por Fábio Antunes Gonçalves
Faz necessário inicialmente abordar o conceito de crédito, ou seja, este baseia-se na confiança, na boa-fé negocial, já que se espera que a promessa feita por quem tenha assumido uma obrigação futura seja cumprida. A palavra crédito tem sua raiz etimológica no latim creditum, credere, ou seja, confiar, ter fé.
De tal modo, pode-se dizer que o crédito consiste na extensão da troca, permitindo que esta, realizada no espaço, ganhe nova dimensão e possa ser, também, efetuada no tempo. É uma autorização para a utilização do capital alheio. Tem-se ainda que é a idéia da fidúcia aplicada aos negócios.
João Eunápio Borges discorre a respeito do conceito de crédito nas seguintes palavras:
“Cumpre, pois, antes de dizer o que é o ‘título de crédito’, lembrar o conceito de crédito, sob o aspecto que interessa a nossa disciplina. Em qualquer operação de crédito o que sempre se verifica é a troca de um valor presente e atual por um valor futuro. Numa venda a prazo, o vendedor troca a mercadoria – valor presente e atual – pela promessa de pagamento a ser feito futuramente pelo comprador. No mútuo ou em qualquer modalidade de empréstimo, a prestação atual do credor corresponde à prestação futura do devedor.
O crédito é, pois, economicamente, a negociação de uma obrigação futura; é a utilização dessa obrigação futura para a realização de negócios atuais. É, em suma, como diz Werner Sombart, o poder de compra conferido a quem não tem o dinheiro necessário para realizá-la”1.
Isso posto, pode-se concluir pela fundamental importância do crédito no comércio2, de maneira a viabilizar a circulação do capital e, conseqüentemente, propiciando a atividade empresarial com maiores oportunidades de negócio, pois é, por intermédio do crédito concedido, que a grande massa popular passa a vislumbrar a possibilidade de aquisição de mercadorias de um maior valor expressivo, visto que o pagamento à vista inibiria a demanda.
Assim, surge a necessidade da materialização do crédito para uma maior segurança das atividades econômicas empresariais.
Evidentemente não se pode falar em nenhuma definição, ou conceito, antes mesmo de mencionar a célebre formulação do italiano Cesare Vivante acerca dos títulos de crédito: “título de Crédito é um documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”3.
O conceito de Cesare Vivante é aceito na doutrina de forma quase absoluta, devido a sua genialidade, pois reúne os princípios fundamentais dos títulos de crédito, quais sejam, cartularidade, literalidade e a autonomia.
De Plácido e Silva assim conceitua o título de crédito:
“Na terminologia jurídica, título é aplicado para exprimir ou mostrar a causa jurídica ou fundamento jurídico de um direito. É, assim, indicativo da origem legal ou fonte de que se derivou o direito, cujos sujeitos, ativo ou passivo, são, por esta mesma razão, denominados titulares.”4.
Dessa forma, o termo título de crédito é propriamente empregado para designar o documento ou o escrito em que se formulou ou se materializou um direito creditório.
Para João Eunápio Borges, o título de crédito é “o documento, no qual se materializa, se incorpora a promessa da prestação futura a ser realizada pelo devedor, em pagamento da prestação atual realizada pelo credor”5.
Já o Código Civil baseia-se de forma bastante clara na elaboração do mestre Cesare Vivante, no momento em que prescreve o artigo 887, in verbis: “o Título de Crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei”.
Verifica-se que o legislador civil reformula o conceito clássico, apenas para apresentar uma atualização da definição, de forma a atender os dispositivos enunciados na lei.
Quanto à importância e as vantagens dos títulos de crédito são inúmeras, entre elas, a velocidade dos negócios devido à possibilidade de circulação e transferência de riquezas. Mas a possibilidade de financiamento por meio de desconto pelo título negociado, certamente, é uma das maiores contribuições dos títulos de crédito.
A importância dos títulos de crédito é notória e disseminada por inúmeros autores6. Tullio Ascarelli é um dos que asseveram a contribuição desses instrumentos:
“Se nos perguntassem qual a contribuição do direito comercial na formação da economia moderna, outra não poderíamos talvez apontar que mais tipicamente tenha influído nessa economia do que o instituto dos títulos de crédito. A vida econômica moderna seria incompreensível sem a densa rede de títulos de crédito; às invenções técnicas teriam faltado meios jurídicos para a sua adequada realização social; as relações comerciais tomariam necessariamente outro aspecto. Graças aos títulos de crédito pode o mundo moderno mobilizar as próprias riquezas; graças a eles o direito consegue vencer tempo e espaço, transportando, com a maior facilidade, representados nestes títulos, bem distantes e materializando, no presente, as possíveis riquezas futuras.”7.
O aspecto dos títulos de crédito no que tange à necessidade de certeza e segurança jurídica, nas relações empresariais, é de suma importância. Sem elas, as partes não teriam a garantia de uma relação comercial eficaz, consubstanciada num documento legitimador ao exercício do Direito cambial.
Notas de rodapé:
1. BORGES, João Eunápio. Títulos de crédito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 7.
2. “El crédito aumenta su efecto dinamizador de la economía y los beneficios de quien lo posee con su negociación y los instrumentos para hacerlo son los títulos de créditos o negociables”. ZAMUDIO, Teodora. Títulos negociables. Ediciones Digitales, 2006. Disponível em: . Acesso em: 23 dez. 2007. Tradução livre: “O crédito aumenta o efeito de dinamicidade da economia e os benefícios daquele que o possui com a negociação, e esta instrumentalização é feita pelos títulos de crédito”.
3. VIVANTE, Cesare. Trattado di diritto commerciale. 3. ed. Milano: Ed. Francesco Vallardi, [s.d.]. v. III, p. 63: “Il titolo di credito è un documento necessário per esercitare il diritto letterale ed autônomo che vi è mencionato”.
4. SILVA, De Plácido e. Noções práticas de direito comercial. 14 ed. rev. e atual. pelo Magistrado e Professor Waldir Vitral. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 501.
5. BORGES, João Eunápio. Títulos de crédito. p. 8.
6. Nesse mesmo sentido: “La funzione svolta dei titoli di credito nell’economia moderna è, dunque, di notevole rilievo”. PAVONE, Dott.ssa M. Laura. Titoli di credito e mezzi di pagamento. Pisa, 2003. Disponível em: . Acesso em: 07 jan. 2007). Tradução Livre: “A função do título de crédito na economia moderna é de notável importância”.
7. ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. Tradução Benedicto Giacobbini. 2. ed. São Paulo: Red Livros, 1999, p. 25.
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