Direito de defesa – Juízes querem fortalecer lógica autoritária, diz OAB

por Priscyla Costa

“Querer revogar o direito de defesa sob a ótica de que alguns advogados cometem deslizes éticos é o mesmo que querer acabar com a vitaliciedade da magistratura porque alguns magistrados compactuam com a corrupção.” A resposta foi dada pelo presidente da OAB nacional, Cezar Britto, depois que juízes federais e membros do Ministério Público pediram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que vete a proposta que restringe as hipóteses de buscas e apreensões de documentos e materiais nos escritórios de advocacia. O Projeto de Lei 36/2006, aprovado há dez dias pelo Senado, aguarda sanção presidencial.

Para entidades de classe da magistratura e do MP, se for sancionada como está, a lei permitirá que o crime fique “substancialmente mais fácil”, porque “os criminosos poderão fazer uso de escritórios de advocacia para esconder provas do cometimento de seus crimes, tornando-os imunes à ação da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário”.

A nota técnica contra o projeto é assinada pela Associação dos Juízes Federal do Brasil (Ajufe), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e será encaminhada à Casa Civil, ao presidente da República, à Advocacia-Geral da União e ao Ministério da Justiça.

O projeto aprovado altera o artigo 7º, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, para dar a garantia da inviolabilidade do escritório do advogado. A nova lei veta também a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado investigado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

Para a Ajufe, ANPR e Conamp “a prevalecer o pretendido no projeto, não poderiam ser decretadas a busca e a apreensão em escritório de advogado mesmo se surgissem indícios veementes de que o local estaria sendo utilizado para ocultar a arma, um revólver ou uma faca, utilizada para a prática de um homicídio”.

De acordo com Cezar Britto, a nota dos juízes e membros do MP “demonstra que seus signatários não leram o texto aprovado de forma unânime pelo Parlamento brasileiro ou, se leram, não estudaram na escola do Estado Democrático de Direito. Todo o país que se entende democrático tem no direito de defesa um principio fundamental”.

O presidente da OAB afirmou que “permitir que o estado-Polícia, o estado-Ministério Público e o estado-juiz espionem, vasculhem, invadam e destruam a defesa é fortalecer a lógica autoritária que a Constituição Federal expressamente revogou há 20 anos”.

Britto ressaltou ainda que atacar o direito de defesa pelos erros de alguns advogados é o mesmo que defender a mordaça do Ministério Público “em razão de alguns dos seus integrantes não se escusarem a 15 minutos de fama nos noticiários nacionais”.

“A advocacia sempre separou o joio do trigo. Não confunde a democracia com autoritarismo, não embaralha no mesmo conteúdo a magistratura e o Ministério Público com aqueles que não respeitam a ética e praticam o crime. A hora, repete-se, é das instituições se unirem para combater o crime e não, de forma ingênua e açodada, agredirem as prerrogativas de uma ou de outras. A OAB entende que deve lutar pelas prerrogativas da advocacia expressas no artigo 133 da Constituição Federal, da mesma forma que defende as prerrogativas da magistratura e do Ministério Público”, afirmou o presidente da OAB nacional.

O presidente da seccional paulista da Ordem, Luiz Flávio Borges D’Urso, disse que enviará uma nota ao presidente da República pedindo que ele sancione a lei. Para D’Urso, a lei é fundamental para reafirmar a importância das garantias que já estão previstas na Constituição. E ressalta que a lei não proíbe as buscas, como querem fazer crer, mas exige que elas sejam fundamentadas e não genéricas de modo a permitir abusos. “É preciso justificar a diligência”, diz.

Prerrogativa

As buscas e apreensões em escritórios são alvos constantes de reclamações da advocacia. Em 2005, por exemplo, a Polícia Federal deflagrou a Operação Cevada, que atingiu diversos escritórios de advocacia. Na ocasião, a PF afirmou que fora a maior operação de combate à sonegação fiscal já feita no Brasil. A operação envolvia a cervejaria Schincariol.

Outra mega-operação foi a Monte Éden, deflagrada no mesmo ano. Nesta, a PF prendeu 24 pessoas, entre advogados e empresários, e promoveu buscas e apreensões em cinco escritórios de advocacia. No mesmo ano, o presidente da seccional paulista da OAB, Luiz Flavio Borges D’Urso, chegou a pedir ao STJ para não permitir a invasão de escritórios com mandados genéricos para apreender documentos de clientes.

Na ocasião, o Ministério da Justiça, para regulamentar a busca e apreensão nos escritórios de advocacia, editou a Portaria 1.288. A portaria, que até hoje serve para orientar o trabalho da Polícia Federal, determina que o fato de o local de busca e apreensão ser um escritório de advocacia “constará expressamente” na representação formulada pela Polícia Federal para expedição do mandato. A autoridade policial responsável pelo cumprimento do mandato comunicará previamente a OAB, que poderá acompanhar a execução da diligência.

A portaria também estabelece que “salvo expressa determinação judicial em contrário, não serão objeto de busca e apreensão em escritório de advocacia: documentos relativos a outros clientes do advogado ou da sociedade de advogados, que não tenham relação com os fatos investigados; documentos preparados com o concurso do advogado ou da sociedade de advogados, no exercício regular de sua atividade profissional, ainda que para o investigado ou réu; contratos, inclusive na forma epistolar, celebrados entre o cliente e o advogado ou sociedade de advogados, relativos à atuação profissional destes; objetos, dados ou documentos em poder de outros profissionais que não o(s) indicado(s) no mandado de busca e apreensão, exceto quando se referirem diretamente ao objeto da diligência; e cartas, fac-símiles, correspondência eletrônica (e-mail) ou outras formas de comunicação entre advogado e cliente protegidas pelo sigilo profissional”.

Revista Consultor Jurídico

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