o governador de São Paulo com uma capacidade de investimento invejável se você comparar com o passado.” Para fincar oposição ao que dissera a ministra, em seu discurso Serra fez questão de enfatizar a importância de descentralizar os investimentos federais para dar mais fôlego a investimentos decididos localmente. “Os Estados podem pegar dívida em coeficiente de dois em relação à sua receita, mas os municípios em coeficiente de um só dígito. Não vejo sentido nisso.” Serra esclareceu não sugerir uma mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas uma decisão do Senado por iniciativa do governo federal.
Selic
O tucano criticou, na frente de Dilma, a demora do Comitê de Política Monetária ( Copom) em reduzir a taxa básica de juros da economia, a Selic. “Estamos com seis meses de crise sem uma política ativa de redução de juros”, afirmou Serra. “Era o momento de ter jogado os juros lá embaixo, mas o Brasil foi na contramão do mundo.” Dilma, pouco antes, tentou lançar um olhar positivo sobre a questão dos juros. “Vamos baixar os juros básicos e criar uma referência para os spreads (a diferença das taxas de captação e de empréstimo cobradas pelos bancos) no País. A crise é a oportunidade de termos juros civilizados, sem uma vírgula de risco, e fazer disso a principal alavanca do País.”
Tanto o tucano quanto a petista enfatizaram feitos das administrações de que fazem parte. Dilma detalhou o Plano Nacional de Habitação que pretende lançar em breve para construir 1 milhão de casas e dar subsídios a pessoas de baixa renda. A proposta, grande bandeira do governo federal, foi ignorada por Serra, que preferiu falar sobre seu próprio programa de moradias populares. “Estamos tocando 100 mil habitações para pessoas com até três salários mínimos neste ano – 40 mil vão ser entregues, 60 mil estão em andamento.”
Dilma discorreu sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as políticas sociais e a classe média “criada” pelo governo Lula. Serra afirmou: “Há programas de transferência de renda e salário mínimo rural que criam demanda interna, mas isso não significa que não temos problemas.”
Sem modéstia, Serra lembrou sua atuação como ministro do Planejamento de Fernando Henrique para “salvar” a indústria automobilística. “O câmbio estava sobrevalorizado, havia repasse de tarifas e um acordo com a Argentina que permitia que os carros de lá entrassem sem imposto. As fábricas de automóveis estavam indo embora do País”, disse. “Eu mesmo modelei um regime automotriz que deu muita briga dentro e fora do governo, mas foi o que salvou a indústria automobilística.”