por Venício A. de Lima
[Artigo publicado no site Observatório da Imprensa nesta terça-feira (4/3)]
O site Consultor Jurídico (13/2) informa que o juiz da 4ª Vara Cível de Brasília, Robson Barbosa de Azevedo, condenou a TV Globo e o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) a pagar 100 mil reais de indenização ao assessor parlamentar Luiz Carlos da Silva por associar, indevidamente, o seu nome com o chamado “escândalo do mensalão” [ver aqui]. Além disso, a TV Globo deverá “divulgar o inteiro teor da sentença nos mesmos programas nos quais foi publicada a lista que originou o dano moral, no prazo de 60 dias, sob pena de multa de R$ 50 mil por dia de descumprimento da ordem judicial” (Processo: 2005.01.1.107480-8).
[Caro leitor(a): você soube dessa notícia em algum jornal, revista, emissora de rádio ou televisão?]
O nome do assessor parlamentar apareceu em matérias veiculadas no Jornal Nacional da Rede Globo nos dias 14, 15 e 19 de julho de 2005. Essas matérias foram, à época, objeto de artigo neste OI sob o título “Jornal Nacional: Edição no limite da irresponsabilidade”.
Luiz Carlos da Silva foi incluído numa lista de pessoas que estiveram na agência do Banco Rural do Brasília Shopping a serviço de 9 (nove) deputados do PT, que se tornaram também suspeitos. Nessa agência, como se sabe, foram feitos saques destinados a deputados acusados de envolvimento com a corrupção. A lista era resultado de um cruzamento feito pela liderança do então PFL entre nomes que surgiram na investigação conduzida pela CPMI dos Correios e relação de funcionários e ex-funcionários da Câmara dos Deputados, tendo sido encaminhada à Rede Globo pelo deputado Rodrigo Maia, hoje presidente do DEM.
Como avançar?
Ao final da CPMI, comprovou-se que apenas 3 (três) dos 9 (nove) deputados denunciados nas matérias do JN tiveram algum tipo de envolvimento com os saques feitos na referida agência do Banco Rural. O “Luiz Carlos da Silva” que estivera na agência bancária era um homônimo do assessor parlamentar do deputado Wasny de Roure (PT-DF) que, à época dos saques, sequer era deputado federal.
Para o juiz Robson Barbosa de Azevedo, “o interesse público e o direito à informação não podem subsidiar informações inverídicas e tendenciosas”. Para ele, a divulgação apressada da lista de nomes sem a verificação dos motivos da presença das pessoas na agência bancária, que é local público, caracteriza dano de natureza extra-patrimonial.
No momento em que o Supremo Tribunal Federal decide manter a liminar do ministro Carlos Ayres Britto (27/2) sobre a suspensão de 22 dos 77 artigos da velha Lei de Imprensa do regime militar, a decisão do juiz Robson Barbosa de Azevedo (para a qual ainda cabe recurso) merece a reflexão de legisladores e integrantes do Judiciário.
Qual a melhor forma de avançar em relação às garantias constitucionais dos direitos fundamentais – tanto do cidadão, quanto dos jornalistas profissionais e das empresas de mídia?
Previamente culpado
Embora a decisão do STF permita aos juízes o uso de regras dos Códigos Penal e Civil para julgarem ações que versem sobre os 22 artigos temporariamente revogados, existem direitos do cidadão que não estão inteiramente contemplados nestes códigos. Refiro-me especificamente aos (1) direito à presunção de inocência; (2) direito de resposta e (3) direito de imagem.
A “presunção de inocência” é uma das mais importantes garantias constitucionais. O princípio, que tem sua origem na Revolução Francesa do século 18, está consagrado no art. 5º, inciso LVII: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A obediência a este princípio, portanto, deveria ser parte da conduta profissional e ética de qualquer jornalista, independente das informações que obtiver e de sua convicção pessoal. Não importa que em data futura, uma presunção de culpa venha, eventualmente, a se confirmar correta. O que importa é o direito dos acusados de serem tratados como inocentes até que a Justiça prove o contrário. No entanto, não é esse o comportamento freqüente na grande mídia.
De que forma serão reparados os danos causados a alguém que foi considerado previamente culpado na cobertura de um “escândalo” e que, com o tempo, as investigações e a Justiça revelam ser inocente? Há reparação possível para uma reputação destruída publicamente?
Consolidar a democracia
Da mesma forma, o direito de resposta garantido no inciso V do mesmo artigo 5º da Constituição – “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano moral ou à imagem” – não tem sido observado, na maioria das vezes, pela grande mídia. Acusações feitas na primeira página de um jornal, de uma revista ou reiteradas nas chamadas de abertura de um telejornal, quando comprovadamente desmentidas por aqueles que as sofrem, costumam ser (se, afinal, o são) objeto de uma pequena nota escondida em página par interna do jornal ou revista, ou em pequena nota lida por apresentador(a) de telejornal.
Por fim, ao direito de imagem — considerado inviolável, juntamente com a intimidade, a vida privada e a honra das pessoas pelo inciso X do mesmo artigo 5º — aplicam-se as considerações já feitas em relação ao direito de resposta.
Não se discute que a atual Lei de Imprensa foi um instrumento do período autoritário e que suas normas estão – felizmente – superadas pela Constituição de 1988. Também não se discute que a liberdade de expressão e o direito universal à comunicação precisam ser consolidados e preservados. O que é importante agora é avançar no sentido de garantir os direitos constitucionais fundamentais, tanto para os cidadãos comuns quanto para os cidadãos jornalistas e as empresas de mídia.
O direito à presunção de inocência, o direito de resposta e o direito de imagem devem ser assegurados aos cidadãos e, portanto, observados pelos jornalistas e pelas empresas de mídia. Aliás, a própria mídia estaria cumprindo seu papel e servindo ao interesse público se promovesse o debate livre e amplo dessas questões, criando as condições para que normas e procedimentos reguladores desses direitos fundamentais fossem democraticamente elaborados e aprovados pelo Congresso Nacional.
Somente dessa forma estaremos dando um passo adiante no sentido da consolidação de nossa democracia. Não existe alternativa.
Revista Consultor Jurídico