por André Luís Alves de Melo
Acesso ao Direito, à Justiça e ao Judiciário. Embora os termos acima sejam tratados como sinônimos, na verdade não são. Contudo, é fato que eventualmente podem estar associados, mas nem sempre e, nem tão comumente como se imagina.
Acesso ao Direito: pode ser obtido quando o cidadão vai, por exemplo, ao INSS e obtém a sua aposentadoria. Ou, quando obtém um CPF, uma carteira de identidade, adquire a sua moradia, o seu carro e outros direitos. Ou, ainda quando o motorista reconhece voluntariamente a culpa e paga os danos decorrentes de um acidente de trânsito. Não se pode esquecer que há direitos, mas também deveres. O direito pode ser injusto, como na hipótese de decorrer de uma lei que permitiu a servidores públicos alto escalão aposentarem-se com altos salários integrais sem a devida contribuição, ainda que obtido sem (ou com) ação judicial.
Acesso à Justiça: Justiça é a palavra mais dita no meio jurídico, mas pouco estudada, porém este texto não visa esgotar o tema. Pode dizer que se dá, por exemplo, quando se tem boa educação, boa atenção à saúde, vida digna, paz social, igualdade e isso não consiste necessariamente em um direito concreto. Apesar de nossa cultura individualista, é bom relembrar Jó, na Bíblia, que teve benção quando começou a orar para o próximo.
Justiça é muito mais perdão e doação do que vingança e cobrança, como se acredita atualmente. Normalmente citamos o conceito de justiça como dar a cada um o que é seu (conceito de Ulpiano). Mas, politicamente podemos dizer que “dê a cada um segundo suas necessidades” (Marxismo), ou “dê a cada um segundo sua capacidade” (capitalismo). Logo, Justiça é um conceito ideológico, cultural, econômico e político. Justiça pode até ser confundida com vingança. Já para Kelsen é a felicidade individual (e subjetiva) para transfigurar-se em satisfação das necessidades sociais. Outros dizem que justiça é a paz social, mas nos processos judiciais observamos verdadeiras guerras, em geral, por dinheiro. A Justiça com regras (leis) pode ser ruim, mas a justiça subjetiva e sem regras pode ser perversa, principalmente com uso da força, ainda que estatal. Em suma, é justo mudar as regras de um campeonato de futebol após o último jogo, apenas porque o time considerado melhor perdeu o jogo e o campeonato?
Acesso ao Judiciário: dá-se quando é necessário ajuizar uma ação judicial em razão do descumprimento de determinada norma. Pode ser um pleito injusto ou até mesmo uma decisão injusta em um pleito justo. Pode, por exemplo, negar o direito por falta de provas ou por uma questão meramente processual. Esse acesso Judiciário tem sido exagerado no Brasil, pois deveria ser a última opção, mas tem sido usado de forma desnecessária. Na verdade, cada ação judicial custa ao povo em torno de R$ 4 mil e esse valor acaba sendo dividido em setores jurídicos.
Somos um dos países que mais tem ação judicial no mundo, logo o nosso problema não é de acesso ao Judiciário, mas de saída. O problema é que quem perde uma ação judicial não tem prejuízo algum, até os juros fixados judicialmente são menores que os do mercado. Em geral, o autor da ação vence em 80% dos casos, excluindo-se os pedidos de dano moral. Se alguém faz um pedido extrajudicial indevido, paga o dobro, mas judicialmente não tem sanção alguma na prática. O acesso ao judiciário (meio) tornou-se mais importante que o direito (fim).
O rompimento do dogma que insiste em confundir acesso ao Judiciário como acesso à Justiça e ao Direito representará a mesma revolução que representou a descoberta de que a Terra não era o centro do Universo, logo há fortes resistências a essa mudança de paradigmas. Afinal, no meio judicial há uma preponderância do serviço prestado pelo bacharel em Direito, mas na órbita extrajudicial não. E nesse campo está também a arbitragem, conciliação e mediação.
Contudo, a órbita extrajudicial, reconheçam ou não, existe e pode ser um mercado para o setor jurídico, o qual precisará mudar a sua concepção de prestação de serviço, pois ainda focada em estruturas palacianas que não aceitam a simplificação. Logo, demandaria um novo conceito de cobrança e formação de valores, além de uma nova maneira de atender o cliente. O grande problema das pessoas é o acesso a informações e direitos mais simples, para os quais as faculdades de Direito não formam os seus profissionais, os quais são treinados para praticamente idolatrar o processo judicial.
Muitos pedidos de aposentadoria pelo INSS estão sendo feitos diretamente no Judiciário, o que agrava o seu custo para o Estado.
Para agravar a situação falta um controle efetivo sobre a gratuidade judicial concedida, e o sistema não tem atendido aos carentes, mas sim à classe média e alta. Inclusive seria importante que o Conselho Nacional de Justiça fizesse um levantamento sobre os valores isentados nos últimos anos, bem como as provas de carência.
De forma antagônica, o pobre tem que pagar para ter CPF, Carteira de identidade, carteira de motorista, uso de banheiro público, emolumentos de sua única moradia, enquanto há gratuidade para se discutir dano em carros de luxo no Juizado Especial .
Esse mito de justiça apenas judicial é o que alguns sociólogos chamam de sistema de confiança, construído ao longo dos anos e baseado na confiabilidade de determinado setor estatal que acaba vendo outras soluções como alternativas concorrentes e tenta desacreditá-las. Isso é comum nas relações humanas, pois mudanças podem implicar trocas de cadeiras cativas. Mas o ideal seja harmonizar estas alternativas, o que também leva tempo.
Esse é um desafio que deve ser superado, pois existe uma demanda por direitos que podem ser obtidos extrajudicialmente, mas não há uma oferta regular desse serviço, o que acaba dificultando a função social do Direito. No entanto, alguns setores já perceberam esta lacuna e começam a buscar alternativas para esta necessidade, o problema é perder a onda desta inovação e depois não conseguir destacar-se no meio e atender à sociedade e a si próprio.
Revista Consultor Jurídico