por Daniel Roncaglia
Aquela idéia sua…, a parte em dinheiro, tá?. O bordão que remete a atitudes suspeitas seria trecho da conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal na Operação Hurricane, que serviu tanto para colorir a narrativa jornalística da operação como para justificar o decreto de prisão do desembargador José Eduardo Carreira Alvim, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Só há um senão, segundo o próprio desembargador: o diálogo entre Carreira Alvim e seu genro Silvério Cabral Júnior, na verdade, nunca existiu.
O desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) foi preso na Operação Hurricane no dia 13 de abril do ano passado. Ele passou nove dias na cadeia sob a acusação de negociar decisões judiciais em favor de operadores do jogo ilegal no Rio de Janeiro. A operação causou grande abalo no Judiciário ao envolver, entre outros, um ministro do STJ, outro desembargador do TRF-2, um juiz do trabalho e um procurador da República.
No dia 18 de abril de 2007, telejornais da TV Globo divulgaram telefonema em que Carreira Alvim dizia: “Aquela idéia sua…, a parte em dinheiro, tá?”. Do outro lado da linha, o seu genro responde: “Não, pode deixar. Já tá tudo na cabeça, já, aqui. Pode deixar, tá?”.
Segundo o desembargador, a conversa divulgada na televisão não existe. Ela foi plantada pela PF, diz. Carreira Alvim afirma que nunca conversou com o seu genro sobre esses processos. “É uma montagem de palavras isoladas, fora do verdadeiro contexto”, explica. Para ele, a ligação deveria referir-se a um encontro em Buenos Aires. Em junho, ele lançará o livro Operação Hurricane: Um juiz no olho do furacão, contando a sua versão da história.
A versão do desembargador é ratificada pelo perito especialista em fonética forense Ricardo Molina, da Unicamp. Em depoimento à CPI dos Grampos, no dia 8 de maio, o perito diz que a fala não consta nas interceptações. Segundo Molina, Carreira Alvim foi grampeado pela PF por dois anos e meio. Nesse período foram encontradas apenas duas ligações suspeitas, que não somam um minuto de conversa. Molina foi contratado pelo genro do desembargador.
A Polícia Federal refuta as críticas de manipulação das interceptações telefônicas. Por sua assessoria de imprensa, afirma que as escutas são acompanhadas pela Justiça e pelo Ministério Público e são enviadas na íntegra para a Justiça. E que os programas de computador usados pela PF não permitem a edição das falas.
Apesar de o processo correr em segredo de justiça, a suposta gravação chegou ao público pelo veículo mais popular do país. “Engraçado é que a Polícia Federal indiciou o José Aparecido Pires porque vazou o dossiê do Planalto. Deveria ter indiciado os seus delegados que vazaram a Operação Hurricane para a mídia, pois essa operação era em segredo de justiça”, afirma Carreira Alvim, em e-mail enviado ao Consultor Jurídico. Ele diz que quer ser convocado para depor na CPI dos Grampos.
A TV Globo, na reportagem, afirma que obteve a gravação com uma fonte do Rio de Janeiro. Nela, aparecia “o desembargador Carreira Alvim, negociando a venda de uma liminar para manter casas de bingo abertas”.
“Essa fonte é um jornalista de reportagens policiais, pois essa conversa com advogado nunca existiu, porque os processos no gabinete eram despachados com o meu assessor direto na vice-presidência do Tribunal, sem que eu soubesse sequer quem eram os advogados das empresas requerentes. Esse assessor era tão sério e competente que continuou lá na mesma função”, explica Carreira Alvim.
Quando estava preso, Carreira Alvim diz ter ouvido que a operação foi em uma sexta-feira, porque seria nesse dia que era distribuída a propina. “O delegado que realizou a operação na minha casa me disse que tinha ordens para apreender ‘grandes quantidades de dinheiro’. Nada encontraram de expressivo nem na minha casa nem na casa da minha filha; mas mesmo assim, por determinação (dada por telefone, na minha frente) do delegado que comandava a operação no Rio, levaram o pouco que encontraram”, conta o desembargador.
Avaliação do perito
O perito Ricardo Molina disse à CPI das Escutas Telefônicas, da Câmara que encontrou irregularidades em centenas de escutas telefônicas feitas pela PF que passaram pela sua análise. Ele costuma fazer 120 pericias de escutas telefônicas por ano. Segundo o perito, em muitos casos, há gravações interrompidas, palavras cortadas e seleção de trechos de conversas a critério dos investigadores.
De acordo com Molina, todas as gravações feitas pela Polícia Federal desde a instalação do Guardião, equipamento eletrônico de interceptações, não podem ser consideradas originais porque são enviadas pelas operadoras.
Diretor indignado
As declarações de Molina ao ConJur e à rádio CBN foram rebatidas pelo diretor-geral do PF, Luiz Fernando Corrêa. Segundo o diretor, motivações de cunho pessoal fazem com que “consultores de plantão dêem entrevistas falando em nome da Perícia e, sem o compromisso com a coisa pública, fecham casos e pautam a opinião pública”. A declaração foi feita no dia 15 de maio na formatura de peritos de fonética da polícia.
“As afirmações de Molina — que garantiu ter identificado irregularidades em todas as centenas de grampos telefônicos feitos pela PF que passaram por ele — não encontram o menor embasamento, algo que é inaceitável para quem se propõe ao exercício pericial. Agora é hora de ele provar o que disse, e apontar todas as manipulações a que ele se referiu”, declarou Octavio Brandão, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais.
A TV Globo não se manifestou sobre a afirmação do desembargador sob alegação de que não foi notificada oficialmente.
Revista Consultor Jurídico