Uma empresa do Rio de Janeiro que fez dublagem para a Disney terá que devolver valor depositado a maior como pagamento do serviço. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com o ministro relator, Luis Felipe Salomão, as decisões de instâncias ordinárias estão devidamente fundamentadas por provas e devem ser mantidas. Os sócios do estúdio que se beneficiaram do erro e negaram que o equívoco existiu terão de devolver a diferença. Seus bens continuarão bloqueados.
Para a veiculação de filmes no Brasil, alguns estúdios de dublagem prestam serviço à empresa americana The Walt Disney Company. Foi combinado que seria pago o valor de US$ 8.125 para a tradução do filme “Play it to the bone” – intitulado “Bom de Briga”, em português –, que teve sua estreia em 1999. Contudo, no momento do depósito, um erro foi cometido e, com dois zeros a mais, foram enviados US$ 812.500, equivalente a quase R$ 1,5 milhão.
Imóveis à vista
Após diversas tentativas para reaver o valor diretamente do estúdio de dublagem, a Disney ajuizou ação contra os três sócios da empresa, com o objetivo de reparar o erro. Os administradores negavam até mesmo que o depósito tivesse sido feito no valor equivocado.
A Disney teve notícias de que dois sócios estavam fazendo uso pessoal dos valores recebidos: imóveis comprados à vista por cheques administrativos emitidos na mesma agência bancária em que o excesso foi cometido. Seus representantes sustentaram que, “embora o dinheiro tenha sido repassado à pessoa jurídica, são os sócios que estão dele usufruindo, tendo eles modificado seu estilo de vida depois da transação de modo totalmente incompatível com a renda do estúdio”.
O terceiro sócio, apesar de não ter realizado nenhuma compra, foi igualmente acusado: “Sua atitude passiva é igualmente condenável, considerando o seu status de administrador do estúdio de dublagem”, afirmou a defesa da Disney. Ele era sogro de um dos outros sócios.
Por meio de uma ação cautelar, a Disney conseguiu que o valor depositado erroneamente fosse bloqueado. Consta nos autos que os réus justificaram o valor maior do depósito, afirmando que a Disney estaria investindo na empresa para ampliação do estúdio. No entanto, não havia contrato que comprovasse o negócio. Após a confirmação do depósito por documentos bancários, os sócios voltaram atrás e admitiram o erro.
Condenação
Iniciada ação penal, a Disney pediu a devolução do dinheiro depositado com medida cautelar para garantir o bloqueio dos bens dos sócios envolvidos. Em primeira instância, foi decidido que o reembolso deveria ser feito e que todos os negócios jurídicos praticados pelos sócios estavam bloqueados desde o dia do depósito.
Inconformados, os sócios recorreram e, em apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a decisão, afirmando que a sentença estava correta. De acordo com os desembargadores, os fatos constitutivos do direito da parte autora foram comprovados, com demonstração do pagamento indevido, o que justificava a devolução respectiva.
Apenas o terceiro sócio recorreu ao STJ. Sustentou principalmente a tese de que era sócio minoritário e, portanto, não tinha nenhuma relação administrativa direta com a empresa, embora fosse sogro de outro sócio envolvido. “O sócio não pode responder por atividade ilícita da pessoa jurídica de que participa”, alegou o advogado. Pediu, por isso, a anulação da citação.
Entretanto, para o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, “as obrigações imputadas à pessoa jurídica não alcançam os sócios de responsabilidade limitada, salvo em hipóteses restritas, quando a pessoa jurídica é usada com abuso”. De acordo com ele, o acórdão do TJRJ foi claro ao reconhecer a regularidade da decisão de primeira instância, uma vez que o sócio, sogro de outro acusado, também negou o erro no depósito.