Dor da perda – STJ concede indenização a nascituro por danos morais

por Maria Fernanda Erdelyi

Em decisão inédita, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu, por unanimidade, o direito de um nascituro de receber indenização por danos morais. A indenização devida à criança antes mesmo do nascimento foi fixada no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pela morte de seu pai, André Rodrigues, em um acidente de trabalho. “Maior do que a agonia de perder um pai é a angústia de jamais ter podido conhecê-lo, de nunca ter recebido dele um gesto de carinho, enfim, de ser privado de qualquer lembrança ou contato, por mais remoto que seja, com aquele que lhe proporcionou a vida”, afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso.

Depois da morte do marido, Luciana Rodrigues entrou com ação de indenização por danos morais e materiais contra a Rodocar Sul Implementos Rodoviários, empresa onde o pai de família trabalhava. A primeira instância no Rio Grande do Sul condenou a empresa ao pagamento de pensão mensal a título de danos materiais. E ainda: pagamento de danos morais, arbitrados em R$ 39 mil para a viúva e R$ 26 mil para cada filho, inclusive para o que ainda estava em gestão quando o pai morreu. A empresa apelou do Tribunal de Justiça gaúcho sem obter sucesso.

Ambas as partes recorreram ao STJ. A família de Rodrigues alegou que o TJ gaúcho divergiu de precedentes de outros tribunais, ao determinar a incidência da correção monetária e dos juros de mora relativos ao dano moral somente a partir da data do acórdão, e não desde a data da morte do trabalhador. Nancy Andrighi acolheu o pedido com base em súmula do STJ para reconhecer a incidência dos juros moratórios a partir da morte.

A empresa argumentou que o acórdão do tribunal divergiu da jurisprudência do STJ ao fixar indenização por dano moral em montante igual, tanto para os filhos nascidos quanto para o filho nascituro. A Turma não acolheu o argumento. “Uma vez assentada essa ordem de idéias, verifica-se que uma diminuição do valor indenizatório fixado em relação ao nascituro é, portanto, uma tentativa de se estabelecer um padrão artificial de “tarifação” que não guarda relação alguma com a origem fática do dever indenizatório – porto relativamente seguro onde a jurisprudência costuma repousar sua consciência na difícil tarefa de compensar um dano dessa natureza”, disse a ministra Nancy Andrighi, que teve o voto acompanhado pelos colegas Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Ari Pargendler.

“O dano moral é, repise-se, conseqüência do fato danoso. A potencialidade lesiva deste confere à análise do dano moral um mínimo de objetividade, em contraste com o absoluto subjetivismo – donde imprestabilidade – da discussão sobre a extensão íntima da dor sofrida”, explicou a ministra. “E, nesse ponto, é forçoso admitir que esta – a gravidade da ofensa – é a mesma, ao contrário do abalo psicológico sofrido – que não é quantificável – seja ele suportado por filho já nascido ou nascituro à época do evento morte”, concluiu a ministra.

Leia a íntegra do voto

RECURSO ESPECIAL Nº 931.556 – RS (2007/0048300-6)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: LUCIANA MARIA BUENO RODRIGUES E OUTROS

ADVOGADO: LUCIANO HILLEBRAND FELDMANN E OUTRO(S)

RECORRENTE: RODOCAR SUL IMPLEMENTOS RODOVIÁRIOS LTDA

ADVOGADO: CÉSAR SOUZA E OUTRO(S)

RECORRIDO : OS MESMOS

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DIES A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA FIXAÇÃO PELO JUIZ. JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO CONFIGURDA A MÁ-FÉ DA PARTE E OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE DANO. DESNECESSIDADE. CIVIL. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. FILHO NASCITURO. IRRELEVÂNCIA NA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO.

– É devida correção monetária sobre o valor da indenização por dano moral fixado a partir da data do arbitramento. Precedentes.

– Os juros moratórios, em se tratando de acidente de trabalho, estão sujeitos ao regime da responsabilidade extracontratual, aplicando-se, portanto, a Súmula nº 54 da Corte, contabilizando-os a partir da data do evento danoso. Precedentes

– É possível a apresentação de provas documentais na apelação, desde que não fique configurada a má-fé da parte e seja observado o contraditório. Precedentes.

– A sistemática do processo civil é regida pelo princípio da instrumentalidade das formas, devendo ser reputados válidos os atos que cumpram a sua finalidade essencial, sem que acarretem prejuízos aos litigantes.

– Impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão.

– Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fixação da satisfação compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão que o juiz fixa o valor da reparação.

Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Recurso especial da ré não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto do Sr. Ministro Sidnei Beneti, por unanimidade, conhecer do recurso especial de Luciana Maria Bueno Rodrigues e Outros e dar-lhe provimento, e não conhecer do recurso especial interposto por Rodocar Sul Implementos Rodoviários LTDA, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Ari Pargendler votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 17 de junho de 2008 (data do julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recursos especiais interpostos por LUCIANA MARIA BUENO RODRIGUES E OUTROS e RODOCAR SUL IMPLEMENTOS RODOVIÁRIOS LTDA., com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/RS.

Ação: de indenização por danos materiais e morais ajuizada por LUCIANA MARIA BUENO RODRIGUES E OUTROS em desfavor de RODOCAR SUL IMPLEMENTOS RODOVIÁRIOS LTDA., em virtude do falecimento, em acidente do trabalho, de André Rodrigues, marido da primeira autora e pai dos demais.

Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido (fls. 283/297), para condenar a requerida ao pagamento de pensão mensal, a título de danos materiais, bem como ao pagamento de danos morais, arbitrados em R$39.000,00 para a viúva e R$26.000,00 para cada filho, inclusive André, nascituro à época do infortúnio, devendo os valores serem acrescidos de correção monetária pelo IGP-M/FGV e juros de mora desde a data do ilícito.

Apelação: inconformada, a empresa ré interpôs recurso de apelação (fls. 301/318), instruído com documentos (fls. 320/347), cujo desentranhamento foi determinado pelo juiz (fls. 350), pois “aguardou-se a prolação da sentença para juntá-lo, em evidente intuito de não permitir que a parte adversa produza prova contrária, se fosse o caso, e, tampouco, que fosse examinado pelo juízo de primeiro grau, suprimindo a jurisdição”.

Agravo retido: interposto pela ré (fls. 352/354), contra a decisão de desentranhamento dos documentos de fls. 320/347.

Acórdão: o Tribunal a quo negou provimento à apelação da ré, nos termos do acórdão (fls. 421/430) assim ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. QUEDA DE ALTURA. CULPA DA EMPREGADORA. DESVIO DE FUNÇÃO. AUSÊNCIA DE EPIS. DANOS MORAIS E MATERIAIS.

1. Não há falar em nulidade da sentença por incompetência absoluta da Justiça Estadual, tendo em vista que o Superior Tribunal de Justiça definiu o Juízo competente por meio do julgamento de conflito de competência suscitado nos presentes autos.

2. Não se tratando de documento novo, não há motivos para aceitar a juntada de peças nesta fase do processo, de acordo com o disposto no art. 397 do Código de Processo Civil.

3. O art. 7º, inciso XXVIII, da Carta Magna, expressa que o trabalhador acidentado tem o direito à indenização civil decorrente dos danos do infortúnio, pelos quais responde o empregador quando incorrer em dolo ou culpa. Assim, para que se caracterize a responsabilidade civil do empregador, é necessário que se comprove o dano, o nexo causal e a culpa, tendo em vista que sua responsabilidade é subjetiva. Ademais, em se tratando de responsabilidade civil em acidente do trabalho, há uma presunção de culpa da empresa quanto à segurança do trabalhador, sendo da empregadora o ônus de provar que agiu com a diligência e precaução necessárias a diminuir os riscos de lesões.

4. O contexto fático-probatório dos autos leva a crer que a empresa-ré não diligenciou de forma eficaz para evitar os acidentes de trabalho com os funcionários, notadamente designando empregado não qualificado para desempenhar atividade de risco e não alcançando os dispositivos de segurança devidos, o que tornou escorreita a culpa da empregadora.

5. Não há motivos para a reforma do pensionamento mensal aos autores autorizado na sentença, tendo em vista que houve o correto dimensionamento.

6. Redução do montante da indenização por danos morais para valor que não caracteriza enriquecimento indevido por parte dos demandantes e, ao mesmo tempo, cumpre com a função preventivo-pedagógica da reparação.

Preliminar rejeitada. Agravo retido desprovido. Apelação parcialmente provida”.

Embargos de declaração: opostos pelos autores (fls. 437/441), foram rejeitados pelo Tribunal a quo, porquanto “se houve erro no julgamento ou conclusão equivocada sobre o tema, não se está frente a omissão ou contradição, mas diante de hipótese de revisão de julgamento, o que por óbvio deve ser veiculado de forma outra” (fls. 445/446).

Recurso especial dos autores: alegam os autores em suas razões (fls. 453/467) que o acórdão vergastado divergiu de precedentes de outros Tribunais, ao determinar a incidência da correção monetária e dos juros de mora relativos ao dano moral somente a partir da data do acórdão, e não desde a data do evento danoso.

Recurso especial da ré: alega a ré em suas razões (fls. 517/525) que o acórdão vergastado:

(i) violou o art. 397 do CPC e divergiu de precedentes de outros Tribunais, ao manter a decisão do juiz de primeiro grau, no sentido de que fossem desentranhados os documentos que instruíram a apelação; e

(ii) divergiu da jurisprudência do próprio STJ ao fixar indenização por dano moral em montante igual, tanto para os filhos nascidos quanto para o filho nascituro do empregado falecido no acidente objeto da ação.

Prévio juízo de admissibilidade:após a apresentação de contra-razões (fls. 541/544 e 554/556), a Presidência do Tribunal a quo admitiu ambos os recursos especiais (fls. 561/563), por considerar preenchidos os requisitos genéricos e específicos.

Parecer do MPF: o i. Subprocurador-Geral da República, Dr. Durval Tadeu Guimarães, opinou pelo parcial provimento do especial dos autores e pelo não conhecimento do especial da ré (fls. 568/571).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a controvérsia a determinar: (i) o dies a quo para cálculo da correção monetária e dos juros de mora nas indenizações por dano moral; (ii) a possibilidade de instruir a apelação com documentos; e (iii) se a indenização por dano moral para filho nascituro deve ser fixada no mesmo patamar da indenização arbitrada para os filhos já nascidos, de pessoa falecida em decorrência de acidente do trabalho.

I – Da correção monetária e dos juros nas indenizações por dano moral (recurso especial dos autores)

Sustentam os autores que o termo inicial da correção monetária e dos juros de mora incidentes sobre a condenação em danos morais deve ser a data do evento danoso e não a data do acórdão.

(i) Da correção monetária

Já tive a oportunidade de me manifestar em situação análoga, tendo me posicionado no sentido de que “quanto à correção monetária, a jurisprudência deste STJ entende que deve ela incidir a partir da fixação da quantia devida, pois o arbitramento é feito considerando-se valor certo e atual” (EDcl no REsp 504.144/SP, DJ de 25/02/04).

Com efeito, nas indenizações por dano moral, o termo a quo para a incidência da atualização monetária é a data em que foi arbitrado seu valor, tendo-se em vista que, no momento da fixação do quantum indenizatório, o juiz leva em consideração a expressão atual de valor da moeda. Assim, inaplicável, nesses casos, o enunciado da Súmula nº 43 do STJ.

Confira-se, nesse sentido: REsp 648.312/PB, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 09/10/06; Edcl no REsp 425.445/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 03/11/03; REsp 611.723, 3ª Turma, Min. Castro Filho, DJ de 24/05/04; e REsp 657.026/SE, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 11/10/04.

Assim, no particular, não há como acolher o recurso dos autores, devendo ser mantida a decisão do Tribunal de origem.

(ii) Dos juros

No que tange aos juros, a situação é diferente. Tratando-se de indenização pelo direito comum, relativa a acidente do trabalho sofrido pelo marido e pai dos autores, contra empregador que agiu com culpa, a hipótese é de responsabilidade extracontratual, de sorte que os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, nos termos do enunciado sumular nº 54 do STJ.

Confira-se, nessa linha, o EREsp 146.398/RJ, 2ª Seção, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 11/06/2001, assim ementado no que pertine à espécie:

“A responsabilidade do empregador, em caso de acidente do trabalho é extracontratual. ‘Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.’ (Súmula nº 54-STJ)”.

Nesse ponto, portanto, merece provimento o recurso dos autores.

II – Da instrução da apelação com documentos (recurso especial da ré)

Aduz a ré que o Tribunal a quo deveria ter reformado a decisão do juiz de primeiro grau, permitindo a instrução da apelação com documentos. Diz que tais documentos “são atuais e não poderiam ser juntados com a contestação, posto que produzidos após ela”, acrescentando que bastaria que “abrissem vistas à parte contrária para que se manifestasse e nenhum prejuízo sofreria qualquer das partes”. Finaliza esclarecendo que “os balanços demonstram a penúria da empresa” e que “o valor da indenização fatalmente lhe levará à insolvência e posterior falência” (fls. 519/520).

Para fundamentar suas alegações e demonstrar o dissídio, a ré alça a paradigma o AgRg no Ag 652.028/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 22.08.2005, no qual ficou decidido ser possível a apresentação de provas documentais na apelação, desde que “não fique configurada a má-fé da parte e seja observado o contraditório”.

Realmente, o acórdão acima se perfila com o entendimento assente desta Corte, de mitigar a aplicação do art. 397 do CPC, sempre que ficar evidenciada a boa-fé da parte, bem como oportunizado o contraditório. Nesse sentido, destaco os seguintes julgados: REsp 466.751/AC, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 26/06/2003; REsp 320.372/AL, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJ de 01/10/2001; e REsp 181.627/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 21.06.1999.

Ocorre que, ao fundamentar o despacho de desentranhamento do referido documento, o juiz ressalta que: “aguardou-se a prolação da sentença para juntá-lo, em evidente intuito de não permitir que a parte adversa produza prova contrária, se fosse o caso, e, tampouco, que fosse examinado pelo juízo de primeiro grau, suprimindo a jurisdição” (fls. 350).

Daí extrai-se que, ao contrário do que afirma a ré, não se tratavam de “documentos atuais”, eis que poderiam ter sido apresentados antes da prolação da sentença. Além disso, constata-se que, no entendimento do juiz, a juntada posterior de tais documentos configurou má-fé por parte da empresa.

De fato, considerando que a documentação poderia ter sido acostada aos autos antes da sentença, causa estranheza que a ré somente o tenha feito em grau de apelação, quando já havia sido condenada, em clara tentativa de sensibilizar o Tribunal a quo e obter a redução do quantum indenizatório.

Por outro lado, ainda que abstraído tal fato, o desentranhamento dos documentos em questão não causou nenhum prejuízo à ré, já que o TJ/RS acabou por reduzir os valores arbitrados a título de dano moral, inclusive para patamares bem inferiores à jurisprudência do STJ e que somente não serão revisados ante à ausência de recurso nesse sentido.

Sendo assim, cediço que não há nulidade sem que haja prejuízo ao escopo do processo, inexiste justificativa para a reforma da decisão do Tribunal a quo. A sistemática do processo civil é regida pelo princípio da instrumentalidade das formas, devendo ser reputados válidos os atos que cumpram a sua finalidade essencial, sem que acarretem prejuízos aos litigantes, sendo certo, ademais, que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

No mais, ao que tudo indica, a própria ré está satisfeita – ou ao menos conformada – com o valor fixado pelo TJ/RS a título de danos morais, tanto que, em relação a isso, sequer recorreu para esta Corte, o que poderia ter feito, se valendo do princípio da eventualidade.

Assim, não vejo motivo para reforma da decisão que determinou o desentranhamento dos documentos de fls. 320/347.

III – Do montante do dano moral (recurso especial da ré)

Pretende a ré ver reduzido o valor fixado a título de danos morais para o autor André, porque à época do falecimento de seu pai era nascituro. Aduz que “a dor sofrida pelos menores que conheceram o pai é maior” (fls. 523).

Inicialmente, saliento que, na espécie, tendo em vista que o pleito é de redução, somente seria dado a esta Corte revisar o valor indenizatório por dano moral se o quantum arbitrado pelo acórdão recorrido fosse exagerado, situação que não verifico. Como dito, os valores fixados nestes autos para o dano moral já estão em patamares bastante baixos, de modo que não há espaço para revisão, sob pena de ofensa à Sumula nº 07 do STJ.

Outrossim, ainda que fosse possível superar tal óbice, a teoria defendida pela ré acaba por levar, em última instância, a conseqüência que não pode ser aceita, qual seja, ao enfraquecimento do próprio sistema de reparação por danos morais e ao desprestígio de um direito constitucionalmente assegurado.

Ora, é da essência do dano moral ser este compensado financeiramente a partir de uma estimativa que guarde alguma relação necessariamente imprecisa com o sofrimento causado, justamente por inexistir fórmula matemática que seja capaz de traduzir as repercussões íntimas do evento em um equivalente financeiro.

Não se analisa – e nem é objeto de prova no processo – o tamanho do sofrimento íntimo experimentado pelos indenizados; de há muito, ficou assentado que não só essa análise é impossível como de todo estéril para o deslinde da questão. O dano moral não é a dor; esta é a conseqüência irrecusável do dano naquele que o suporta – e como tal, é variável, imprecisa e inexpugnável aos olhares de terceiros.

Um relevante estudo das razões de decidir adotadas no arbitramento do dano moral mostra que são vários os fatores considerados – culpa ou dolo, posição social do ofendido, risco criado, gravidade da ofensa, situação econômica do ofensor; mas parece ser levada em conta, principalmente como ponto de partida, a gravidade da ofensa ou potencialidade lesiva do fato, vez que impossível uma quantificação psicológica do abalo sofrido.

O dano moral é, repise-se, conseqüência do fato danoso. A potencialidade lesiva deste confere à análise do dano moral um mínimo de objetividade, em contraste com o absoluto subjetivismo – donde imprestabilidade – da discussão sobre a extensão íntima da dor sofrida.

E, nesse ponto, é forçoso admitir que esta – a gravidade da ofensa – é a mesma, ao contrário do abalo psicológico sofrido – que não é quantificável – seja ele suportado por filho já nascido ou nascituro à época do evento morte.

Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fixação da satisfação compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão que o juiz decide se o dano deve ser reparado com 10, 20 ou 200 salários mínimos; a inscrição do nome do pretenso devedor no SERASA vale, e.g., menos do que a morte de um ente querido, que vale mais do que um atraso em vôo internacional. Por essa trilha já visivelmente insegura, cria a jurisprudência alguns parâmetros, maleáveis mas objetivos, como decorrência da fluidez do critério: presume-se, com alguma margem de tolerância, o tamanho do abalo – e da compensação – com base na gravidade do atentado.

Trata-se aqui, portanto, de duas presunções relativas ao mesmo assunto: a de que determinados fatos têm como conseqüência uma dor moral não diretamente quantificável – esta aceita de forma unânime como base do sistema – e a de que a dor pela perda de um pai é menor para aquele filho ainda não nascido na data do infortúnio. A primeira é, repita-se, a base do sistema de reparação por danos morais; e nada precisa ser dito além de que esse sistema é, por excelência, incompatível com qualquer tipo de padronização que tome como dado uma medida da dor experimentada; a segunda, por sua vez, entra em conflito com a assertiva inicial, pois para dizer que a dor do nascituro é menor seria necessário, antes, dizer que é possível medi-la.

Uma vez assentada essa ordem de idéias, verifica-se que uma diminuição do valor indenizatório fixado em relação ao nascituro é, portanto, uma tentativa de se estabelecer um padrão artificial de “tarifação” que não guarda relação alguma com a origem fática do dever indenizatório – porto relativamente seguro onde a jurisprudência costuma repousar sua consciência na difícil tarefa de compensar um dano dessa natureza.

No mais, se fosse possível alguma mensuração do sofrimento decorrente da ausência de um pai, arriscaria dizer que a dor do nascituro poderia ser considerada ainda maior do que aquela suportada por seus irmãos, já vivos quando do falecimento do genitor. Afinal, maior do que a agonia de perder um pai é a angústia de jamais ter podido conhecê-lo, de nunca ter recebido dele um gesto de carinho, enfim, de ser privado de qualquer lembrança ou contato, por mais remoto que seja, com aquele que lhe proporcionou a vida.

Forte em tais razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial dos autores e, nesta parte, lhe DOU PROVIMENTO, para determinar que o termo inicial dos juros moratórios incidentes sobre a condenação em danos morais seja a data do evento danoso; e NÃO CONHEÇO do recurso especial da ré.

Revista Consultor Jurídico

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