A Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras S/A foi condenada em primeiro grau pelo juiz da 1ª Vara da Comarca de Venâncio Aires, João Francisco Goulart Borges, a pagar à Indústria e Comércio de Confecções Sobremonte o valor de debêntures que esta possui como portadora.
A sentença foi proferida nos autos de ação de cobrança de uma debênture série “C” emitida em 1972. O julgador expôs que a Lei n.º 4.156/1962 possibilitou à Eletrobrás tomar obrigações resgatáveis do consumidor de energia elétrica, estabelecendo a devolução em dez anos, prazo que foi prorrogado posteriormente para vinte anos, e que o Decreto-lei n.º 644/1969 – que regulamentou o prazo de resgate em dinheiro -, não fixou prazo para que os credores reclamassem seus direitos.
“Tenho até que o Estado brasileiro abriu mão dos benefícios que a lei tributária lhe confere ao efetuar o empréstimo compulsório junto aos consumidores de energia elétrica, possibilitando, assim, os investimentos necessários na Eletrobrás, emitindo as debentures e instituindo um dilatado prazo de vinte anos de carência, prazo em que a empresa poderia respirar, ampliar suas redes, atrair novos consumidores e assim capitalizar-se, para somente então pagar o empréstimo tomado”, anotou o juiz.
Desse modo, argumentou o magistrado que se as debêntures foram a forma de escolhida para materialização do crédito do empréstimo compulsório, são aplicáveis as regras de Direito Civil e não Tributário, afastando-se o prazo prescricional de cinco anos. embora se trate de devolução de uma espécie tributária.
“Admitir o contrário é admitir que o governo possa enganar o povo, pois é isso que ao fim e ao cabo estará acontecendo, pois quem recebe debênture naturalmente acredita que as regras aplicáveis são as que disciplinam esta forma de título, a lei civil”, expressou o juiz Goulart Borges, ainda esclarecemdo que a prescrição quinquenal não beneficia empresa pública, sociedade de economia mista ou qualquer outra entidade estatal que explore atividade econômica.
Para o magistrado, a Eletrobrás deve resgata o título, efetuando o pagamento à autora, que é a legítima portadora e titular do crédito, devidamente corrigido, levando-se em conta os prejuízos decorrentes dos planos governamentais e seus expurgos inflacionários, com os juros remuneratórios constantes do documento e moratórios legais.
Finalizando a sentença, o julgador fez uma resignada observação sobre a jurisprudência do STJ: “Sabe-se que a orientação tende a mudar, como já mudou tantas outras vezes nesse país, a exemplo das ações da CRT, do compulsório da TRU, da prescrição nas ações em que os poupadores foram prejudicados pelos expurgos inflacionários, mais recentemente em relação ao repasse do Pis e Cofins aos consumidores do serviço, mas enfim, no caso em tela é uma questão de entendimento pessoal, não de ajustamento.”
Os honorários advocatícios foram arbitrados em 5% sobre o valor da condenação.
Em tempo: o valor da causa é de R$ 26.913.690,93.
Cabe recurso.
Atuam em nome da autora os advogados Valtrícia Bertinato, Gabriele Kurz Peres e Marcelo Soares Benaventana. (Proc. nº 077/1.07.0002274-0),
ÍNTEGRA DA SENTENÇA (01.10.10)
Comarca de Venâncio Aires
1ª Vara
Rua Berlim da Cruz, 1306
Nº de Ordem:
Processo nº: 077/1.07.0002274-0 (CNJ:.0022741-94.2007.8.21.0077)
Natureza: Cobrança
Autor: Indústria e Comércio de Confecções Sobremonte
Réu: Centrais Elétricas Brasileiras S/A
Juiz Prolator: Juiz de Direito – Dr. João Francisco Goulart Borges
Data: 09/09/2010
Vistos etc.
INDUSTRIA E COMERCIO DE CONFECÇÕES SOBREMONTE LTDA., devidamente qualificada, ajuizou Ação Ordinária de Cobrança em face de CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A, igualmente qualificada.Em síntese, sustenta ser proprietária de uma debênture série “CC”, emitida pela ré, no ano de 1972, número: 039857. Discorreu sobre o empréstimo compulsório instituído em lei, das debêntures, resgate das debêntures que seria de 20 anos, dilação do vencimento, com possibilidade de conversão em ações da Eletrobrás. Sequência das modificações introduzidas – empréstimo compulsório já recolhido, sem que tenha havido emissão das debêntures, empréstimo compulsório cujas contas já havia sido trocadas por debêntures -, inexistência de litisconsórcio passivo necessário da União Federal, competência em função da matéria (Justiça Comum Estadual).
Ainda, da prescrição – início do prazo prescricional para exigir pagamento das debentures da Eletrobrás, prazo prescricional das sociedades de economia mista, aplicação do Código Civil, matéria pacificada no Superior Tribunal de Justiça, inaplicabilidade no caso concreto, do art. 1º do Dec. 20910/32, da renúncia e da interrupção da prescrição. Sobre a correção monetária, os índices, do reconhecimento pelo STJ da validade das debêntures.
Do pedido: a procedência da ação, sendo a requerida condenada no resgate dos títulos, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros, em dinheiro ou equivalente em ações.
Citada, a demandada apresentou Contestação às fls. 66/99. Expôs da demanda, alegando esta não encontrar óbice na legislação aplicável, vez que os créditos estão atingidos pela decadência e a ação extirpada pela prescrição. Da necessária inclusão da União no pólo passivo, da competência da justiça federal, da necessária extinção da demanda pela decadência do direito ao resgate do título e pela prescrição do direito de ação – do decurso do prazo, da prescrição da ação.
Do mérito: pontuou sobre a diferenciação entre obrigações ao portador e debêntures, da origem das obrigações ao portador emitidas pela Eletrobrás, do procedimento para recebimento de juros e resgate do título, da correção monetária, previsão constitucional e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, da inaplicabilidade da taxa Selic. Dos honorários advocatícios.
Do pedido: seja incluída a União no pólo passivo, seja declarada a prescrição dos títulos, pelo princípio da eventualidade, se houver condenação a ré, que os títulos sejam corrigidos pelos critérios de correção monetária previstos na legislação específica da exação em tela.
Em réplica (fls. 130/136), o autor os argumentos esposados na contestação, repisando as alegações iniciais.
Perguntados à respeito das provas que pretendem produzir, veio aos autos o autor referir que pretende realizar provas juntando acórdão de Apelação Civil nº 70022811640, onde a matéria é idêntica a dos autos – fls. 207/211. Já a demandada, requereu seja anexado aos autos os documentos originais, juntamente com a prova pericial grafotécnica, protesta também pela produção de provas através de perícia contábil – fls. 212/213.
Manifestou-se o autor no sentido de juntar aos autos os documentos originais, acrescidos de laudo pericial documentoscópico e laudo de atualização monetária – fls. 217/236.
Diante da exposição do perito à respeito dos valores cobrados, desiste da perícia a parte demandada – fls. 242, requerendo o julgamento antecipado da lide.
Vieram os autos conclusos.
É O RELATO.
PASSO A DECIDIR.
Rejeito as preliminares. A ação está bem endereçada à Justiça Estadual, não tendo a União interesse algum na causa diante da expressa renúncia do crédito em relação a mesma, não havendo lugar para deslocamento da competência em favor da Justiça Federal.
PROCESSUAL CIVIL – OFENSA AO ART. 47 DO CPC – PREQUESTIONAMENTO AUSENTE – INADMISSIBILIDADE EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DE ENERGIA ELÉTRICA – AÇÃO DE COBRANÇA – OBRIGAÇÕES AO PORTADOR – COMPETÊNCIA.
1. É inadmissível o recurso especial quanto à questão não decidida pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. Inteligência do Enunciado nº 282 da Súmula do STF.
2. Segundo a jurisprudência desta Corte, a legitimidade para discutir o empréstimo compulsório de energia elétrica e sua devolução é unicamente da ELETROBRÁS, em favor de quem foi instituído o empréstimo. Em consequência, a competência para dirimir a controvérsia é da Justiça Estadual.
3. Excepcionalmente, quando a União ingressa no feito demonstrando interesse, nos termos do art. 5º da Lei 9.469/97, deve-se proceder ao deslocamento para a Justiça Federal, o que não ocorre na hipótese dos autos.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.(R ecurso Especial nº 1018509/DF (2007/0305694-5), 2ª Turma do STJ, Rel. Eliana Calmon. j. 24.03.2009, unânime, DJe 23.04.2009).
Esta renúncia é perfeitamente legal e possível, beneficiando a União e vinculando a empresa autora ao orçamento da empresa pública quando do recebimento do que lhe é devido.
Sobre a matéria, inicialmente, importa anotar que a Lei n.º 4.156/1962 possibilitou à Eletrobrás a tomada de obrigações resgatáveis do consumidor de energia elétrica, estabelecendo que a devolução ocorresse no prazo de dez anos, prazo este que foi prorrogado posteriormente para vinte anos.
Já o Decreto-Lei n.º 644/1969, que regulamentou o prazo de resgate em dinheiro, não fixou prazo para que os credores reclamassem seus direitos, de modo que se legitima para a cobrança o portador das debêntures.
Tenho até que o Estado Brasileiro abriu mão dos benefícios que a lei tributária lhe confere ao efetuar o empréstimo compulsório junto aos consumidores de energia elétrica, possibilitando, assim, os investimentos necessários na Eletrobrás, emitindo as debentures e instituindo um dilatado prazo de vinte anos de carência, prazo em que a empresa poderia respirar, ampliar suas redes, atrair novos consumidores e assim capitalizar-se, para somente então pagar o empréstimo tomado.
Abriu mão porque escolheu a forma de devolução, entregando aos consumidores debêntures, com registro no CRI, título nitidamente civil, tais como a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata e o cheque, como que induzindo aos cidadãos brasileiros consumidores da energia de então a acreditar que as regras do direito civil seriam respeitadas quando do resgate. Se entregasse um cheque, por certo que os consumidores acreditariam que os prazos da lei do cheque seriam observados, se fosse nota promissória também. Portanto, se escolheram debêntures como forma de materialização do crédito representativo do empréstimo compulsório, então as regras são do direito civil, não do direito tributário, e, por conseguinte, não se aplica o prazo prescricional de cinco anos.
Não se trata de se poder ou não analisar a controvérsia pelo ângulo da qualificação jurídica da empresa que irá devolver o compulsório, mas sim de atentar para a natureza do título que a Eletrobrás entregou ao cidadão para assegurar a devolução do dinheiro objeto do empréstimo compulsório.
No caso, é bem verdade, se trata de devolução de uma espécie tributária, o empréstimo compulsório que o governo fez incidir sobre o consumo de energia elétrica. Mas a questão não é saber se perde o tributo a sua natureza jurídica no momento da devolução ou não, pois já perdeu no momento em que se optou por debêntures como forma de devolver o que compulsoriamente se tomou. Admitir o contrário é admitir que o Governo possa enganar o povo, pois é isso que ao fim e ao cabo estará acontecendo, pois quem recebe debênture naturalmente acredita que as regras aplicáveis são as que disciplinam esta forma de título, a lei civil.
O Governo Federal daquela época poderia assim deliberar, com o propósito de senão evitar, ao menos atenuar os naturais desgastes com a antipática medida de penalizar os consumidores de anergia com o empréstimo compulsório e não toda a sociedade civil que seria beneficiada com os investimentos em energia elétrica.
Também é de se indagar porque se optou por tributar consumidores de energia, os quais, em tese, não teriam um benefício maior, pois já estavam sendo beneficiados com o fornecimento de energia, e não toda a sociedade civil que seria beneficiada com o aumento da rede, como é próprio da ética tributária.
De qualquer sorte, entendo que não colhe a tese prescricional esgrimida pela empresa ré, sendo assente na jurisprudência do STJ que a prescrição quinquenal, prevista pelo Decreto n.º 20.910/32, não beneficia empresa pública, sociedade de economia mista ou qualquer outra entidade estatal que explore atividade econômica (REsp n.º 897.091/MG, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, 2.ª Turma). No mesmo sentido, REsp n.º 431.355/MG, Rel. Min. Franciulli Netto:
“A prescrição quinquenal, prevista no Decreto n.º 20.910/32, não beneficia empresa pública, sociedade de economia mista ou qualquer outra entidade estatal que explore atividade econômica”.
O TJRS vem decidindo neste mesmo sentido, conforme se pode observar nos julgados trazidos pela própria empresa autora e nos que destaco:
“A prescrição, em se tratando de ação de cobrança para resgate do valor relativo à debênture, é de 20 anos. Art. 177 do CC de 1916. Não incidência do prazo de cinco anos previsto no Decreto n.º 20.910/32, aplicável à Fazenda Pública.”
(Apelação Cível n.º 70021466925, Rel. Des. José Aquino Flores de Camargo, 20.ª Câmara Cível)
A empresa ré deve resgatar os títulos, efetuando o pagamento devido a empresa autora, legítima portadora e titular do crédito que eles contém, devidamente corrigido.
A correção monetária deve levar em conta, também, os prejuízos decorrentes dos planos governamentais e seus conhecidos expurgos inflacionários. Neste sentido, adota-se a Súmula nº 252 que reza que os saldos das contas do FGTS, pela legislação infraconstitucional, são corrigidos em 42,72% (IPC) quanto às perdas de janeiro de 1989 e 44,80% (IPC) quanto às de abril de 1990, acolhidos pelo STJ os índices de 18,02% (LBC) quanto as perdas de junho de 1987, de 5,38% (BTN) para maio de 1990 e 7,00%(TR) para fevereiro de 1991, de acordo com o entendimento do STF (RE 226.855-7-RS).
Não poderia ser diferente, pois a correção monetária não poderia desconhecer e desprezar a efetiva desvalorização da moeda nos expurgos inflacionários dos denominados planos de estabilização econômica, já reconhecido por matéria sumulada.
Sobre os juros remuneratórios, adota-se o que constou no título. Já quanto aos moratórios, são os juros legais, contados da citação e segundo o Código Civil de 1916, em vigor quando da constituição do título.
Sabe-se que a orientação tende a mudar, como já mudou tantas outras vezes nesse país, a exemplo das ações da CRT, do compulsório da TRU, da prescrição nas ações em que os poupadores foram prejudicados pelos expurgos inflacionários, mais recentemente em relação ao repasse do PIS e COFINS aos consumidores do serviço, mas enfim, no caso em tela é uma questão de entendimento pessoal, não de ajustamento.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a ação para condenar a Eletrobrás a pagar a empresa autora Indústria e Comércio de Confecções Sobremonte ltda., legítima portadora das debêntures acostadas à inicial, o valor nos títulos consignados, acrescidos de correção monetária desde os respectivos vencimentos, adotando-se os indexadores oficiais ( IPC, IGPM) e, também, aqueles ditados pela Súmula 252 do STJ, nos períodos a que se refere, cumuláveis anualmente, acrescidos de juros legais conforme o que constar no verso dos títulos, ou seja, 6% ao ano, e juros de mora conforme a lei da época da constituição da dívida, art. 1.062 do CC/16.
Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 5% sobre o valor da condenação.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Venâncio Aires, 09 de setembro de 2010.
João Francisco Goulart Borges,
Juiz de Direito