por Rodrigo Haidar
Apenas a condenação definitiva pode impedir um cidadão de se candidatar a qualquer cargo eletivo. A decisão foi tomada nesta quarta-feira (6/8) pelo Supremo Tribunal Federal. Por nove votos a dois, os ministros rejeitaram ação na qual a Associação dos Magistrados Brasileiros requeria que a Justiça Eleitoral pudesse barrar a candidatura de políticos que respondem a processos criminais ou que já tenham sido condenados, ainda que as condenações não sejam definitivas.
O ministro Ricardo Lewandowski — sexto a votar na sessão que durou cerca de 10 horas — fez o cálculo da injustiça que a Justiça poderia cometer caso barrasse as candidaturas de quem ainda não tem condenação transitada em julgado.
De acordo com o ministro, o STF julgou procedente mais de 28% dos recursos extraordinários que chegaram à Corte desde 2006 contra decisões penais de instâncias inferiores. Logo, se os recursos fossem de candidatos condenados, um quarto dos impedidos de concorrer seriam, provavelmente depois de passadas eleições, reabilitados pelo tribunal. Mas o estrago não poderia ser recuperado.
O relator do processo, ministro Celso de Mello, afirmou que a Constituição não deixa margem para interpretação quando fixa que é vedada a cassação dos direitos políticos, salvo em casos de condenação criminal transitada em julgado. Assim como o Tribunal Superior Eleitoral, em recente julgamento, o decano da Corte privilegiou o princípio da presunção da inocência no julgamento.
Para Celso de Mello, a discussão, ainda que de interesse eleitoral, invoca princípios de proteção da pessoa em relação ao poder do estado: “Não faz sentido considerar um candidato inelegível que ainda não foi condenado em caráter definitivo. É tão grave a sanção que decorre de uma condenação transitada em julgado que ela afeta até a capacidade eleitoral do cidadão. Ela retira a pessoa do atributo da cidadania. Sendo assim, é razoável que se exija o transito em julgado para que se justifique tamanha restrição de um direito básico que é o de ser votado.”
Celso de Mello lembrou que o eleitor é o melhor juiz de seu voto. Para ele, o cidadão tem a prerrogativa de exigir candidatos íntegros e um governo honesto, já que o sistema democrático permite a plena informação da vida pregressa dos políticos. “Somente os eleitores dispõem sobre o poder soberano de rejeitar candidatos desonestos, mas essa Corte não pode ignorar o principio da presunção de inocência”, afirmou.
Votaram com o ministro Celso de Mello os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Marco Aurélio e Gilmar Mendes.
O ministro Cezar Peluso deu um exemplo que, para ele, mostra como a análise superficial da vida pregressa das pessoas pode ser nefasta. Segundo Peluso, um cidadão que matou em legítima defesa, foi a Júri e, em seguida, foi inocentado, se tornou um dos mais respeitados juízes da magistratura paulista: “E carregava em sua vida pregressa um processo por homicídio”. O ministro disse ainda ter estranhado o fato de uma associação de juízes abraçar uma causa “pouco compatível com a Constituição”.
A ministra Cármen Lúcia atentou para o fato de que, caso o tribunal acolhesse a ação da AMB, estaria extrapolando suas funções e invadindo a esfera do Legislativo. Cármen lembrou que a sociedade apóia propostas como a de impedir quem tem processo de se candidatar porque está cansada de conhecer casos de corrupção na administração pública e porque o Judiciário não consegue responder à demanda de forma célere. “Se a Justiça fosse ágil, não estaríamos discutindo essa questão hoje”, disse.
Último a votar, o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, disse que o papel do tribunal que dirige é “o de aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária”. Segundo o ministro, “para problemas complexos, sempre há soluções simples. E, geralmente, erradas”.
Votos vencidos
Apenas dois ministros divergiram do entendimento majoritário do Plenário do STF — Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Os dois, no entanto, não votaram no mesmo sentido. Carlos Britto confirmou sua posição já conhecida por seus votos no Tribunal Superior Eleitoral, de que aquele que responde a processo criminal pode ter sua candidatura rejeitada.
Já o ministro Joaquim Barbosa valorizou um pouco mais o princípio da presunção de inocência. Para ele, só pode ser negada a candidatura daquele que já foi condenado em segunda instância, ainda que a condenação não tenha transitado em julgado.
O ministro Carlos Britto foi mais rigoroso e favoreceu a moralidade em detrimento da presunção de inocência. “Quem pretende ingressar nos quadros estatais como a face visível do Estado há de corresponder a um mínimo ético”, disse em seu voto. Para ele, não cabe presunção de inocência em matéria eleitoral.
O representante do povo deve ser “cândido, puro e depurado eticamente”, disse. Ele fez a distinção dos princípios fundamentais individuais, sociais e políticos ressaltando que estes últimos envolvem não o indivíduo diretamente, mas a representação da coletividade. “Nos princípios políticos, o exercício da soberania popular e da democracia representativa não existe para servir aos titulares do direito, mas à coletividade, em favor da polis.”
Para Britto, o trânsito em julgado não deve ser exigência para rejeição da candidatura. Ele afirmou que, na redação original do parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição Federal, a necessidade do trânsito em julgado protegia pessoas, mas a nova redação do artigo, dada pela Emenda de Revisão 4/94, protege os valores de probidade administrativa e moralidade para o exercício do mandato. O ministro lembrou que há a exigência expressa de trânsito em julgado nos casos de suspensão dos direitos políticos. Foi vencido.
Estado Democrático
O Brasil já proibiu, em outras ocasiões, que pessoas concorressem a cargos eletivos pelo simples fato de ter contra si denúncia recebida pela Justiça. A proibição era prevista na Lei Complementar 5, de 1970, aprovada no governo do general Emílio Garrastazu Médici, considerado o mais duro do último ciclo de ditadura militar no país.
O artigo 1º, inciso I, alínea n, da lei estabelecia que eram inelegíveis “os que tenham sido condenados ou respondam a processo judicial, instaurado por denúncia do Ministério Público recebida pela autoridade judiciária competente, por crime contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública e a administração pública, o patrimônio ou pelo direito previsto no art. 22 desta Lei Complementar, enquanto não absolvidos ou penalmente reabilitados”.
À época, o TSE considerou a regra inconstitucional, mas o Supremo a confirmou. De qualquer forma, os ministros eleitorais entenderam que impedir o registro de candidatura sem condenação feria a Constituição de 1969 — que foi baixada e posta a serviço da ditadura militar.
Mesmo nos anos de chumbo, a fórmula foi considerada autoritária porque suprimia a elegibilidade de qualquer cidadão pelo simples fato de haver contra ele denúncia recebida por determinados crimes. Coube ao governo nada democrático do general João Figueiredo, o último da série de generais-presidentes, sancionar a Lei Complementar 42/82 e revogar a regra. A partir de então, apenas candidatos condenados eram inelegíveis.
Revista Consultor Jurídico