por José Luís Oliveira Lima e Rui Celso Reali Fragoso
Em defesa dos artistas mais jovens, costuma-se dizer na Inglaterra que ninguém precisa ter sido crucificado para representar Jesus Cristo no teatro ou no cinema. A frase é boa, com efeito. Mas nem por isso desclassifica a experiência para compreender situações mais complexas da vida em sociedade.
Quem nunca viu de perto nem sentiu a brutalidade que pode representar uma ação penal na vida da pessoa, por exemplo, terá grande dificuldade de escrever sobre o assunto. Jornalistas, juízes e procuradores que já passaram por isso mudaram bastante seu ponto de vista a respeito. Para melhor.
Se todos os integrantes da Policia Federal, do Ministério Público, da Magistratura e da imprensa compreendessem melhor o significado do direito de defesa, o país poderia dar um passo importante no processo civilizatório. A inviolabilidade dos escritórios de advocacia, por exemplo, é uma prerrogativa da sociedade com a qual todos devem se preocupar.
A liberdade dos advogados implica a garantia dos direitos e interesses do cidadão. A ampla defesa, garantida constitucionalmente, é extensiva a todos. É claro que o exercício da advocacia contempla igualmente o cidadão modelo e o criminoso, sendo que no segundo caso essa relação não implica acumpliciamento do advogado com o cliente ou em tirar qualquer tipo de proveito delituoso, como inferem os detratores da advocacia.
Na justificativa de se combater o crime, ataca-se, critica-se e trabalha-se para restringir a cada dia as prerrogativas profissionais dos advogados, o que não terá efeitos práticos sobre a criminalidade, mas terá nefastas conseqüências para o Estado Democrático de Direito.
O projeto que está nas mãos do presidente da República não torna inviolável, obviamente, o escritório do advogado que está sendo investigado pela prática de um delito, o que por si só deveria afastar as manifestações contrárias à lei. O que o projeto consagra, é o sagrado direito de defesa. Para entender melhor, basta comparar com o confessionário, o consultório de psiquiatria ou a redação do jornal. O sigilo profissional que protege a confidencialidade nesses casos não se destina, em primeiro lugar, a resguardar o profissional e sim as fontes do jornalista, o paciente do médico e o fiel. Quando o constituinte de 1988 declarou a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, era disso que se tratava. O projeto de lei aprovado não cria a regra, ele a regulamenta.
A violação das prerrogativas dos advogados atinge a toda sociedade, porque sempre que o advogado tiver a sua prerrogativa violada, na verdade estar-se-á violando o direito do cidadão de ser defendido dentro do ordenamento jurídico vigente. Essa violação representa um atentado ao Estado Democrático de Direito. Como disse José Saramago, “O leitor atento já compreendeu aonde eu quero chegar com esta prosa: é que por baixo ou trás do que se vê, há sempre mais coisas que convém não ignorar, e que dão, se conhecidas, o único saber verdadeiro”.
Revista Consultor Jurídico