As eleições legislativas e locais de meio mandato ocorridas esta semana, nos Estados Unidos, garantiram uma nova e curiosa emenda à Constituição do Estado de Oklahoma. E o que era para ser um referendo popular foi parar nos tribunais.
Um cidadão muçulmano de Oklahoma entrou com um processo, nesta quinta-feira (4/11), para suspender os efeitos de uma emenda na Constituição Estadual que proíbe os tribunais do estado de levar em consideração leis internacionais e “ponderar” sobre qualquer aspecto da lei islâmica (conhecida como Sharia) durante audiências.
A proposta de emenda constitucional, aprovada por 70% do voto popular, foi incluída na cédula de votação das eleições legislativas e locais desta terça-feira (2/11). Além de escolherem congressistas, os eleitores do estado foram consultados sobre uma série de outros temas, também enumerados na cédula.
A petição, apresentada à corte federal dos EUA de Oklahoma City, solicitava uma liminar para impedir que o resultado da consulta popular seja registrado no Conselho Eleitoral do estado. De acordo com o argumento do processo, o referendo desfigura a Constituição de Oklahoma, incluindo em seu conteúdo uma “condenação permanente” ao Islã, por discriminá-lo com restrições excepcionais que não são aplicadas a outras denominações. O resultado da votação tem que ser registrado junto ao Conselho até o dia 9 de novembro para que seja convertido em lei.
Muneer Awad, diretor-executivo do Conselho de Relações Islâmico-Americanas e autor da ação, afirmou à reportagem do The Washington Post que “há um punhado de políticos que nos empurraram essa emenda constitucional, realizando assim uma bem sucedida campanha de desinformação e medo. Disponho de direitos inalienáveis, e esses direitos não podem ser tomados de mim por uma campanha política. Além do mais, a emenda invalida a menção ou a referência a qualquer tratado internacional em nosso estado”, acrescentou.
O protesto de Awad ganhou o apoio de juristas, que também questionaram a natureza da emenda. A salvaguarda contra leis internacionais e contra a Sharia foi considerada “desnecessária e estranha” por Joseph Thai, especialista consultado pela agência de notícias The Associated Press. Thai, que é professor da Escola de Direito da Universidade de Oklahoma, afirmou que “não há perigo ou ameaça plausíveis de que leis internacionais ou mesmo leis islâmicas se sobreponham ao nosso sistema jurídico”.
Para o professor, a ausência de justificativas para o referendo torna a medida provocativa e gratuita, uma vez que os tribunais só levam em consideração o Direito Internacional “em questões que envolvem tratados federais, contratos de negócios ou ainda a reivindicação de garantias que incorporam leis internacionais”, explicou.
O acadêmico ironizou ainda as “questões entre igreja e Estado” colocadas pelo referendo. “Certamente, os Dez Mandamentos correspondem a uma lei internacional criada fora dos limites de Oklahoma”, brincou.
Se registrada junto ao Conselho Eleitoral, como previsto, a emenda constitucional passa a valer, no estado, a partir de janeiro do próximo ano. O congressista Rex Duncan, autor da proposta, explicou à imprensa que a intenção não é desrespeitar a comunidade islâmica em Oklahoma, mas sim fazer frente a “juízes ativistas”, que lançam mão de invocar o Direito Internacional ou leis étnicas para dissimular decisões que deveriam, claramente, ser orientadas somente pela legislação estadual.
A medida foi descrita por Duncan como um “ataque preventivo”, já que, “em Oklahoma”, justificou, “a ameaça representada pelos juízes ativistas é evidente”. Duncan disse ainda que a motivação da emenda é censurar “a mentalidade e a cultura” de voltar o olhar para outros países quando se avalia processos judiciais no estado.
Veículos especializados em cobertura jurídica também ironizaram o que chamaram de “paranoia envolvendo o referendo”, avaliando que a votação criou um problema onde não existia. Ashby Jones, colunista do blog de Justiça do diário The Wall Street Journal, disse, em texto publicado nesta quinta-feira (4/11), que a proposta de emenda “certamente não foi motivada por dificuldades que os cidadãos de Oklahoma têm tido com juízes que citam imprudentemente trechos do Alcorão em audiências judiciais”.
Antes dele, o jornalista Nathan Koppel, que também escreve para o blog, lembrou que até os defensores da medida admitem que não há conhecimento de um único caso em Oklahoma em que a Sharia, a lei islâmica, tenha sido mencionada ou referida em qualquer julgamento.
De acordo com o Conselho de Relações Islâmico-Americanas, entre 20 e 30 mil muçulmanos vivem no estado.